domingo, 28 de junho de 2009

24 músicas para os 24 anos

como no ano passado, não são as melhores, nem as favoritas. são apenas 24. assim como os meus invernos.

apenas uma observação: não espero que vocês as ouçam, mas a última vale muito a pena e você certamente nunca ouviu.

______________________

1. trem da alegria - macarrone



disco de vinil e dança no sofá em salvador

2. banda eva - beleza rara



3. raul seixas - gita



é clássico.

4. legião urbana - eu sei



eu sempre soube.

5. roberto carlos - curvas da estrada de santos



6. reginaldo rossi - garçom



o melhor do brega.

7. los bacilos - tabaco y chanel



eita dor de corno.

8. pearl jam - black



versão ao vivo. com atenção você esuta eu e daniel cantando o refrão e o eddie vedder gemendo lindamente, sussurrando o nome de drika e sílvia.

9. beatles - when i'm sixty-four

http://www.divshare.com/download/7774092-2c6

não dá pra incorporar aqui por conta do formato e não vou corrigir isso agora. é uma das poucas da lista que com certeza entraria numa lista de favoritas.

10. buena vista social club - camino por la vereda



11. travis - the weight



é the band na verdade, mas essa versão do travis é bem melhor.

12. raul seixas - eu sou egoísta



eu provo sempre o vinagre e o vinho, eu quero é ter tentação no caminho.

13. saltimbancos - história de uma gata



nós pobres nascemos pra ser livres.

14. maná - clavado en un bar



ê dor de cotovelo gostosa.

15. cazuza - maior abandonado



raspas, restos, migalhas e mentiras sinceras.

16. franz ferdinad - do you want to



17. clementina de jesus - marinheiro só



eu não sou daqui. eu não tenho amor. eu sou da bahia, de são salvador. e tenho dito.

18. paulinho da viola - coisas do mundo minha nega



19. chico buarque - folhetim



sou dessas mulheres que só dizem sim, por uma noitada boa ou um botequim.

20. joão da baiana - batuque na cozinha

http://www.divshare.com/download/7773371-970

a flauta ao fundo é do pixinguinha.

21. elton medeiros - pressentimento



22. chico buarque - a volta do malandro



o barão da ralé.

23. joão gilberto - eu vim da bahia



eu vim de lá. de onde a gente não tem pra comer, mas de fome não morre. porque na Bahia tem mãe iemanjá.

24. renato fechine - reggae da desossa / bebe negão



delicie-se.
will you still need me, will you still feed me, when I'm twenty-four?

sábado, 27 de junho de 2009

+ou- 6:00 AM, 06/27/09

o céu do brooklyn agora
que chego do harlem
depois de uma madrugada
de jazz e descobertas
é de um azul assim

tão azul...

um azul
tão azul que
tão azul assim
eu nunca vi
nenhum azul
ou céu de outrora

(muito embora talvez
em são tomé das letras)

um azul de picasso
de um azul que
de escasso
só tem a rima

e mesmo a rima
é de falsa riqueza
na medida mesma
em que toda riqueza é falsa

um esquilo
atravessa um fio
por sobre o verde
e as grades do quintal
no fundo da casa

e de outra parte do mundo
traz a lembrança
dos gambás do sujinho
dos sariguês da praia vemelha

ainda bem que a cerveja que
agora bebo (e posso) é pilsen
de um amarelo ouro
que junto ao verde
das árvores do quintal
do fundo da casa
onde sopro a fumaça azulada
do meu cigarro

e junto da estrela d`alva
brilhando altissonante
sendo Vênus como em qualquer outro canto remoto desse planeta
me sugere e grita
meu país e sua bandeira

ai que saudade
da ordem e do progresso
que nunca se realizam
e apenas divisam
nossa alegria e inveja pós colonial...

afinal
sem carnaval
quanto vale toda essa funcionalidade
e perfeição mecânica
que come gente
e garante que o trem
saia pontualmente
às quatorze e dezessete
ou às dezesseis e
quarenta e três...

eu

sou mais carnaval
e faço mais gosto
do rosto
alegre do meu povo
do que esse azul
metálico tão forte
que quando se vai
mais parece
anúncio de morte

ou de um picaso escasso
fosco e sem calor

rico

mas de um rosto
(pra mim)
sem gosto nem
cor

e no
mais
agora

eu

poetizei poetizando
porque
pra mim poetizar é
sempre poetizando
enquanto invento agoras...

na medida certa em que o poeta se faz

no
`quando????`- das horas!!!

sexta-feira, 26 de junho de 2009

As popozudas do Femi Kuti Kuti Kuti e Michael Jackson won`t be there

Como já havia indicado na minha postagem anterior hoje eu fui assistir um show de graça do Femi Kuti, filho do Fela, no Prospect Park, Brooklyn, NY.

Porrrrrraa!!!! Que showzaço!!!

Nem ia postar nada, estou na casa de amigos e é sempre estranho escrever aqui no escuro enquanto a casa ressona. Mas foi foda!!

Fiquei encantado em ver as dançarinas popozudas e suas coreografias sensuais e ver como a coisa de exibir bundas e insinuar o sexo é uma coisa africana. Lembra muito o funk carioca, embora mais elegante ou menos direto ao ponto. Legal perceber essas influências na cultura funk, embora achar que o funk acaba descambando hoje em dia para uma baixaria-putaria generalizada e um clima de puteiro vagabundo.

Dá pra melhorar, apesar de achar que o lirismo definitivamente não combine com o tamborzão...
(Lembrei de uma entrevista do diretor Gilo Pontecorvo, autor do filme`The battle of Algiers` em um programa da televisão italiana-ou-de-qualquer-lugar-do-mundo-que-fala-e-age-da-mesma-forma-hegemônica em que relata uma entrevista com uma mulher argelina e muçulmana... ao questionar como ela sucumbe a opressão masculina islâmica da burca, entre outras, a mulher lhe diz que acha igualmente estranho a forma como as mulheres ocidentais lidam com sua sexualidade e expõem o corpo... tipo `primeiro foi a calça, depois a mini saia, depois o topless... qualquer dia o único momento de erotismo e sensualidade de vocês vai ser quando o esperma encontrar o útero...` interessante... )

Duas horas intensas de afrobeat, um cheiro contínuo de maconha, uma multidão bonita, vistosa e tipo super na sua - até demais pro meu gosto... Os policiais, apesar do óbvio consumo de maconha, limitavam-se a observar a ordem. Fosse no Rio e fariam a habitual caça aos maconheiros em busca de extorsões e drogas para consumir de graça. Sem dúvida, um pensamento que não sai da minha cabeça é que a polícia do Rio, especialmente, é um tipo de câncer social - apesar de não gostar da analogia e da idéia de patologia de ordem social... Mas meganha é meganha e os daqui parecem ter um pouquinho mais de bom senso.

Fiquei com vergonha de pedir pra dar um dois pros carinhas... pois é, fiquei... Depois um amigo americano que está pegando e sendo pego por uma amiga carioca falou que seria tranquilo... Bem que eu desconfiei já que geral ficou tentando me filar os meus cigarros de mais de sete dólares e eu só correspondi ao primeiro pedido de uma mocinha loura yankee até dizer chega e fechei a porteira... Vai se foder gringaiada, cigarro caro pra caralho!!!

No final do show tocou uma música do Jackson Five, I`ll be there, em homenagem ao Michael Jackson americano que não era comunista mas também comia criancinhas... Rolou uma comoção geral enquanto eu, já cheio de cerveja cara, morna e ruim (budweiser) cantava altissonante won`t be there e pensava que agora só falta a Xuxa... que não come criancinhas mas lambe paquitas...

desculpe a baixaria, mas me deu um tamborzão por dentro agora que a malandragem do Brooklyn defronte minha janela botou uma sequência de Michael pedófilo vitiligo de viado Jackson e ficou cantanto junto em coro choroso...

AAAhhh

Só falta a Xuxa!!!!

AAAhhh

Só falta a Xuxa!!!!

Maiores notícias em todos os jornais e telejornais da mídia-de-qualquer-lugar-do-mundo-que-fala-e-age-da-mesma-forma-hegemônica...




quinta-feira, 25 de junho de 2009

o meu brumário

os dias são longos
as noites são frias
mas as quintas-feiras são vermelhas
e a certeza de que dias e noites melhores virão, só aumenta!

essa é pro querido ouvinte do interior


uma poesia então...

uma vez
um grande poeta
disse
que toda poesia
se poesia
fosse
deveria trazer consigo
alguma dor

(e eu não sei se é samba
o que o grande poeta
outrora
disse
ou dor
assim
de dicionário
ou peito)

outro
grande poeta
achou melhor despir-se
de si
e de tudo de si
e de tudo
e dos outros
e tudo dos outros que
em si
ou que dele
porventura ocorre

eu
apesar de poeta
não sou grande
poeta

e apesar de gordo
e poeta
não sou grande

e digo
como quem desdiz
com lastros de euforia
e esperança

- seja assim
como fosse
assim
poeta
se não fosse

e não mergulhe
(ou mergulhe)na dor
que mesmo assim
a ti
parece doce

dispa-se
- se assim lhe ocorra ou
melhor lhe aprouver-

apenas por vontade própria.

porque
poesia
não tem forma...

e mesmo essa
aparente norma
que nega outras

é inócua...

esqueça

ou me transporte

aonde valha a pena

contigo mesmo

para ser

ou morrer

dentro

da sua incidência...

acabei de chegar de um pub aqui em Highland Park, o Charlie Brown's, gastando o que resta de meus dólares, ainda sobre o impacto da surpresa da vitória da seleção norteamericana sobre a sempre meio favorita e sempre toda morta na praia Espanha. A retranca dos caras deu certo, além de contar com a sorte ou a falha bisonha da defesa espanhola no segundo gol.

Aliás, futebol passa aqui em um canal voltado para os imigrantes mexicanos... vergonhoso... os caras aqui são tratados como o cocô do cavalo do zorro e ficam torcendo e tomando os EUA (las barras e las estrelas) como sua nação... triste. Ponto.

Nada foi escrito depois de meu texto sobre minha avó, eu estou cheio de assuntos e temas e postagens que não se realizaram... vou fazer o seguinte: escreverei sobre um assunto apenas, sem elaborar grandes crônicas ou reflexões, até porque amanhã vou pra NY e aí é que eu não vou escrever mesmo...

antes, pra dar um gostinho, uma breve indicação do que me aguarda:

quinta: jogo do Brasil em algum pub de Manhattan (tem um que é ponto de turistas ingleses, deve passar) e show do Femi Kuti de graça no Prospect Park, no Brooklyn.

sexta: jazzzzzzzzzz no Saint Knick's, pub no Harlem!!!!!

sábado: poesia e microfone aberto no Bluestokings, café literário intelectcaô de East Village que, segundo reza a lenda, é frequentado por Woody Allen...

domingo: acordar 6 da manhã no Brooklyn e ir pro Harlem ver o tal do culto gospel da Absynnian Church!!!!!!!! Depois ver a final (se tudo der certo contra Joel Santana) e olhar de cima pra baixo o futebol e o povo americano... queria muito ter uma camisa do Brasil para vestir... quem sabe eu acho em Manhattan...

depois é voltar pra Springfield, arrumar as malas, ver os filmes que chegarem do Netflix, ler parte dos inúmeros textos que faltam ser lidos, passar dois dias viajando com escala em miami até o Rio, dar uns amassos gostosos na minha gatinha que me proporcionou tudo isso - tem volta hein, também vou fazer doutorado... ; ) - e... cair no samba e rever a família e os amigos e comer feijão com arroz e tomar muitas brahmas e antarcticas e...

voltar aos trabalhos...

*******

então, por conta disso mesmo, eis meu assunto: trabalho.

outro dia conversei no gtalk com a Clê e externei um certo tédio de estar aqui vagabundeando esse tempo todo. Ela me sacaneou dizendo que ia imprimir e espalhar essa explanação vinda logo de mim, um grande defensor da vagabundagem e do ócio...

Fiquei pensando nisso...

Não sei o quanto eu boto na conta do Marx - opa, corrijo-me a tempo, nas leituras do próprio e de intelectuais marxistas - nem quanto eu boto na conta da minha condição financeira precária ou no meu hábito de acompanhar o que acontece e ver o quanto deve ser feito na luta contra as elites do pensamento pequeno-burguês-escravo-com-complexo-de-inferioridade-tupiniquim-do-leblon-e-adjacências-escrotas...

O fato é que eu descortinei uma possibilidade de sentido positivo ao trabalho... Sentido que inclusive eu já vivenciei...

Falo de arte e incidência política!

Fico olhando essa experiência em NY e penso que jamais trabalharia nesse país em que as pessoas são peças de engrenagens fordistas imperiais!!!

Aqui, só a estudo - que aliás, segundo me conta Amana é absurdamente ´valoroso, tamanha é a facilidade de acesso a autores e textos contemporâneos - ou a vagabundagem turística - que é aceita e bem tratada na medida em que rende lucros!!!

Mas tenho que admitir que essa viagem e o contato com gente pensante e que estuda e faz artes me fez ferver nesse desejo, de retomar minha produção textual no site da ONG que trabalho, de publicar meu segundo livro de poesias, de estudar percussão e fazer samba e entender que é preciso e urgente criar e fortalecer possibilidades ainda que remotas de discursos contra-hegemônicos!!!

Quero ler Gramsci, Deleuze, Guattari, Marx, Simmel, Foucault, Sartre, Levinas, De Certeau, Guattari, Saramago, Gabriel Garcia Marques, Cortázar, Borges, Machado de Assis, Jorge Amado... quero reler Jorge Amado!!!!

Sem falar em Drummond, Bandeira, Clarice, Ferreira Gullar, Pessoa, Rimbaud, Baudelaire, Neruda, Ferlinguetti, Bukowski, e outros que nunca saíram de minha cabeceira!!!

Quero aproveitar o que grandes metrópoles como Nova Iorque, Rio, São Paulo tem a me oferecer de arte, pensamento e inspiração!!!

E PASSAR ADIANTE NA FORMA DE VERSOS E RIMAS E NOVOS SENTIDOS!!!!!!

Quero Circulando!!!!! mais do que nunca!!!! e recitar nas favelas, nas ruas, na Lapa, no Sujinho - até pra ver se assim contribui e conserta a besteira que estão fazendo!!!

Estudar, atuar politicamente e incidir na medida do possível na vida e no mundo!!!

Quero ir mais ao Sana e transformar o Sana na filial bucólica dos ombudsman!!!!!

Quero ir pra Valença!!!!

Pro Irajá!!!!

Beber torres de chopp no Catete com a Clê!!!!

Ir pra laje da mãe do Faveleiro e recitar palavras doidas!!!!

Escrever no VQ!!!

E batucar, batucar, batucar, batucar, até cansar!!!!!!

E compor e compor e compor e com

por

até o dia amanhecer!!!!!

E quero encontrar logo com vocês porque eu não escrevi nada que tinha pensado antes e já fiquei emocionado com a lembrança da gente e dos amigos do meu país e já estou bêbado ouvindo Charles Mingus demais...

Então, pra não deixar a impressão de que leu o post em vão ao possível leitor que até aqui chegou... um texto do Saramago que eu li no 'The Zapatista Reader', foi publicada na Le Monde Diplomatique e me fez chorar de ver que é isso mesmo e a gente tem que tentar mudar essa merda...

Isso é TRABALHO pra mim agora!!!

(infelizmente não consegui arranjar uma tradução em português... mas entre francês e inglês, acho o inglês mais democrático, no mau sentido... ou seja, assimilado pelo mundo)

Chiapas, land of hope and sorrow

A few weeks before he was awarded the 1998 Nobel Prize for Literature, the Portuguese writer José Saramago went to Chiapas with the Brazilian photographer Sebastião Salgado, to meet Subcomandante Marcos and report to the world on the sufferings of the Indians of southern Mexico. He met a proud people who have refused to give up hope. The Zapatistas with their National Liberation are insisting on autonomy - but not secession or separatism. Notwithstanding, the 1996 San Andrés accords failed to materialise into the hoped for law to amend the constitution. Two years ago negotiations were broken off and since then the government has tried to bring the Zapatista forces to their knees with a combination of aid programmes and counter-insurgency measures using armed civilian groups. In the violence that has followed over a hundred have died.


In 1721 Charles-Louis de Secondat, Baron de Montesquieu, asked with an assumed simplicity that in no way masked a bitter sarcasm: "Persians? How on earth can anybody be Persian?". It is nearly 300 years since he wrote his celebrated Persian Letters and we still have not managed to find an intelligent answer to this most fundamental question in the long history of human relations. We fail to understand how anybody could have been "Persian" then, and, as if that were not absurd enough, could still obstinately persist in being "Persian" now, when the whole world is conspiring to persuade us that the only truly desirable thing in life is to be what we like to call "Western" - a general and deceptively handy term (Western values, fashions, tastes, habits, interests, enthusiasms, ideas). The alternative, if the worst comes to the worst and one cannot rise to those sublime heights, is to become some kind of "Westernised" hybrid by dint of persuasion or, failing all else, force.

To be "Persian" is to be foreign, different - in short, not like us. The mere existence of "Persians" has been enough to upset, confuse, disorganise and generally throw a spanner in the works of our institutions. "Persians" may even go to the intolerable lengths of disturbing the very thing all governments hold most dear - their sovereign right to rule in peace. The Indians in Brazil (where being landless is another way of being "Persian") were and still are Persians; the Indians in the United States were but have now almost ceased to be Persians; the Incas, Mayas, Aztecs were Persians in their day and so were and are their descendants, wherever they may be. There are Persians in Guatemala, Bolivia, Colombia, Peru and the unhappy land of Mexico.

There, the relentlessly questing lens of Sebastião Salgado sought out and recorded these moving and arresting images that speak to us so directly. How is it, they ask, that you "Western" and "Westernised" people of North and South, East and West - you who are so cultivated, so civilised, so perfect - still lack the intelligence and sensibility to understand us, the Persians of Chiapas?

For it is, in the end, a question of understanding. Understanding the speaking look in the eyes, the grave expression on the faces, the simple way of being together, feeling and thinking alike, weeping the same tears, smiling the same smile. Understanding the way the sole survivor of a massacre places her hands like protecting wings on the heads of her daughters, understanding this unending river of the living and the dead, the spilling of blood, the rebirth of hope, the fitting silence of people who have been waiting hundreds of years for respect and justice, the contained anger of people whose patience has finally run out.

Six years ago, in obedience to the dictates of the neo-liberal "economic revolution" masterminded from outside and ruthlessly enforced by the government, the amendments to the Mexican constitution put an end to the distribution of land, and to any hope the landless peasants may have cherished of having their own patch of ground. The native peoples believed they could defend their historic rights (or customary rights, if you think Indian communities have no place in Mexican history) by banding together to form civil societies - societies, strange as it may seem, still marked by a refusal to countenance any form of violence, even such violence as would be perfectly appropriate to their situation.

These societies have always had the support of the Catholic church, though to little avail. Their leaders and representatives have all been thrown into prison. There has been an increase in systematic, implacable and brutal persecution by the state and the great landowners - united in the defence of their interests and privileges - and the Indians have continued to be forcibly expelled from their ancestral lands. As a last resort they often had to flee to the mountains or take refuge in the forest and it was there, in the deep mists of the hills and valleys, that the rebellion was to take root.

The Indians of Chiapas are not the only people in the world to be humiliated or oppressed. In every age and every place, regardless of race, colour, custom, culture, or religious belief, humankind has always been ready to humiliate and oppress people it still, by a sad irony, persists in calling its fellow men and women.

We have invented things not found in nature: cruelty, torture, contempt. In an abuse of reason, we have divided humanity into irreconcilable categories: rich and poor, masters and slaves, strong and weak, learned and ignorant. And, within each of these divisions, we have created subdivisions, so that the pretexts for despising, humiliating and oppressing are endlessly varied and perpetuated.

In recent years, Chiapas has become a place where the most despised, humiliated and oppressed people in Mexico have been able to regain that dignity and honour they had never entirely lost. It is a place where the heavy rock of age-old oppression has shattered, making way for an endless funeral cortege of the dead led by a procession of the living - new and different people, today’s men, women and children asking only that their rights be respected - their rights not just as members of the human race but as Indians now and in the future.

They rebelled and took up arms, but their chief weapon was the moral force that only honour and dignity can maintain in the mind when the body is prey to the hunger and poverty it has always known.

Beyond the uplands of Chiapas, there is not just the Mexican government, there is the whole world. Every attempt has been made to persuade us that this is just a little local trouble that can be brought under control by a strict application of national laws - laws which, as we have seen once again, are deceptively malleable and can be adapted to suit the strategy and tactics of the economic powers and the political powers that serve them. But the issue that is being fought out in the mountains of Chiapas and the Lacandona jungle extends beyond the frontiers of Mexico. It touches the hearts of all those who have not abandoned, who never will abandon their hopes and dreams and their simple demand for equal justice for all.

As that remarkable man who goes by the name of Subcomandante Marcos once wrote, the rebel demands "a world that will contain countless worlds, a world both unified and diverse". Dare I add, a world that will uphold the inalienable right of everyone to be "Persian" for as long as they like and be beholden to no-one.

The mountain ranges of Chiapas are certainly among the most spectacular landscapes I have ever had the privilege of seeing. But they are also a hotbed of violence and crime. Thousands of natives, driven from their homes and lands for the unpardonable crime of showing silent or open support for the Zapatista National Liberation Front (FZLN) are crowded into makeshift camps. There is little or no food, the small amount of water that is available for the refugees is almost always polluted, and adults and children alike are ravaged by diseases such as tuberculosis, cholera, measles, tetanus, pneumonia, typhus and malaria. Meanwhile, the public authorities and medical services turn a blind eye. A military force of almost 60,000 men, a third of the Mexican army, is currently occupying the state of Chiapas on the pretext of maintaining public order.

This explanation is belied by the facts. If the Mexican army is protecting a section of the native population and even giving them training, weapons and ammunition, it is generally because they are members of the Institutional Revolutionary Party (PRI) which has held sway for 70 years almost without a break. It is no coincidence that these paramilitary groups are formed for the sole purpose of doing the dirtiest work of all - attacking, raping and murdering their own people.

Acteal (1) was yet another episode in the terrible tragedy that began in 1492 with the arrival of the conquistadors. For 500 years in Iberian America the native peoples have been passed from pillar to post - from the soldiers who killed them to the masters who exploited them and, ever present, the Catholic church which took away their gods but could not crush their spirit. I use the term "Iberian" advisedly, not to exonerate the Portuguese and Brazilians, who took over the genocide operation that reduced the three or four million Indians living in Brazil in the Age of Discovery to barely 200,000 in 1980.

After the Acteal massacre, the simple words "We are winning" began to be heard on the radio. Anyone who was unaware of what was going on might have thought this was an insolent and provocative piece of propaganda put out by the murderers. But no, it was a message of encouragement, a call to take heart - going out on the air and uniting the native communities as if in an embrace. While they mourned their dead, 45 more to add to five centuries of slaughter, those communities stoically raised their heads and told each other "We are winning". For to survive humiliation and oppression, contempt, cruelty and torture cannot but be a victory - a great victory, the greatest of all, being as it is a victory of the spirit.

Eduardo Galeano, the distinguished Uruguayan writer, tells how Rafael Guillén (2), before he became Subcomandante Marcos, went to Chiapas and spoke to the Indians but they did not understand him: "Then he went into the mist, he learned to listen and so to speak." The mist that stops us seeing is also the way to the world of those who are not like us, the world of Indians and Persians. We must stop talking, we must look and listen, and then perhaps we will be able to understand.

(1) Massacre in Chiapas on 22 December 1997, in which 45 alleged Zapatistas, mainly women and children, were killed.

(2) According to a statement issued by the Mexican ministry of the interior on 9 February 1995, the real name of "Subcomandante Marcos" was Rafael Guillén, born Tampico 1957.



segunda-feira, 22 de junho de 2009


Sábado eu abri os olhos numa cama do Brooklyn ainda meio ressaqueado e mal balbuciei algumas brincadeiras o celular da minha mulher tocou e ela disse que era minha mãe.

Soltei um puta que pariu chateado porque minha avó paterna estava internada numa CTI num hospital de Niterói e eu pedi para minha mãe me ligar no caso de minha avó falecer e quando tocou o celular e eu tinha que atender e não queria mais acordar nem atender o celular eu já sabia o que ia ser dito e que minha vózinha tinha morrido.

O resto do dia eu só pude beber e chorar como também chorava o céu de Nova Iorque e eu me afundei em Coors e Carlsberg em um pub chamado Moe´s que me lembrava os Simpsons e tinha um nome engraçado e um clima agradável até aquele momento em que fiquei bebendo e eu e minha mulher passamos a tarde chorando a falta de nossas avós com uma melancolia escrota enquanto tocava rock sem parar e eu ia pra fora do bar chorar na chuva fumando cigarro bem no meio do caminho dos americanos que puritanamente passavam sem olhar para minha cara e eu me sentia melhor assim..

Eu ainda hoje estou abalado e acabei de falar com meu pai que parece estar bem resignado e ficou me dizendo sua leitura da vida da minha avó que eu concordei e também ressaltei em coro sua força e inteligência e que a forma como ela morreu sem muito sofrimento nem passar por toda a via crucis de uma quimioterapia combina de certa forma com a independência e energia que a caracterizava e que reforça a beleza de sua trajetória nesse planeta.

Falei com minha mãe para saber dela e de minha outra avó com medo do pior acontecer e fiquei mais tranquilo quando soube que ela passa bem e que a forma como minha avó morreu sem saber que estava com câncer de pulmão e sem dar trabalho para ninguém combina com um desejo manifestado por telefone com minha mãe meses antes quando ela reclamava de desânimo e dores no corpo além de um cansaço esquisito que todo mundo achou que era depressão e eu estava muito ocupado em terminar minha dissertação de mestrado e nem fui visitá-la apesar de estar a poucos quarteirões de distância.

Lembrei agora de como tinha medo e falei com Amana que eu temia perder minha avó materna ao longo dessa viagem e de como a morte de minha avó paterna acaba refletindo uma triste ironia emoldurada ainda pelo sentimento disparado pela história do Benjamin Button me fazendo lembrar a morte de meu avô paterno e de como eu ouvia minha vó Conceição sabiamente dizendo que envelhecer é colecionar saudades e pensava que meu avô inaugurou essa coleção melancólica na qual ela hoje é a dor mais recente.

Queria postar alguma coisa sobre NY ou sobre a genealogia da moral ou algum outro assunto interessante desses que eu anoto no meu caderno de campo para agradar leitores anônimos e provocar comentários e risinhos na Clê mas hoje nenhuma máscara de carnaval me cabe e fica aqui esse texto estranho num formato que surgiu a partir de um erro de português no segundo parágrafo como uma tentativa solitária e melancólica de despressurização estética.

E fico muito feliz mesmo sem ironia de saber que a Clê dormiu dezoito horas que o brunobandido nos visitou e achou tudo lindo que Bebeto tem tino jornalístico e que o Flamengo ganhou do Inter desfalcado com três gols de Adriano e a vida segue em frente.

I'm so two thousand eight, you're so two thousand late

domingo, 21 de junho de 2009

o filme de domingo

nossa vida não cabe num opala

- por que você não vai com a minha cara, hein?
- porque você é meu pai.
- tá aí um puta dum bom motivo.

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tou tentando baixar há dias - só porque o texto é do mário bortolotto e achei o título excelente. vale a pena. se tudo for ruim, a trilha sonora paga o ingresso - bom, nesse caso o tempo tomado para baixar.

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eu sei que ninguém tá interessado nisso. mas, sou da seguinte opinião: se aqui divido os momentos de dureza, nada mais justo do que vos presentear com os momentos de fartura. entre as duas da manhã de sábado e a meia-noite de domingo, ou seja, menos de 48 horas, eu dormi por pelo menos 18 horas. 18. eu não digitei errado. 18 porra!!! deve ser a leveza do ser.

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viram pelo post da madrugada de sexta que quando bebo não sou boa com vírgulas né? não se pode ganhar todas. fico boa dançarina, excepcional cantora, recito poemas como ninguém e brigo de uma forma admirável. respeitar regras gramaticais e/ou ortográficas seria um exagero.

interessante é que ontem, depois dumas cervejas eu bem ia postar aqui. mas consegui notar os erros de português do outro texto. postei e depois deletei. deu vergonha. vai entender...

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guarde as máscaras de carnaval. você irá precisar delas essa semana. o que não significa que você irá viver.

sábado, 20 de junho de 2009

das coisas que me fazem feliz

e aí tava eu e 3 amigas numa noite só de mulherada dedicada aos assuntos que nos interessam: falamos de depilação, roupa, sapatos, amores e outros devaneios quando eu e mais uma (as outras duas não bebiam) resolvemos pedir uma torre dessas de chop. 3 litros de puro prazer. o garçom:

- a torre da grande?
- essa de três litros.
- é que essa torre geralmente é pedida por grupo de 4 ou 5 pessoas.
- tudo bem - e fizemos caras de duronas.
- é que elas duas não bebem né? uma torre da grande pra vocês duas...
- é muito jaques? - adoro ler nome de garçom e chamar pelo nome.
- pode ser.
- então você decora bem os nossos rostos que hoje você vai ver duas mulheres matarem a torre de chop grande sozinhas.

e no final eu não aguentei, quando servi a última tulipa assoviei pro jaques e disse:
- traz mais uma???

eu tava lá. eu vi. e na medida do possível, colaborei.

máscaras de carnaval cairão em caso de despressuri...

sexta-feira, 19 de junho de 2009

eu e meu diploma


desenho feito por latuff (sempe excelente) num quadro branco que fica no gabinete do deputado marcelo freixo. o freixo era o presidente da cpi das milícias e anda enrolado com esses caras que matam outros caras por aí. ontem eu e capilo e mais dois companheiros fizemos uma entrevista com ele. éramos 3 com diploma de jornalista. e um outro com diploma de engenheiro. o engenheiro conduziu a entrevista - ele tava mais por dentro do assunto e tem um tino de repórter que me assusta.

terça-feira, 16 de junho de 2009

desentendimentos a meia luz(a)

isso que vocês lerão abaixo foi escrito pelo suicida apaixonado (não o andré, mas aquele da doralice), antes daquela carta. ocorre que ele se apaixonou pela doralice e, como deu pra notar no outro post, tiveram uma história juntos que depois acabou com ela o deixando. enfim, mas isso é história pra ir se entendendo aos poucos.


você diz não me entender
mas seus olhos dizem sim
na dúvida, me faço de desentendido

fico olhando pro chão
e falando frases sem sentido
porque tudo que eu quero ver é seu sorrisso
e esses traços que minhas mãos reconhecem no escuro
mesmo sem nunca ter tocado

tudo que eu quero falar
é que você pode vir a qualquer hora
que se ligar me faz feliz
que amanhã eu saio mais cedo do trabalho
pra te fazer companhia na sala de espera,
na leitura sem pretensão
ou no quebra-cabeça

mas não adianta reclamar do meu olhar
e das minhas frases
porque eu não vou fazer diferente
não vou porque ele é mais alto
tem aquele cabelo moderninho
toma mais cerveja do que eu – você achando divertido
e até onde eu sei, te faz feliz
por que você está sempre sorrindo?

pode reclamar
que não faço diferente
porque se é com ele que você dorme
pelo menos é de mim que você reclama
e eu tenho a migalha de pão dormido
porque se reclama é porque ama
e se me ama eu durmo em paz

ainda que sem você nunca possa ser sono
não dá nem pra pesadelo
é mesmo castigo

e me ponho a pensar que sou capaz
de colocar as palavras melhor do que ele,
não que o menino que vive em mim te mereça
só não dá pra imaginar aquele rascunho mal escrito
na mesma prateleira dos três volumes que suas coxas inspiram

ah doralice, flor do meu sertão
vem ser best seller assim
aqui no meu colchão


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eu devo dizer que se trata de uma paráfrase vagabunda de um bom poema, escrito por um bom amigo, que eu postaria aqui - mesmo me sujeitando à humilhação das comparações - se o tivesse encontrado.

devo dizer também que é algo escrito há algum tempo (ainda que ajustado agora, por supuesto), mas que hoje brotou do subconsciente como um sonho (esse estranho acontecimento com o qual raramente me deparo, uma vez que raramente me deparo com o próprio ato de dormir).

devo dizer, ainda - e não finalmente -, que eu queria falar de outras coisas: da usp, da petrobras, do irã, da palestina, da guerra nas favelas e do novo corte de cabelo do lula. mas não consigo, nestes momentos que antecedem meu futuro, falar de outra coisa que não seja de mim ou de você, raro leitor. perdoe-me. acato as ocasionais reclamações.

e finalmente, devo dizer que os último dias foram de cão. capilo, se estou metindo, manifesta-te agora ou cala-te para todo sempre. mas hoje um sorriso maroto brotou nesse rosto cansado, ao ler um poeminha muito do bueno num blog que está linkado aqui do lado. não sou de ficar fazendo propaganda. mas esse poema aqui do tal bruno bandido, vale bem a pena.

de resto, máscaras de carnaval cairão em caso de despressurização - o que não significa que você irá viver.

quarta-feira, 10 de junho de 2009

ugolino and his sons


olha... estou até agora sob a emoção destroçante dessa escultura. nem vou comentar muito... também não pude postar todas as imagens disponíveis na net... pesquisem e imaginem... o mármore vira carne, mermão, puta que pariu...

essa escultura retrata ugolino e seus filhos (google: ugolino and his sons metropolitan nyc), uma personagem do inferno de dante que por ser considerado traidor foi condenado a uma espécie de masmorra da fome... segundo o audio do museu, a expressão talhada procura expressar o desespero dele e sua luta contra a tentação de comer seus filhos. assim, o pai é talhado máscula e contorcidamente em contraposição com seus filhos, carnudos, formosos e... apetitosos...

bem... ainda não dormi e nem dá pra chorar, pois a emoção imposta no meu mármore sanguíneo é tensa, pungente e incontornável...

eis a obra, um fragmento, nota do clássico de dante e a resenha da obra no metropolitan, não necessariamente nessa ordem... tudo capturado na internet...
A
MAS POR FAVOR!!!!!

de modo algum dêem-se por satisfeitos... o bagulho é sério!!! até porque náo consegui postar inúmeros detalhes, como os pés, o filho mais novo, e outras expressões que apesar de não substituírem de forma alguma a contemplação real da obra in loco, transmitem parcialmente o que estou falando e sentindo!!!

aliás... que museu, o metropolitan... indescritível... voltarei lá para rever e ver coisas que num dia só não cabe... museu pra ir a vida inteira...















Ugolino and His Sons, modeled ca. 1860–61, executed in marble 1865–67 Jean-Baptiste Carpeaux (French, 1827–1875)Saint-Béat marble H. 77 in. (195.6 cm)Signed (incised in script at right front facet of base): Jbte Carpeaux./Rome 1860; (incised at right end facet of base) JBTE CARPEAUX ROMA 1860Purchase, Josephine Bay Paul and C. Michael Paul Foundation Inc. Gift and Charles Ulrick and Josephine Bay Foundation Inc. Gift, and Fletcher Fund, 1967 (67.250)
Dante's Divine Comedy has always enjoyed favor in the plastic arts. Ugolino, the character that galvanized peoples' fantasies and fears during the second half of the nineteenth century, appears in Canto 33 of the Inferno. This intensely Romantic sculpture derives from the passage in which Dante describes the imprisonment in 1288 and subsequent death by starvation of the Pisan count Ugolino della Gherardesca and his offspring. Carpeaux depicts the moment when Ugolino, condemned to die of starvation, yields to the temptation to devour his children and grandchildren, who cry out to him:
But when to our somber cell was thrownA slender ray, and each face was litI saw in each the aspect of my own,For very grief both of my hands I bit,And suddenly from the floor arising they,Thinking my hunger was the cause of it,Exclaimed: Father eat thou of us, and stayOur suffering: thou didst our being dressIn this sad flesh; now strip it all away.
Carpeaux's visionary composition reflects his reverence for Michelangelo, as well as his own painstaking concern with anatomical realism. Ugolino and His Sons was completed in plaster in 1861, the last year of his residence at the French Academy in Rome. A sensation in Rome, it brought Carpeaux many commissions. Upon his return to France, Ugolino was cast in bronze at the order of the French Ministry of Fine Arts and exhibited in the Paris Salon of 1863. Later it was moved to the gardens of the Tuilieries, where it was displayed as a pendant to a bronze of the Laocoön. This marble version was executed by the practitioner Bernard under Carpeaux's supervision and completed in time for the Universal Exposition at Paris in 1867. The date inscribed on the marble refers to the original plaster model's completion.

FRAGMENTO

Canto XXXIII

O pecador virou-se, afastou a boca daquela terrível refeição, limpou seus lábios nos cabelos do crânio que devorava, e falou:
- Queres que eu me recorde de um terrível pesadelo. Mas, se o que eu disser puder trazer uma infâmia maior a este traidor de quem arranco as peles, tu ouvirás o meu relato e o meu pranto. - e prosseguiu - Eu não sei o teu nome, nem de onde és, mas pareces florentino. Tu deves saber que eu fui o
conde Ugolino, e que este outro é o arcebispo Ruggieri. Por causa de sua perversa astúcia, por confiar neste desgraçado eu fui traído, detido e morto, como vês. Mas antes saibas da forma cruel como fui morto para que possas julgar-me. Se o pensamento do que agora vou dizer não te tocar o coração, como tu és cruel! E, se não chorares, será que alguma vez choras? Eu fui preso com meus quatro filhos em uma cela para morrer de fome. Todos os dias meus filhos choramingavam e me pediam pão, e o pão nunca chegava. Eu ouvi o portão da torre lá embaixo ser lacrado com pregos e então olhei para as faces dos meus, e não lhes disse nada. Eu não chorei. Me transformei em pedra por dentro. Eles choravam e meu pequeno Anselminho falou "O que tens, meu pai, o que é que há?" Não respondi e nem uma só lágrima caiu durante todo o dia, nem durante toda a noite seguinte. Quando um raio de sol clareou aquele cárcere doloroso por um instante, me vi refletido nos quatro rostos, e mordi minhas mãos de desespero. E eles, pensando que eu mordia minhas mãos de fome, me disseram: "Pai, nós sofreremos menos se comeres de nós. Tu nos vestisse com estas míseras carnes e tu podes tomá-las de volta!" Fiquei quieto para não me tornar mais triste. Durante esse dia, e o outro, ninguém falou nada. No quarto dia, Gaddo lamentou aos meus pés "Pai meu, por que não me ajudas?" e depois morreu. Depois eu os vi morrendo um a um, do quinto ao sexto dia, os outros três. Por mais dois dias, já cego, chorei sobre seus corpos mortos, até que no oitavo dia a morte me levou.

NOTA

Conde Ugolino della Gherardesca, originalmente de família guibelina era, junto com o seu neto Nino dei Visconti, um dos líderes guelfos que exerciam a sua autoridade sobre a cidade de Pisa. Ugolino estava insatisfeito em ter que dividir o poder com Nino, então, traiu seu partido e aliou-se ao arcebispo guibelino Ruggieri degli Ubaldini que era apoiado pelos Lanfranchi, Sismondi, Gualandi e outras famílias gibelinas. Juntos, eles tramaram a expulsão ou prisão de todos os seguidores de Visconti e Ugolino assumiu o poder. Mas o conde sempre achava que poderia ser traído e por isso tratou de eliminar aqueles dos quais suspeitava. Teria mandado envenenar o seu sobrinho, o conde Anselmo da Capraia, temendo que a popularidade do sobrinho reduzisse sua autoridade. Percebendo que os guelfos estavam enfraquecidos no governo de Ugolino, o arcebispo Ruggieri aproveitou a ocasião para traí-lo, divulgando pela cidade a notícia de que o conde Ugolino havia traído a população, e que havia entregue seus castelos aos povos de Florença e Lucca. Conseguiu provocar uma revolta popular que culminou com a invasão do castelo de Ugolino, que foi forçado a se render. Ruggieri, vitorioso, mandou prender Ugolino numa torre posteriormente chamada de "torre da fome". Prendeu também, na mesma cela, Uguccione e Gaddo, filhos de Ugolino, Anselmuccio e Brigata, netos do conde. Meses depois os pisanos lacraram a torre e atiraram a chave no rio Arno. Em poucos dias todos morreram de fome.

terça-feira, 9 de junho de 2009

diálogos virtuais noturnos

- e aí, moça? quanto tempo...
- opa. pois é.
- nossa, tem um ano que não nos falamos.
- por aí.
- e como vc tá? ainda com aquele papo de mudar o mundo?
- hehe, pois é.
- ah, me poupe.
- estou poupando. há um ano.
- hehe
- e você como está?
- bem d+, acabei de trocar o mateusão. ele agora tá só o veneno.
- mateusão?
- é, porra, meu carro.
- ah, viu como eu poupo a nós dois?

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acaba de tocar uma música que o refrão diz assim: 'quem mora no méier, não bobéia (assim mesmo)' - é de fazer inveja ao jorge vercilo.

licença poética indevida devia dar cadeia.

domingo, 7 de junho de 2009

algumas coisas relevantes num domingo preguiçoso

em 2006 quando votei no lula não o fiz tão entusiasmada como em 2002. mas fiz com a certeza de que naquele momento, dentro das opções que dispunha e da situação do país, era a melhor escolha, ainda que minhas críticas em relação a ele e ao PT sejam intermináveis - e não são a motivação desse post. se trata de ter claro que as condições históricas (essa merda de sistema representativo, por exemplo) não são postas por nós e mesmo assim é nelas que devemos operar. a meu ver, dentro das condições e opções que estão postas, este é o governo que favorece valores e ações que julgo necessárias a meu país no momento.

escrevi tudo isso para me prevenir das críticas sem noção ou de interpretações equivocadas por conta daquilo que queria divulgar aqui: o blog da Petrobras. a estatal, o 'ouro de moscou' da política tupiniquim, como todo mundo deve saber, é alvo de uma CPI - pelo lado da direita e das manobras da política imunda que o pmdb faz com o pt e vice-versa - e de uma campanha nacional - pelo lado da esquerda e movimentos sociais. enfim, é um alvo de disputa. uma disputa grande. tão grande que ainda que você não se interesse nem um pouco por isso e esteja achando esse post uma chatice, ela pode - e vai - influenciar e prejudicar (ou não) os rumos do seu cotidiano - senão imediatamente, dentro em breve.

eu achei a iniciativa do blog bem interessante. não mexi muito, mas gostei do pouco que vi. a maior empresa do país, valendo-se do domínio wordpress, foi lá e criou um endereço onde diz o que quiser e achar necessário, não como eu e você - porque nosso capital não interessa a ninguém -, mas de uma maneira acessível - coisa rara no universo de grandes capitais.

uma coisa que adorei é que eles postam as íntegras das entrevistas dadas a jornais, fudendo assim com o esquema de edição dos veículos - porque eles ainda colocam a matéria, quer dizer, dá pra comparar. aí está lá uma das últimas entrevistas transcritas, cedida ao globo. a segunda pergunta:

2-Por que estão sendo apresentadas as matérias publicadas pelos veículos, e depois as perguntas do repórter e as respostas?
Resposta: A intenção é tornar públicas as respostas enviadas pela Companhia, de forma completa e sem edição dos dados, sobre todos os questionamentos feitos pela imprensa.

adorei! só por essa seção das entrevistas eu recomendo: http://petrobrasfatosedados.wordpress.com/

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Para Amana: nossa diva conquistou o Canecão. Linda. Absoluta.



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e pra terminar, senhoras e senhores, nicholas behr. porque sexta-feira eu estava num bar, sentada com ótimas companhias, tomando cerveja original (e pagando por elas 6 reais) e recitei behr, ao que a pessoa em frente a mim, ex-moradora de brasília, exclamou: você gosta do niki?
- como assim niki?
- é amigo dos meus pai.
e eu recitei sem errar os seguintes versos:

alguma coisa acontece
no meu coração
que só quando cruzo
a W3 L2 sul
ou eixão

mas poderia ter sido também:

ninguém me ama
ninguém me quer

ninguém me chama nicholas behr

e foi uma noite completa, porque nós bebemos, nós recitamos nicholas behr, rimos, choramos, pagamos a conta no cartão de débito e depois fomos dormir. fim.

quinta-feira, 4 de junho de 2009

reflexões cinematográficas: harvey milk + quem quer dinheiro?

realmente, tenho vivido momentos privilegiados. vejo filmes, leio revistas, livros e sites/blogs de esquerda, em geral, marxistas, tomo chás, cafés, cervejas e whiskies e reflito... refletir é um privilégio nos tempos correntes... ou melhor, poder pensar e organizar as idéias em textos... a configuração do trabalho procura sugar tudo o que você tem de melhor no horário comercial, pra depois te silenciar com cervejas, bate papos, trepadas rapidinhas ou fodas homéricas, drogas, samba, drogas, futebol, pai nossos, batuques e outras atividades de afirmação prazerosa da existência espremidos na rotina diária...

há os que afirmam gostar do que fazem e encontram prazer no trabalho... eu não me arrisco a incorrer nesse pensamento sem volta e de sufocamento garantido...

pois bem...

em minhas conexões de sentidos não totalizantes da realidade que se me impõe, uma brincadeira interessante é mesclar filmes com textos lidos e idéias navegadas. dentro dessas reflexões cinematográficas, determinados assuntos apontam para certos arranjos e algumas dobradinhas de filmes com navegações conectáveis. desse modo, planejei realizar dois posts, harvey milk + quem quer dinheiro?, e bamboozled + munyurangabo: por um humor politicamente correto!!

eis então o primeiro:

bem, como anunciei na postagem anterior, acabei de ver milk. muito bom filme, sean penn realmente está excelente e a história tem a meu ver o mérito de não incorrer numa narrativa individualizante do mito do herói ou mártir. pelo contrário, demonstra que ele era uma liderança que muito mais que criar um movimento é posto a navegar por ele, entra na política para representar uma coletividade inflamada que já existia, intensificando e ampliando suas lutas, reivindicações e conquistas.

é interessante também como, ao longo das imagens reais expostas no filme, eu já consigo reconhecer NY, a disposição das ruas, sua arquitetura e tal...

aliás, eu faria uma breve e precária comparação entre brasil e eua, e diria que ny está para são paulo assim como a califórnia está para o rio de janeiro... fui poucas vezes a são paulo, uma quando criança e outra a trabalho no masp, mas, do que eu posso lembrar, ny tem um mesmo clima, a coisa do ibirapuera e seus corredores, patinadores e pipoca com uma parada rosa, não sei bem o que era, mas inesquecível ecoa em minhas percepções do central park, a poesia do concreto... east/west/greenwich village madalena ou mariana... tom zé poderia ser bem um desses malucos que recitam poesia nas praças ao lado das rodinhas de break... adoniran é o tiozinho que toca jazz no metrô, rita lee está por aí e caetano foi à merda... e tá no rio agora, leblon de coração...

até o visual parece, uma coisa bem urbana, o próprio hip hop daqui parece com o de sp. a califórnia enquanto golden state e LA lembra, em minha imaginação já que nunca pus os pés na cidade dos anjos, o rio, até as brigas de gangues - cv x ada / east side x west side, as estrelas globais e hollywoodianas, não sei.

estou seriamente planejando uma ida a são paulo.

san francisco me parece ter alguma coisa de farme de amoedo posto 8, meio lido e augusto severo saca... e deve ter o mesmo problema da homofobia...

aliás, uma coisa que me intrigou no filme é que, ao que parece, os argumentos homofóbicos soavam e ecoaram de uma maneira tão obtusa e absurda naqueles tempos que às vezes dá uma sensação que eles foram mais diretamente responsáveis pelas conquistas do que as próprias propostas em si. tudo bem que o fundamentalismo cristão aqui e no brasil são bem consolidados e tal, mas fora dos círculos sulistas e radicais wasp, soam como imorais.

é engraçado como todas essas histórias dos movimentos sociais, dos gays, das lésbicas, do feminismo, dos negros e demais minorias me fazem pensar no nietzsche e sua genealogia da moral, de como a moral funciona por um mecanismo de culpabilização e desse modo evolui por inversões e não assimilações. as pessoas, em tese, num primeiro momento, não deixam de ter pensamentos machistas, racistas ou homofóbicos - passam a se culpar por tê-los e os silenciam... na medida que o tempo passa esse sentimento parece ser internalizado, os preconceitos e discriminações perdem sentido e a moral invertida proposta se torna uma hegemonia.

bem, se é assim, em geral, ainda estamos na fase da culpabilização e da inversão de sentidos...

depois do filme - muito elegante por sinal, as cenas gays nem me fizeram sentir culpado por incorrer em pensamentos homofóbicos - fui ler uma reportagem numa revista que eu comprei na barnes and nobles chamada 'isr - international socialism review' que trazia uma entrevista com um menos ativista e mais estudioso do movimento gay, onde ele falava sobre a coisa do nascer gay como a teoria adotada pelos movimentos e das vantagens pragmáticas dessa posição. eu achei uma merda, quase um retrocesso, ainda mais para quem tem noção do avanço das psiquiatrias biologizantes, do geneticismo dominante e do perigo que isso representa enquanto bandeira de eugenias renovadas.

quero ver se isso ganha status de verdade, os cientistas conseguem isolar o gene gay e os pais passarem a pedir a manipulação genética e exclusão desse gene. aí, apesar de eu não acreditar nessa teoria, ou vai ser um golpe no movimento ou pior, pode significar uma possibilidade de extinção dessa forma de sexualidade... eu duvido, mas, do que jeito que o cientificismo é, a promessa daqui a pouco passa a ser cobrada no laboratórios de inseminação artificial...

não quero duvidar da forma como se lida e vivencia o desejo, mas minha formação e simpatia pela psicanálise - e a crença em escolhas inconscientes - me fazem temer essas circunstâncias apesar do que se aponta como os ganhos com essa posição - a impossibilidade de culpabilização desses indivíduos e a própria eliminação da fobia de se transmitir esse comportamento para as crianças a partir do convívio e aceitação social dos LGBTs.

no mais, não percam, vale a pena, excelente película!!!!

até porque, sinceramente, tenho pensado muito nisso: esse campo de lutas exige a integração de todos os campos minoritários e o ativismo ou o ativista deve procurar desenvolver uma assunção integral desse modo de pensar... um racista homofóbico é tão idiota quanto um gay branco racista ou um machista de qual cor ou sexo seja... afinal, a forma mais perversa de preconceito é quando se apresenta introjetado pela vítima histórica... eu acho... mas isso é assunto para outra hora...

a escolha pelo slumdog millionaire junto com milk se dá por conta da reflexão sobre a introjeção de modos de subjetivação e pensamento, tal como a reflexão nietzscheana sobre a moral... isso porque tudo o que o personagem principal desse filme NÃO queria era ser era milionário. é triste ver que os tradutores deram esse título ao filme. o melhor seria 'quem quer ser milionário' brincando com o 'quem quer dinheiro' do sílvio santos... mais condizente com a ironia do filme, que na verdade é uma história de amor... péssima comparação, com esse programa deprimente, aquelas mulheres se engalfinhando por uma nota de 50 reais ou sei lá qual é a que ele faz as gaivotas de mau gosto que joga no auditório.


gostei do filme, mas... a discussão que ele traz é fraca... mas vale como entretenimento, ganha o oscar e tal...


é engraçado como a mídia constrói e reproduz uma espécie de subjetividade capitalista que está estampada na escolha do título. quem não quer ser milionário?? todos se perguntam, como se nesta via residisse o real sentido da existência... ganhar e acumular dinheiro...


aí eu acho que até faz sentido desenvolver uma leitura da realidade como totalidade, como resposta ao mecanismo do capital que também é totalizante e indica os prazeres e liberdades individuais como contrapartidas de uma inserção subjetiva capitalista no mundo. nesse sentido, o marxismo e sua aposta no proletariado perde ao dissolver as individualidades em ideiais coletivos unificados. isso sem falar que o ópio do povo, futebol, religião, bebedeiras, pequenas irresponsabilidades são importantes na vida... sei lá, o militante tradicional, clássico, se me assemelha a um chato que policia o mundo atrás de motivos para encrencas e reclamações e impropérios e blá blá blás politicamente corretos... apesar de ninguém negar a festa como importante momento de agregação de valores e lutas...


minha dissertação de mestrado, sua investigação, acabou por apontar um caminho comum dos movimentos sociais em buscar a construção de leis que garantam e protejam sua existência e cidadania, que signifiquem direitos conquistados... o caminho costuma ser o da criminalização dos comportamentos inadequados e fascistas e de ações afirmativas variadas, condicionadas por condições negativas de existência, faltas, desvantagens sociais, e tal... mas isso não basta para mudar uma moral ou sistema de valores... é preciso mais...


a culpabilização e a condecendência com o sofrimento alheio é um caminho de convencimento, as leis são importantes, mas é preciso mais, é preciso afirmar a positividade dessas pessoas, as suas capacidades e genialidades, a sua dimensão e potencialidades inventivas, a sua produção de vida, festa, arte e bom humor...


o movimento gay sabe disso, vide a gay parade...


outros parecem saber menos ou...


bem, ainda bem que spike lee sabe disso também...


mas isso é assunto para outra postagem e eu hoje tenho uma festa para ir...

sobre moletons, fardos e outros devaneios

esse frio todo dá uma desanimada. não que eu ande animada. mas o frio dissipa qualquer possibilidade de que haja animação. ou talvez ele seja a desculpa perfeita para a ausência dela. mas aí já é um coisa a se refletir, se é verdade ou não. por hora, melhor ficar no campo das hipóteses. ou, ainda melhor, mantenhamos a afirmação de que o frio desanima.

esse papo de frio me lembra um pouco da minha infância. porque em salvador não faz temperaturas assim tão baixas e eu torcia por elas quando era bem nova para poder ir de moleton para o colégio - pelo simples prazer de poder amarrá-lo na cintura - ou ainda para poder colocar uma calça jeans - que nesse tempo me parecia meio adulto, já que crianças, à minha época, não usavam calças jeans no dia-a-dia.

ao menor sinal de chuva, nuvens e qualquer coisa que eu pudesse ligar ao frio, eu entrava no quarto de minha mãe (coisa de 5:30h da matina) e perguntava baixinho para não irritá-la:
- mãe, vou levar casaco hoje, tá?

ou então:
- mãe, você não acha que devo ir de calça?

era um ritual doméstico. minha mãe gostava de procedimentos. era a forma que ela, uma pessoa altamente fora de qualquer parâmetro que você possa estabelecer de normalidade, encontrou para tocar a vida de mãe solteira com duas filhas. era a forma dela de nos educar. então, pela manhã, a senhorita que cuidava de nós, nos chamava e colocava no banho (cinco da manhã). daí ela punha os uniformes - sempre uma bermuda jeans, a camiseta do colégio, meias brancas e tênis preto - em cima do sofá - o que ficava do lado esquerdo da sala. saíamos do banheiro rumo ao sofá e nos vestíamos sem colocar a blusa. a tal moça penteava os cabelos e minha mãe - por um tempo, porque depois que começou a trabalhar a noite não aguentava - levantava e tomava café conosco, o qual era sempre um xícara daquelas duralex com café e leite e um pão com manteiga. era raro que esse café sofresse alterações, porque já vinha pra mesa pronto. a moça arrumava tudo na cozinha. biscoitos, nescau e possíveis presuntos e queijos apenas nos fins de semana.

acabado o café, escovávamos os dentes, vestíamos a blusa e descíamos para esperar o transporte escolar - um dos momentos que eu mais gostava no dia. eu era daquelas crianças que reinavam no transporte, super amiga do motorista, tinha banco cativo, comandava as rodadas de baralho e jogo de RPG. aprendi muita coisa no transporte. mas enfim, essa foi minha primeira rotina do dia por anos.

levar o casaco ou ir até o quarto pegar a calça era sair da rotina. nós não tínhamos autorização prévia de minha mãe para isso. para usar o casaco eu deveria ir até o quarto e pedir. minha mãe, na maioria das vezes, não negava, claro. mas me lembro que ela começou a se dar conta de como aquilo era uma questão séria pra mim. não era o frio, era o estilo. daí pra frente, por várias vezes ela negava.
- nem tá frio, vai de calça não.

eu queria m-o-r-r-e-r. maldizia com toda a minha força o fato de morar numa cidade onde nunca, nunquinha fazia um frio digno e que ao contrário, o que me restava era suar compulsivamente nas mão pelo restos dos meus dias, sem moleton e calça jeans.

mas a vida gira e a conjuntura muda (assim como a correlação de forças) e um belo dia, voltei a morar com papai. com papai, o sentimento era exatamente o contrário. ocorre que com ele eu já não dispunha de casacos que me agradassem ou calças jeans que fizessem jus à moda colegial vigente em meu colégio particular jesuíta de ensino excepcional e formação humana admirável. daí pra frente eu orava aos céus para que não fizesse frio porque era sempre um martírio encarar os corredores e os moletons do hard rock café que nessa época brotavam às dúzias. e adivinhem? por muitas vezes choveu e fez frio e eu queria m-o-r-r-e-r e maldizia...

e o que aconteceu? passou. moletons não são um problema que ocupe minha mente nos dias de hoje. muito menos o hard rock que vem neles estampado. e onde eu vivo? numa cidade que faz frio numa dada época do ano, mas é tão úmida que mesmo no frio minhas mãos continuam suando aos montes. mas o frio passa e vem o verão que também vai passar e vai dar lugar ao belo céu de outono de novo e de novo e mais uma vez até que eu me mude para o maravilhoso reino da perfeição, onde o clima é seco, ameno, com belo céu e só existem problemas banais: não tão sérios como os moletons nem tão desanimadores como os que carrego hoje.

vai passar. o frio. os moletons. o hard rock e tudo mais. passa. vem o verão. o céu bonito. e passa. e vem. e quando você olha pra marca do seu moleton ele nem está mais em você.

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sabe aquele clichê de que o fardo fica mais leve se dois ombros carregam? muito clichê. lugar comum. frase de msn. sorte do orkut. e a mais pura verdade.

o que eu fiquei pensando hoje a tarde é que esse lance de carregar fardo e tal, pode ser uma oportunidade de negócio a ser explorada. podia rolar um serviço em que você paga a alguém pra carregar os seus. genial!

me me deixa aqui com meus planos secretos de enriquecimento e ascensão social.

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quando você for beber vinho, lembre-se: duas garrafas são suficientes. a terceira é pura demonstração da sua capacidade de fazer mal a si próprio. todo o resto que te ensinaram na vida é dispensável. esse é o mandamento primordial.