quarta-feira, 23 de junho de 2010

Dilma, Dunga, sociedade civil e universitários

Como eu sou todo ao contrário, começo pelo fim.

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Ontem fui à Praia Vermelha, atendendo uma solicitação de um grupo de alunos de psicologia para apresentar meu trabalho no âmbito da atuação da psicologia social comunitária para a disciplina Psicologia Social I.

A princípio, nada me foi devidamente explicado, até porque, tenho que admitir, eu acabei me esquecendo e faltando um encontro marcado com eles na Maré, quando me poriam a par do que esperavam de mim, o que era para eu falar. Fiz um contato telefônico e me mandei pra Urca, aproveitando para resolver uma pendenga burocrática antiga: pegar meu diploma.

Lá chegando, fui pego de surpresa com umas questões a serem abordadas que mudava totalmente a fala planejada. Tranquilo, pensei, eu improviso...

Fiquei duas horas esperando pra falar. Nesse meio tempo assisti três apresentações: de um profissional de psicologia do esporte, com pinta de general e arcabouço teórico do tipo samba-do-crioulo-doido, misturando conceitos de psicanálise, terapia sistêmica e cognitivo-comportamental como quem prepara uma salada; de gerontologia, defendendo políticas para a terceira idade que reconheçam e promovam os direitos e as capacidades dos sujeitos idosos fazendo uma série de piadas infantis sobre (sic) idosos, reforçando os estigmas que diz combater ; e de um psicólogo clínico especializado em dependência química com um discurso recheado de lugares comuns como o ‘mito dos neurônios queimados’, fazendo um ataque ao modelo da redução de danos e coroando sua fala com a noção de que um indivíduo dependente de crack ‘pára de funcionar como um ser humano’. Tsc, tsc, tsc... lamentável. Fiquei curioso de saber qual era o seu conceito de ser
humano, mas não tive coragem de perguntar.

Ou seja, o mesmo show de horrores de sempre...

Depois ficam me perguntando porque às vezes eu sinto vergonha de ser psicólogo...

O pior é que eu gostei de estar ali, vendo aquilo tudo que eu odeio, matou uma saudade que eu mesmo desconhecia...

Quando falei, com a habitual ênfase e gesticulação entusiasmada, sobre favela, estigmatização, necessidade de superar preconceitos para formular políticas públicas adequadas e tal a turma assistiu a tudo o que eu falava,com uma expressão inerte enquanto percorria em meu corpo a
sensação de estar mandando mal. Todos dispersos, menos uma menina na primeira fila, integrante do grupo, que acompanhava toda a fala com os olhinhos brilhantes. Mirei nela e fui em frente.

No fim, abri para perguntas. Uma menina me perguntou sobre o muro da Maré, ou muro da vergonha, o que valeu alguma agitação da turma diante das explicações, uma vez que muitos não sabiam dos detalhes da obra como a justificativa dada pelas autoridades de que a barreira de acrílico se tratava de uma proteção auditiva para a comunidade.

Mais alguma pergunta? Silêncio. Então tá... Palmas, correria pra ir embora e eu ali com a mais nítida sensação de que eu ali e nada seria a mesma coisa. Bom, pelo menos o grupo que me convidou me levou até a porta, anotou o endereço eletrônico do site do Observatório, perguntou como fazer para fazer um estágio na área e me agradeceu encarecidamente.

E eu me sentindo um idiota e me lembrando de quantas vezes eu também tinha feito a mesma coisa, doido que estava pelo término da aula. Pensei que “não dá pra competir com a Copa do Mundo né”, e me senti um tanto confortado em meu ego ferido...

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Ando meio de saco cheio com a sociedade civil, confesso. Hoje estive em uma reunião na Subsecretaria de Direitos Humanos da SEASDH (Secretaria Estadual de Assistência Social e Direitos Humanos). Esta reunião tinha como objetivo travar um primeiro contato com a sociedade civil a fim de apresentar e discutir uma agenda política traçada para os primeiros meses desse mandato. Mandato curto, diga-se de passagem, mas assumido por um time interessante composto por pessoas que já a algum tempo tem uma ligação com as lutas e reivindicações das organizações e grupos que compõem o campo dos direitos humanos na cidade e no estado do Rio de Janeiro.

Um primeiro mal-estar surgiu na forma como as pessoas presentes tratavam as perguntas, demandas e posições expostas no grupo. Uns se exaltavam, com frases de efeito, expressões de escárnio e incômodo, respondendo em voz mais alta do que necessário, já que a audiência era pequena e o espaço silencioso.

Em um ponto mais polêmico, as pessoas se sucediam em propostas do que fazer sem ouvir as propostas do colega do lado, descambando para um falatório histérico e contraproducente, somente interrompido – aliás, com muita habilidade – pelo subsecretário que propôs uma solução para o impasse.

Quando a calma finalmente pôde pairar no ar, seguimos em frente até o final da reunião, que durou duas horas. No final, ao abrir para sugestões de pautas para a subsecretaria, novas rusgas entre os presentes, mas, ainda bem, ferimentos leves contornados, penso eu, pela fome e pela
mesa de salgadinhos, biscoitos e bolos que todos namoravam desde o início da atividade.

Come, come, mastiga, mastiga, toma suco, conversa com a gatinha de uma outra ONG, come, bebe, conversa sobre outra reunião, antecipa pontos de pauta, combina coisas, come, mastiga, bebe, olha o bumbum da gatinha...

Na hora de ir embora, quando julgava que nada mais poderia acontecer, eis que me deparo com uma pérola que me fez escrever o presente texto. Uma participante, já conhecida por sua postura cri-cri, procurando sempre polêmicas e confusões e dissidências com quem está ali justamente pra somar forças em prol de um objetivo comum, vem, como de hábito, reclamar com outras participantes na fila do elevador.

Diz que “pronto, agora já pode dizer que a sociedade civil foi consultada e chamar a gente pra bater palmas no dia 30 (quando será oficialmente apresentada a agenda ali discutida). Eu sei que é o X., mas agora ele é governo, né, tem que apanhar também... rsrs”.

Ainda que ela tenha mudado o tom da fala para uma piadinha – penso eu, motivado em parte pelo meu oplhar de reprovação – fica patente um vício dos movimentos sociais, a noção de que seu papel é somente bater, bater, reivindicar, cobrar. Aí, quando é convidado a propor e construir junto, fica meio sem saber o que fazer. E na falta de quem bater, briga com o colega do lado.

É certo que esse molde de reuniões que funcionam como anestésicos da sociedade civil, como sugerido por ela a respeito dessa que então se encerrava, são muito comuns. No entanto, tratava-se ali de um cara conhecido de todos – e todas, pra ser politicamente correto – que não precisa provar seu comprometimento e filiação às causas e lutas dos movimentos de direitos humanos. É certo também que é uma figura acostumada aos bastidores do poder, mas alguém que, minimamente, está a fim de colaborar e fazer acontecer o que sempre foi reivindicado. Para que então esse veneno constante? Para que essa postura combativa excessiva?

Respondo: por não saber agir de outra forma.

Quem se acostuma a chiar e reclamar e brigar acaba desaprendendo a dar a mão e construir coletivamente – o que acaba dando a impressão que suas reivindicações são vazias, uma vez que não se faz a menor ideia de como realizá-las...

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Dunga é chato. Dunga é tosco. Dunga é mal-educado.

Mas Dunga mandou a Globo e a Veja tomar no cu.

Aí, agora, Dunga é macho. Dunga é foda. Dunga não leva desaforo pra casa – e é um técnico vitorioso.

Incrível como que com esse ato, atacando a toda-poderosa, Dunga ganhou a simpatia da população, a ponto da própria Globo não bater tanto nele, apesar de ter acirrado a radicalidade das críticas ao seu comportamento. Enquanto não era com ela, estava tudo traquilo, era quase
uma excentricidade.

No Twitter mandaram um #calaabocagalvão que virou fenômeno mundial.

Agora inicia-se uma campanha por um #diasemglobo.

A Globo que se cuide.

A Veja que se cuide.

A internet mostra sua força.

Dunga mostra sua força.

E alguma coisa me diz que isso pode ser positivo para Dilma 2010...

Mas aí é assunto para outra postagem...

domingo, 20 de junho de 2010

pretensão de entendimento ou cegueira egóica

outro dia durante uma festa na instituição em que trabalho, uma colega me abordou e fez alguns comentários sobre meu comportamento e minhas postagens no Facebook, comentários nítida e assumidamente moldados com contornos de conselhos. Segundo ela, minha relação com o álcool e drogas e minhas postagens refletiam algo que ela entendia perfeitamente e que ela queria me dizer o seguinte: que a dor passa, eu posso não acreditar agora, mas passa.

confesso que durante alguns instantes eu quase acreditei que ela havia percebido alguma coisa, justamente por mencionar o facebook, local em que tinha me exposto excessivamente, para variar, a poucos dias anteriores a essa conversa. Entretanto, não era nada do que eu pensava, suas observações se remetiam a minha separação com Amana, minha ex-mulher.

por um lado, me deu uma vontade de dizer: você não está entendendo nada!!! como quem manda calar a boca. Mas como havia uma intenção declaradamente positiva, não cometi tal grosseria. No entanto, mesmo aparentemente em silêncio, minha mente gritava desesperadamente diante do contato repetido com esse fenômeno da identificação dos seres humanos com o que acontece na vida alheia. A impressão era que o conselho dado para mim, uma vez que justificado a partir de uma identificação, servia para ela ou melhor, seria na verdade direcionado para ela mesmo, já que ela também passou por uma separação, mudança de endereço e de cotidiano a menos tempo que eu, mas praticamente no mesmo período.

e esse é o tema deste texto: a incrível capacidade das pessoas de não enxergarem o próximo e mesmo assim sentirem-se capazes de entender e intervir, ainda que com palavras, na vida do outro.

eu já tinha reparado isso em algumas pessoas. Confesso que também existem os que não incorrem nesse erro, no entanto sua raridade nme autoriza a fazer uma generalização acerca dessa conduta.

uma primeira observação vem da pretensão de entendimento autorizada por uma identificação. Quando estava na faculdade e me dedicava com mais afinco ao estudo da psicanálise do que de outras formas psicoterapêuticas, uma das frases mais importantes e eloquentes aos meus ouvidos - talvez até por identificação, quem sabe? rs - era que essa possibilidade de entendimento além de ser algo complicado de garantirmos com certeza, era o caminho para que todo o esforço terapêutico fosse jogado por água abaixo, quando se constrói uma espécie de cumplicidade inconsciente entre analista e analisando que pode desviar o rumo e a própria capacidade inventiva do trabalho analítico. Risco anunciado de descambarmos para um aconselhamento que significaria a cessão do trabalho ali realizado de dar novos/outros sentidos ao vivido.

essa cumplicidade incosnciente poderia ser aproximada, grosso modo, de uma cegueira egóica, onde o corolário de problemas, leituras, hípóteses, angústias, opiniões, valores e preocupações do analista aceca sua vida invadiriam o universo psíquico do analisando, autorizado pela sensação de identificação vivenciada.

eis o grande risco: o conselho não é dado para o outro, mas utiliza-se do outro para falar consigo mesmo, e assim, acobnselhar-se, consolidando e determinando um simulacro de senso comum entre ambos.

ou seja: quem me aconselha, não me vê. Quem me vê não me aconselha. Por que quem olha para o outro não vem com afirmações e certezas, ou caminhos pré-moldados, pela simples noção de que é o do outro que estou falando: e do outro eu não posso saber nada além de suposições... Quem sabe de mim, sou eu = quem sabe de si, é o outro.

em outras palavras: quem me vê me pergunta, quem se vê em mim, me aponta.

e minha vontade, confesso, é torcer o dedo em direção do peito de quem aponta... Mas poderia quebrá-lo ou machucar quem está com boas intenções, apesar da estúpida convicção de que todos são iguais e eu sou igual a ele ou ela. Prefiro ficar em silêncio, olhando e pensando em como é engraçado o ser humano...