quarta-feira, 15 de agosto de 2007

MUTANTES AOS MONTES

“Dizem que sou louco”(...)
talvez por não compartilhar,
passivo e resoluto,
dessa lógica selvagem
e seu medíocre produto:
a obscuridade subjetiva
em todo pensar pragmático,
tomando seres humanos
por objetos animados
pela motivação recíproca
de consumirem-se uns aos outros
a troco de um prazer barato e fugaz.
Ah!, quantas vezes mais
objetivar-me-ei estático e tenso
no pântano denso
do pragmatismo fanático.

Eu sou por ser!,
só por ser,
só por hoje
e até quando puder ser
o que outros não são nem foram,
mesmo que já o tenham sido.
Por não haver conhecido,
embriago-me do teor
original e ingênuo
de uma existência
artisticamente engendrada,
renegando a atrofia neurótica
da perambulação enquadrada.

“Dizem que sou louco”(...)
por festejar e entregar-me inteiro
sob os auspícios prazerosos
do lazer sem justa causa.
Por não perceber no dinheiro
a unânime certeza,
pusilânime nobreza
do homem quantificado,
generalizado objeto das ciências
e seus métodos sem crenças,
propagando a fé absurda
na algaravia muda
da paralisia profilática.

Qual sofisma burguês
a entorpecer a urbe
com seu discurso rude
e tecnologia apurada,
mecanizando a vida
e vitalizando a máquina,
cruel e perversa,
dos saberes legítimos
devoradores de sonhos.

Eu quero pensar feito criança,
esperança condensada!
Fantasia retumbante
de uma sombra projetada
nos estapafúrdios recantos
da minha vida presente
¾ passado e futuro presentes
na adulta alma talhada.

Não quero a fala mansa,
quero um grito ou um canto.
Quero sempre ser criança
como num perpétuo encanto
fazendo-me envelhecer
sem jamais perder o espanto.

“Mais louco é quem me diz
e não é feliz” (...)
porque pensa que a felicidade é mais um produto de sua lógica pragmática a ser vendido e comprado e obtido e conservado, apesar das agruras do tempo e espaço, das desventuras de quem vive em busca do pedaço que lhe falta, como se assim completo, alcançasse o Dom supremo e universal na medida em que é objeto mensurado e dividido e esquadrinhado e imperfeito, pois lhe falta A verdade, sem perceber que desprezar A verdade é a única maneira, a última fronteira do estado momentâneo, tênue e quase imperceptível de

felicidade.

Se vivo outra realidade,
sim, sou muito louco,
mas nesses torpes e insanos momentos
“eu sou feliz
e juro que é melhor
não ser o normal
se eu posso pensar
que Deus” (...) morreu.
E rejeitar essa divindade monetária
adorada num shopping center qualquer.
E gritar que loucos são os outros
e pensem de mim o que quiser!
E continuem procurando
o pedaço que falta
em seus quebra-cabeças existenciais!
As peças finais
que suas infâncias esquecidas
lhes furtaram,
fundando seus tormentos.

Minha loucura
é um elemento trágico
e a força mágica em meu fundamento.

E minha felicidade
é um convívio orgástico
e a potência máxima desse pensamento

em que me perco,
louco, e me sustento
solto em meu próprio esquecimento.

Pouco a pouco,
não mais me experimento.
Abandonando meu umbigo
e esse tal Rodrigo
Costa do Nascimento.

Seja noite ou seja dia,
perco os sentidos, me afogo
numa sublime orgia,
e dissolvido transbordo
o doce mar da Poesia.

Ah! minha felicidade,
quem diria,
é viver a loucura da poesia
“diariamente” (...)

Rodrigo Bodão


* * *


Veja:

Um comentário:

Cacau disse...

Maravilhoso! Ótima a idéia de miscigenar a poesia com prosa! Seu texto dialoga com o do Zé Maurício, que te indiquei...

"Respondi a resposta" sua do meu comentário no post do faveleiro sobre o caveirão.

Abraços pra você e para a Amana.