quarta-feira, 15 de agosto de 2007

Falando em jornalismo...


E já que custei a postar alguma coisa por aqui, vou aproveitar o embalo. Falei há pouco de uma entrevista com Fausto Wolff, jornalista das antigas, e bom. Da mesma leva, tínhamos Joel Silveira, autor de mais de 40 livros e de nem imagino quantas reportagens, publicadas em diversas publicações.

Joel morreu na manhã de hoje, quarta-feira (15 de agosto), aos 88 anos. Assis Chateaubriand, o Chatô, chamava-o de víbora, divertida e ferina. Numa de suas famosas crônicas, relatava o casamento da elite paulistana. Na mesma crônica, relatava o casamento de um casal, a noiva, empregada de uma das fábricas do Matarazzo, ricaço paulista que estava também casando. Abaixo um trechinho, que acho que vale a pena:

"(....) Oitenta milhões de cruzeiros de dote; duzentos mil cruzeiros para um souvenir oferecido à noiva pelos diretores do grupo Matarazzo; um núncio e três bispos; coral com a melhor música sacra de Palestrina - tanta coisa mais, meu Deus, que teria acontecido com o conde Francisco Matarazzo Júnior? Que teria acontecido? Antes tão pacato, metido lá com os seus negócios, de casa para suas fábricas, das fábricas para o maciço arranha-céu do viaduto, e de repente, por artes diabólicas, o demônio da ostentação toma conta do seu espírito e o obriga àquele espalhafato todo.

'Não sei não, meu senhor, mas acho que o conde Chiquinho está gastando dinheiro demais', foi o que me disse, na redação do Diário de São Paulo, dona Olívia Figueira Ramos, mãe de uma outra noiva, imensamente mais modesta. Ela fora ali, atraída pela publicidade que o jornal vinha dando ao imponente casório, e nos aparecia armada de uma lógica ingênua e simples. Disse:

- Leio todo dia notícias do casamento da filha do conde, e pensei que os senhores podiam publicar uma notinha qualquer sobre o noivado de minha filha. Ela se casa sábado. (....) Moço, será que só a filha do Matarazzo tem o direito de ver o seu casamento noticiado pelos jornais? Gente pobre também não casa?', perguntou dona Olívia ao repórter. E lá fomos nós para o casamento da filha.

[Joel Silveira narra em seguida o casamento, "em humilde casa da Vila Romana, de Nadir Figueira Ramos, operária de uma das fábricas Matarazzo, com o rapaz José Tedeschi, torneiro-mecânico".]

Era, afinal, uma compensação, um tanto melancólica, para quem não pode romper a terrível e impraticável parede que separa o mundo dourado do palácio da Avenida Paulista e o mundo prosaico da rua, o nosso mundo. E de tais compensações vivem os repórteres otimistas."

-"A 1.002ª noite da Avenida Paulista", reportagem publicada originalmente no jornal Diretrizes em 1945, republicada na coletânea Tempo de contar, Rio de Janeiro, José Olympio, 3ª edição, 1993, e reproduzida em A Arte da reportagem, livro organizado por Igor Fuser, São Paulo, Scritta, 1996.

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