terça-feira, 14 de agosto de 2007

Caveirão: algumas considerações


O Comandante do Batalhão de Operações Policiais Especiais - BOPE, publicou em seu blog, dentre os seus vários artigos, um que aborda a discussão do uso do chamado “Caveirão”, posta em pauta a partir da Campanha contra a utilização deste veículo, lançada há cerca de um ano. No artigo, o Cel. Mário Sérgio tenta refutar todas acusações levantadas pelas entidades e movimentos sociais envolvidos na Campanha. Gostaria então de destacar a primeira colocação feita pelo comandante para, a partir dela, expor algumas considerações a respeito deste instrumento que vem causando horrores nas diversas comunidades por onde passa. E ainda, em relação à Campanha Contra o Caveirão, que se tornou a principal luta dos movimentos ligados à defesa dos direitos humanos no campo da segurança pública.


O Cmte. do BOPE inicia o artigo declarando que vem acompanhando a campanha “com detida atenção”. Percebe-se de imediato que o autor recusa-se inicialmente a empregar o termo popularmente conhecido, preferindo então chamar o caveirão de 'Viatura Blindada para Transporte Protegido de Policiais Militares' do BOPE. Reside nesta denominação uma contradição, existente também nos argumentos utilizados pelas autoridades de Segurança Pública Estadual. Ora, se de fato tal viatura tem como finalidade realizar o “transporte protegido de policiais militares”, como se explica então a alto poder bélico empregado neste veículo. Ocorre que, na verdade, o caveirão, desde a sua concepção inicial deixou de ser um instrumento de defesa, como alega o Governo, para ser um instrumento de ataque. Basta observar a estrutura da viatura, na qual dispõe de vários orifícios onde são introduzidos os fuzis dos policiais ocupantes, que muitas vezes realizam disparos indiscriminadamente causando mortes, medo e destruição pelo caminho.


Os inúmeros relatos dos moradores das diversas comunidades que já sofreram com as incursões do caveirão apontam sempre para a constatação de que o veículo é um instrumento de ataque e terror, longe de ser uma mera “viatura de transporte protegido”. Além disso, o caveirão tornou-se mais um elemento que ajuda de forma eficaz nas práticas de corrupção policial. Dispondo agora de uma viatura que oferece um alto poder letal e que torna os ocupantes inatingíveis, os policiais corruptos elevam o preço dos chamados “arregos”. Fica então mais caro o valor pago pelo tráfico para que a policia não entre. São comuns também os casos em que jovens empregados no tráfico são seqüestrados pelo caveirão. No decorrer do artigo do coronel Mário Sérgio, é possível encontrar outras inúmeras contradições e retóricas, que se distanciam acentuadamente do que de fato ocorre nas ruas.


A Campanha contra o Caveirão é, sem dúvida, um importante movimento da sociedade civil na luta contra este modelo de segurança pública vigente. Com o apoio das entidades envolvidas conseguiu, de alguma forma, colocar o assunto na pauta da discussão e, conseqüentemente, forçar as autoridades de segurança pública a se manifestarem sobre as denúncias das vítimas. Por outro lado, avalia-se também que os avanços foram poucos, visto que, as viaturas não só continuam circulando e espalhando medo nas comunidades populares, como também vem aumentando em número.


A batalha que a Campanha vem travando com o Governo Estadual está longe de ser simples, por vários motivos: não há um apoio e reconhecimento por parte da mídia nesta campanha; a participação de moradores das comunidades em manifestações públicas ainda é muito tímida; as vozes que defendem este modelo de segurança pública, bem como o uso do caveirão, terminam ecoando com mais intensidade nos gabinetes das autoridades competentes.


Assim, mesmo com este novo Governador, que em algum momento sinalizou para uma nova política de segurança pública, na qual, o caveirão não faria parte, por exemplo, é pouco provável que tenhamos um quadro favorável, haja visto as últimas ações policiais ocorridos na cidade, principalmente no Complexo do Alemão, assim como os discursos e declarações proferidos pelo Governo Estadual na seqüência.


Desta forma, é preciso, desde já, pensar e considerar que o saldo poderá ser pouco positivo neste embate. Com isso, algumas reflexões e proposições devem realizadas focando principalmente a ação policial nas favelas, com vistas a reduzir os chamados “autos de resistência”. Nesse sentido, devemos pensar em que medida pode-se estabelecer um maior controle sobre as ações das policias nas periferias. De que forma, por exemplo pode-se controlar com mais eficácia as ações do caveirão e conter suas incursões violentas?


Segundo informações obtidas na Secretaria de Direitos Humanos, no inicio de 2006, todos os veículos blindados da Policia Militar estariam sendo monitorados, por meio de um mapeamento do seu trajeto. As saídas dos veículos somente se dariam com a autorização do Comandante Geral da Polícia Militar. Estas medidas, se de fato foram executadas, não surtiram efeito positivo, já que as denúncias de violações continuaram. Uma primeira medida, talvez, fosse a desmilitarização do veículo. Os chamados caveirões se de fato atuarem apenas como “Viaturas Blindadas para Transporte Protegido de Policiais”, como denomina o Cel. Mário Sergio, já significará um certo avanço na luta pela redução da violência letal. Mas, para isso, será necessário que haja modificações em sua estrutura que impossibilite os disparos do interior do veículo.


A medida sugerida ainda não seria suficiente para conter outros desvios de conduta, tais como os seqüestros, conforme mencionei anteriormente. Sendo assim, seria então necessária a adoção de uma estratégia que fosse na direção de um eficiente mecanismo de controle da circulação do blindado. Este procedimento poderia se dar por meio da monitoração e rastreamento via satélite, tal como são monitoradas (ou pelo menos deveriam ser, já que dispõem de mecanismo para isso) as demais viaturas da polícia. Assim, ficaria facilitada a investigação das denúncias de violações. Desta forma, as então denominadas 'Viaturas para Transporte Protegido de Policiais' ficariam restritas a operações de resgate de policiais ou em outras situações de transporte que oferecessem risco imediato aos agentes.


Não há dúvidas de que o ideal é que tenhamos um política de segurança pública pautada nos direitos humanos, na qual veículos blindados, tal como os caveirões, se tornassem artigos de museu para recordarmos de um passado trágico.


(continua)

Para maiores informações visite http://www.caveiraonao.org/portal/

9 comentários:

Cacau disse...

Bodão, a colunista da Folha de São Paulo Bia Abramo publicou na seção "ilustrada" da mesma um texto chamado "Quem precisa de televisão?". Respondendo o título: eu não preciso. Ainda mais com blogs excelentes como o seu, que como eu disse num post do meu blog intitulado "Micro imprensa", título que se refere justamente aos blogs ("micro", obviamente, não no sentido de subestimá-los, mas justamente porque seu alcance junto ao público é muito menor do que a mídia "oficial", ou seja, a mídia vendida, conivente com certas instituições como o BOPE - senão, pq não denunciam a situação aqui exposta por vc, como vc faz, mostrando todas as suas vísceras?), bem, como eu ia dizendo, a "Micro imprensa" é boa (ótima, aliás) justamente por isso: nela se pode denunciar certas coisas que a "mídia corja" esconde por baixo dos panos, ou filtra para o público.
Quanto ao seu texto, fazendo uma analogia com título do livro do Drummond A rosa do povo, está na hora do povo lançar uma bomba-rosa de revolução pacífica, o povo das favelas e o povo que não sofre diretamente com tais mazelas por vc denunciadas, mas que se indigna com tal situação. Seu post já é um início disso (parabéns!). O povo é mesmo a rosa do país, que mesmo sofrendo tais adversidades, continua lutando, trabalhando, suando a camisa. Só falta conscientizar-se mais. Mesmo os traficantes são pobres coitados, vítimas de políticos que, na minha opinião, estão envolvidos até o pescoço com o tráfico (quem sabe até o próprio Lula?) numa situação em que o caveirão e todas as outras formas de combate ao tráfico seria mera hipocrisia. É por isso que sou a favor da legalização das drogas: afinal, mesmo sendo ilegal, quem quer injetar, injeta; quem quer cheirar, cheira; quem quer fumar, fuma, às vezes até na frente da própria polícia que nos bairros burgueses permanece indiferente, sem citar o fato dos próprios policiais que se dorgam. É como o caso do aborto, temos que ter livre arbítrio para dedirmos o que queremos fazer, se queremos ter um filho ou não, se queremos cheirar ou não. O governo decidir o que devemos ou não fazer, isso NÃO é democracia... cada um que lide com as conseqüências de seus atos... Portanto, mesmo que os políticos não estejam envolvidos diretamente com o tráfico, ser a favor da ilegalidade das drogas é ser conivente com toda essa violência conseqüente disso.
Descobri seu blog através do da Táia (Mandaram, eu fiz). Vc conhece a Táia pessoalmente? Seu blog está linkado no dela (e agora no meu tbm, hehe) e serei eternamente grata a ela por tão magnífica indicação.

Abraço e obrigada pelos comentários no meu blog, que respondi lá mesmo no post q vc comentou. Até mais!

Cacau disse...

faveleiro = bodão ?

Rodrigo Bodão disse...

cacau, muito obrigado pelo comentário e pela identificação com a luta contra essa enxurrada de arbitrariedades e genocídios que os governos federal e estadual e suas cúpulas de segurança vêm praticado aqui no Rio de Janeiro...essa sem dúvida será uma das linhas desse blog...

no entanto, aproveito o ensejo para avisar a vc e a quem visitar esta página que agora eu conto com a colaboração de dois companheiros de luta e palavra...Capilo (que ainda não deu o ar da graça) e Faveleiro, autor do presente texto.

OMBUDSMANDOCAPETA tornou-se um blog coletivo...Agora é nóis!!!!!!;)

Qto a Táia, conheço-a sim, ela é minha cunhada...assim como Maíra do blog provisório eterno, lindo por sinal...

Bodão

Cacau disse...

Poxa, então é vc que é o marido da Amana? Que legal! Eu era amigassa da Amana, conheci a Máíra e a Táia através dela, mas hj tenho mais contato com suas irmãs do q com ela própria. Ela num tem blog não, né? Se não tem, deveria ter, pois ela também escreve super bem! Vivo falando com a Táia e com a Maíra e com quem conhece a família Rocha Mattos que sou fã da mulherada da citada família, incluindo a maravilhosa "tia" Vânia!

Parabéns por ser casado com pessoa tão maravilhosa! Com idéias tão geniais como as suas, só podia ser marido dela, mesmo! Aproveita e manda um beijão pra ela e fala pra ela ler a minha carta aberta ao Vinícius, afinal eu conheci o GAIA que ele fundou por intermédio da Amana.

Abração!

Cacau disse...

ah, sim, eu sou a Helena, de Volta Redonda, e atualmente estou morando em Vitória. Raramente falo com a Amana atualmente, fale pra ela dar o ar da graça, hehe

Cacau disse...

Faveleiro, foi mal aí te confundir com o Bodão, de qualquer forma, parabéns pelo "belo" artigo, embora seu conteúdo não seja nada belo, e sim trágico. A beleza está no ato de denunciar esse trágico e na boa articulação das palavras...

Abraços!

Cacau disse...

Não sou nada tagarela, heim? haha

Anônimo disse...

Queridos Ombusdmen
Poderiam me indicar onde exatamente está no blog as refutações que poderiam desconstruir os argumentos do coronel Mário Sérgio do BOPE?
Não consegui encontrar e gostaria de acessá-las para pesquisa.
Obrigada.

Anônimo disse...

Aprendi muito