sexta-feira, 17 de agosto de 2007

Uol usa botox e silicone na manifestação do "Cansei" *

Do blog do Rovai

É impressionante como alguns setores da mídia perderam completamente a vergonha e a cara-de-pau. Eram umas 12h30 quando cheguei à Praça da Sé para começar a cobertura do evento que mereceu durante 30 dias destaque em toda a mídia nacional. Naquele momento liguei para o editor executivo da Fórum, Glauco Faria, que trabalhou na atualização do blog na redação e lhe informei que os cansados eram aproximadamente uns 300. Atualizo agora a informação, ao final do ato creio que havia entre 1,2 mil e 1,5 mil pessoas. Uma boa parte que não tinha nada a ver com o movimento, mas que em pleno horário de almoço na Praça da Sé, vendo o locutor anunciar a presença de Hebe, Ivete Sangalo, Agnaldo Rayol, Osmar Santos etc., parou e ficou para ver o que ia acontecer. Lembrem-se, foi um ato rápido. O grande protesto foi entre 13h00 e 13h01, o tal 1 minuto de silêncio.

Mas, para minha surpresa, quando cheguei à redação e acessei o Universo On Line vejo que o portal do grupo Folha de S. Paulo, trabalha com a informação divulgada pelo presidente da OAB-SP. Veja o que D´Urso disse: “Somos 5 mil pessoas, gente em todos os cantos dessa praça. Gente espalhada pelos prédios, gente que nos apóia”. Para chegar aos 5 mil, o presidente da OAB-SP precisou contabilizar as pessoas que olhavam o que estava acontecendo a partir dos prédios, precisou contar os que estavam em todos os cantos da Praça da Sé.

Já o Uol não precisou de nada disso para chegar nas 5 mil pessoas. Apenas usou a CET do Kassab e a PM do Serra, além do método mais picareta que existe para construir imagens que dêem idéia de multidão. Deu destaque para algumas fotos com pequenos grupos e para uma ou outra com profundidade, mas com destaque para o primeiro plano. Se quiser conferir,
vá lá. Olhe no álbum de fotos da manifestação. Agora, olha aqui a foto feita às 13h10 pelo jornalista Fredi Vasconcelos. Vejam a diferença dessa imagem para a que o Uol publica.


Com aquelas fotos, quem não foi fica impressionado. Quem não foi pensa em gente pulando indignada, vaiando com força. Uma das imagens, por exemplo, destaca um senhor de camisa azul e cabelos brancos com a mão na boca e um engravatado feliz apoiando a vaia do colega.

Outra foto, mostra uma senhora com óculos escuros e cara de choro e um manifestante com um cartaz anti-Lula. Dá idéia de emoção e revolta. Pois bem. Vamos ao que ocorreu então.

Uma manifestação sem pé nem cabeça – Foram poucas às vezes que fui a um ato tão sem pé e nem cabeça como a esse de hoje. Ele não tinha palavras de ordem, reivindicações, nada. Tinha 1 minuto de silêncio, Agnaldo Rayol cantando o hino nacional, vários famosos no palanque e um apresentador que deu o toque político (veja abaixo). Aliás, ele, pelo que apurei um advogado conhecido por JB, não cansou de repetir “que não era uma manifestação contra o governo. Não era contra um partido” (Freud explica).

E foi pela boca do JB que saiu quase tudo que foi dito no ato. Além dele, falaram apenas os religiosos que fizeram o culto ecumênico (entre eles o Padre Antonio Maria), o presidente da OAB-SP e Hebe, que disse umas três frases.

Sem dúvida, o mais interessante foram as frases do advogado JB, destaco algumas:

— E esse movimento em defesa do Brasil haveria de começar de começar em São Paulo. Por que no brasão da bandeira do Estado de São Paulo, em latim, está escrito: ‘não sou conduzido, conduzo’. E nós de São Paulo conduzimos. E vamos conduzir o Brasil. Para o bem, claro...

— Acho que muitos dos que vieram aqui, como eu, vivem o mesmo drama. Apesar de minha filha ter estudado numa das melhores faculdades do Brasil, mesmo tendo feito estágios em excelentes empresas, minha filha teve que ir morar fora do Brasil para trabalhar. Hoje minha filha está lá fora. Ela vive na Europa. E eu quando tenho saudades da minha neta tenho que atravessar o Oceano para lhe dar um beijo.

— Acaba de chegar o apresentador Osmar Santos. Osmar Santos é uma pessoa que perdeu os movimentos físicos, mas está com todos os seus movimentos cívicos.

— Vale mais acender uma vela do que enaltecer a escuridão.

Bem, o advogado JB disse outras tantas frases ‘impactantes’ que traduzem um pouco da luta e da indignação do movimento "Cansei". Lembrou, por exemplo, o hino do exército, que, segundo ele, fala “a paz queremos com fervor”. E lembrou que há alguns anos as pessoas não sabiam o que era a palavra sequestro.

Mas além das falas de JB, algumas outras histórias também merecem registro:

Historinha 1 – Ao fim do ato os famosos saíram escoltados pelos “homens de preto”. Seguranças fortes e de terno garantiram com algumas boas cotoveladas que os famosos passassem num corredor polonês completamente protegidos daqueles que ali estavam para conseguir um autógrafo. De repente, um grupo de aproximadamente 30 pessoas começou a cantar: “Ana Maria, cadê você, eu vim aqui só pra te ver”. Das quatro famosas que chamaram a convocação em filipetas e cartazes, apenas a metade esteve lá. Hebe e Sangalo foram, mas Regina Duarte e Ana Maria Braga talvez tenham sido substituídas por Silvia Popovic e pela ex-deputada federal tucana, Zulaiê Cobra Ribeiro, uma das mais animadas em cima do palanque.

Historinha 2 – D´Urso da OAB-SP anuncia que é chegada a hora do 1 minuto de silêncio. O palanque está a frente da escadaria da Sé. Uma boa parte dos cansados que foram à manifestação sentou ali, nas escadas, ao invés de ir para a frente do palanque. A equipe de TV do "Cansei" começa a filmar a escadaria e percebe que as pessoas continuam sentadas, imóveis. O jornalista (imagino que era um jornalista) que vestia uma camisa preta, com o slogan "Cansei", começa a pedir desesperado, agitando os braços, que as pessoas se levantem e coloquem a mão no peito para que possa fazer as imagens. Em menos de 1 minuto a cena estava pronta.


Historinha 3 – Faltavam cinco minutos para o ato começar. Um senhor simples, carregando um saco plástico com alguns mantimentos dentro chega atrás do palanque e fica olhando como se não estivesse entendendo nada. Pára, olha pros lados, e como vê muita gente de preto, pergunta para um bem postado engravatado: “Ué, o que tá acontecendo, morreu alguém?”. O engravatado, olha de cima pra baixo, faz uma cara de nojo, vira as costas e sai andando. Este jornalista, que acompanhava a cena, explica para o senhor o que está acontecendo. Ele devolve com uma outra pergunta: “então é coisa contra o Lula?”. Dou um sorriso. Ele balança a cabeça, faz cara de nojo e sai andando.

Historinha 4 – Enquanto o apresentador JB lamentava os 30 dias completados nesta sexta-feira, 17, do pior acidente da aviação brasileira, uma das manifestantes, que pediu para ser identificada apenas como Maria, levantou-se das escadas de frente à Catedral, onde estava sentada, e gritou:

“E o Metrô? Fala do buraco do Metrô, foi lá que começou.”

Segundo ela, que passava no local e aderiu porque viu que não era um movimento contra nada e nem contra ninguém, o descaso geral começou com o acidente do Metrô em Pinheiros, Zona Oeste de São Paulo. Na ocasião, “morreram, foram enterrados, e todos se esqueceram deles”. Ela não compara as tragédias, só pede que seja também lembrada.

O apresentador termina o discurso, ouve os gritos e sinaliza com as mãos que depois voltará à carga, incluindo no discurso o acidente nas obras sob responsabilidade do governo estadual. Claro, o ato termina sem que o caso do Metrô fosse lembrado.

Por fim – Até entendo que seria demais para o Uol contar essas e outras tantas histórias do ato de hoje, mas não precisava exager tanto no botox e no silicone para deixar a manifestação do "Cansei" tão mais bonita do que ela foi.

*
Renato Rovai é editor da Revista Fórum. Neste blog conta com produção de artigos e reportagens por parte de colaboradores e da redação da revista.

7 comentários:

Rodrigo Bodão disse...

pois é camaradinha, eu avisei(...cansei...vai tomar no cu... no blog)

bom foi ver esses novos dados que vc brilhantemente adicionou e com isso desmascarou, de uma vez por todas, a origem e o alinhamento intelectual e político dos que criaram/aderiram/protagonizaram essa palhaçada intelect/polict/caô promovida por esses tais almofadinhas paulistanos, embaçados,
cansados de serem forçosamente sentados, nem assim tão confortavelmente nas picas/efeitos colaterais do conforto que ostentam, almejam e vivenciam...

coitados...

antes estivessem vendados...
ou gostando...

filho...tb sou filho da classe média, moro num bairro de classe média...bebo com reacionários coroas da classe média, assim como confraternizo com esse tipo de gente todo natal...

por isso afirmo - e o recado, aguardando resposta, vai pro amigo faveleiro tb - que:

o buraco é mais embaixo...

o recorte de classe ainda é válido (apesar das novas teorias sócio-políticas pós-glasnost que intentam justificar o financiamento da pesquisa acadêmica tendenciosa e liberal e sua correlata política imperialista), mas...

a vibração do pensamento por vezes atravessa essas fronteiras demarcadas e alguns rancores calejados...

mermão,

o bagulho é outro...

em distorções que mal traduzem a lei, há exceções que confirmam a regra...

tipo eu!!!!

PORRA!!!

Aguardo resposta (melhor se for postagem : , pra gerar debate!!!!!!!!!!!!!!!!

bodvéi

Vitor Castro disse...

Amigo Bode Ancião (ou bodvéi, como preferir). Gostaria de discordar de você para gerar uma certa polêmica e estimular ainda mais o debate. Mas cá estou eu, como você (sem trocadilho!), cumprindo o papel de exceção. Nunca passei sufoco na vida, embora também não tivesse condições de qualquer tipo de ostentação. Mas me incluiria na tal classe média. Hoje então, depois de anos de labuta do papai, se apertar, tenho uma certa segurança de onde recorrer.

Mas nem por isso (ou talvez por isso), deixo de me preocupar. Por quê? Não faço idéia. Compartilho essa ‘ignorância’ com alguns outros companheiros. Uns, inclusive, ‘mais classe média’ do que eu, e realizando algumas atividades, comprando algumas brigas que em tese não seriam nossas, nos perguntamos o porquê. Ainda não tenho resposta pra isso. E nem sei se ela existe. E se existe, talvez seja melhor não sabê-la.

Tipo esse blog. Quem o lê? Isso faz diferença pra ti? Pra mim? Pra Clê e pro Faveleiro? Acho que não. O que ganhamos com isso é mais interno, pessoal, do que outra coisa que possa vir a trazer. Ou não?

Mas há um perfil, muito comum, que são esses ‘classes médias’, que se dizem ‘socialmente responsáveis’, etc., que fazem questão de aparecerem como tais. Talvez estejamos diante do retrato mais fiel desses sujeitos nessa manifestação escrota da tal do ‘cansei’. São uns babacas, sem ter o que fazer, reclamando de barriga cheia (para não falar com os bolso$...). (O cara falar que é um absurdo ter que atravessar o Atlântico pra visitar a filha é dureza).

O que me intriga são essas pessoas, imbecis, sem o mínimo discernimento crítico para certas coisas. Os caras têm dificuldade de defender seus interesses de forma clara, parecem ter medo de assumir que são escrotos. E isso os torna ainda mais escrotos.

As exceções estão aí, muitas de juntando, se conhecendo, trocando, debatendo, discordando, enfim, alguma coisa pode sair daí. Talvez essa seja a resposta...

abs.,
capilo, o camaradinha

F A V E L E I R O disse...

Old bode,
entendo o que te incomoda na minha fala, inclusive já discutimos isso em algum momento. Quando me refiro à classe média é preciso fazer uma leitura para além do fator financeiro. Trata-se de um ethos, de uma lógica de pensamento... Me responda, o Romário (ou outros tantos jogadores de origem pobre e hoje ricos)pertence a classe alta? Por mais dinheiro que tenha, ele sempre continuará com seu ethos de favelado, do subúrbio, etc.
Me recordo também que em uma outra ocasião, te disse que voce se enquadrava numa categoria que pego emprestado da matemática: não está contido, mas pertence. Ao contrário de outros que estão contidos mas não pertencem. Mas isso por conta de uma trajetória de vida tua muito peculiar que te permitiu a convivencia em diferentes espaços.
Mas lembre-se: por mais solidária, comprometida, etc... que seja a classe média, o lugar de fala é outro, as marcas trazidas são diferentes! E isso em algum momento faz diferença...
Quer saber...? Esse debate tem que ser regado com aquele líquido dourado e gelado de preferencia na quadrada mesa de ferro...
Um abraço

Rodrigo Bodão disse...

gostei do ethos...e gostei mais ainda do encaminhamento...serve Bohemia???

Abraço

Vitor Castro disse...

Ao homem da favela e ao homem do cavamnhaque:

Já como pauta para encaminhamento: Peculiaridades todos temos. Se for analisar um por um, fica difícil estabelecer esse tal aí, como é mesmo o nome?, ethos.

Estar onde estamos é um indicativo dessa peculiaridade, de convivência com diferenças e, principalmente, a tolerância dessas diferenças.

E assumimos e aceitamos essas diferenças, não temos medo de dizer quem somos ou o que pretendemos (se é que pretendemos alguma coisa), diferente de uma casta (para evitar a tal da classe) que não diz a que veio, e faz questão de dizer besteiras, de usar havaianas e dizerem almejar paz e amor, mas que porra nenhuma fazem nesse sentido.

Essa diferença que o companheiro faveleiro menciona, do local, logicamente que concordo, sempre faz diferença a formação sociocultural do sujeito, mas nem por isso é mais fácil estar mais próximo de ideais que estejam no seu 'lugar' do que em outros locais (ficou confuso isso... melhor partir pro encaminhamento).

Abs

Anônimo disse...

O que eu acho, ainda que ninguém tenha perguntado, é que não dá pra definir o cidadão só pelo que ele pode consumir. Porque é isso que nos faz (eu e vocês, caros amigos burgueses) classe média. Mas, no fim, somos fudidos como a maioria. Por que? Porque não somos da classe que explora, que detém. Somos daqueles infelizes que a única coisa que podem fazer na vida é vender sua força de trabalho, mesmo que tenhamos condição de consumir mais, principalmente, por conta do que acumularam nossos pais. E tenho dito!!!
Ahh, adorei o apelido (Clê) e estou de acordo com o encaminhamento. Precisamos de uma reunião etílica pra discutir coisas subversivas.

Anônimo disse...

Em tempo...gostei do ethos tbm! Faveleiro entrou de férias e anda inspirado...