domingo, 24 de maio de 2009

o duro que eu dou

Eu acho esse título do filme do Simonal muito bom: ninguém sabe o duro que eu dei. Se um dia eu chegasse a ser uma pessoa digna de ter uma biografia editada, eu ia gostar bastante se o título fosse esse. Simonal talvez tivesse gostado também.

Eu nem vi o filme ainda. Gostaria de ter visto. Mas ando no auge do sucesso com o processo de baixar filmes. Ainda mais agora que consegui resolver o problema das legendas – VLC é o nome da solução. A facilidade de conseguir certos títulos desmotiva a ida ao cinema.

Mas eu comecei falando do Simonal porque eu não agüento mais ouvir falar do Simonal. É sempre a mesma coisa: desenterra um personagem e satura a platéia abobalhada com ele. É uma mobilização generalizada. Fizeram um filme, está tocando nas rádios, está no Ancelmo Gois, os programas de ‘entretimento’ levam os filhos dele e quando você se dá conta, todo mundo está cantando: nem vem que não tem, nem vem de garfo que hoje é dia de sopa... Tenho quase certeza que daqui uns dias tem uma minissérie no ar. Ou um desses programas de homenagem. E olha que eu mal vejo televisão. Mas leio jornal, não tem jeito.

O diferencial do Simonal para, por exemplo, o Cazuza ou a Maysa é que ainda tem toda essa discussão de como o cara foi injustiçado. O que eu fico pensando é que a história não se repara fazendo documentários. Na verdade, eu nem acho que a história se repare. Mas isso dá pauta. Dá público e faz dinheiro. Eu não tenho dúvida de que ele foi um bom cantor. É por isso, por exemplo, que eu já o escuto há um tempo, mesmo não sendo da ‘minha época’ – sem precisar de documentário ou coluna do Ancelmo. Até acho a ideia do documentário interessante, mas a comoção que o segue, o debate como se fosse uma grande questão nacional e todo esse discurso esdrúxulo do injustiçado são ridículos.

É preciso entender o contexto dos fatos. Ele mandou um policial do Dops bater num outro cara. Esse coitado foi torturado. No auge da repressão ele queria se explicar para o país inteiro? Faça-me o favor. Ele já era perseguido porque cantava iê-iê-iê ao invés de cantar música de protesto? Altamente compreensível. O país se fudendo e sem os otários que protestavam estaríamos nessa até hoje, se duvidar. Nossos reis do iê-iê-iê só fizeram história na música tupiniquim porque havia uma boiada colocando a cara para bater. A realidade é dialética e os fatos só existem, porque coexistem. Por isso, as reações ao compositor de ‘País Tropical’ são compreensivas, assim como o contrário. A cultura não pode se resumir ao protesto político.

Boicotá-lo foi demais? Enterrar sua carreira foi injusto? Eu não sei. Simonal cometeu erros e por eles pagou o preço que o seu momento histórico cobrava. Se foi alto ou baixo, não interessa. Não dá para separar a realidade segundo nossos interesses. Achar que o músico é uma pessoa e o cidadão é outro. Não misturar a arte com a política. A realidade é um todo bem consistente. Achar que se pode pular fora dela é uma estupidez. Talvez ele não tenha se dado conta disso. Mas tudo isso não faz dele um artista melhor ou pior. Faz dele um cara normal, como eu e você, desses que ninguém sabe o duro que dá. O resto é besteira para preencher páginas de jornal e outras bossas.

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há uns dias eu estava em um bar e tinha um cara vendendo umas tranqueiras. falei que não tinha dinheiro e desejei sorte. ‘Estou precisando mesmo’, foi o que ele respondeu. perguntei se a vida não estava boa. ele disse que não era a vida, é que ele estava no lugar errado. ouvi um pedaço da história do cara e me lembrei de uma vez que cheguei a Brasília de ônibus e tinha um cara desesperado por uma passagem, porque queria voltar pra cidade dele. eu e mais um outro cara completamos a passagem do infeliz. na época, acho que dei uns 30 reais e o sujeito partiu.

o lugar errado é sempre duro. o lugar errado sozinho é tipo ter 3 anos e nadar sem bóias. dá angústia.

passagens e bóias.

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com muita vontade de pegar um pote de nutella e ficar uns 3 anos comendo-o, deitada numa cama com vista para o céu de outono, num ambiente com isolamento acústico, perdido no infinito. e há quem diga que a felicidade é inatingível. é tão simples: eu sou capaz de colocar a minha em três linhas.

6 comentários:

Anônimo disse...

O título apropriado para o filme do Simonal seria; "Ninguém sabe o dedo-duro que fui"... pra ter fon-fon, dedurei, dedurei....

Faber disse...

então já sei quem vai me arrumar 'mataram irmã dorothy', e 'garapa'. troco por duas taças de prosecco. ainda tá no gelo aguardando. =)

Anônimo disse...

oi... pode colocar sim. voces ja sabem qual é esse ´poema?

me da teu mail,

ou me manda um pra
brunogoularte06@gmail.com

beijo.

Rodrigo Bodão disse...

interessante... não sabia nada sobre o cara...
mas, sei lá, fora divergências sobre o que vc chama de realidade, essa coisa de arte e política é bem interessante. Não no caso, que não tem nada a ver com isso, eu acho: cagoete é cagoete e na época isso custou caro.
mas diria que não existe separação entre arte e política, mas quem faz arte pensando em fazer política ou conscientização, que é um termo horroroso - e próprio, diga-se de passagem, dessa noção de realidade - corre um grande risco de ser chato.
Para mim.
(sobre a realidade, calma marxistas, não se ofendam... ao invés disso, pensem que o tema pode render pano pra mangas e papo pra mesas...)

Clementina disse...

a discussão sobre realidade é maravilhosa. então vou guardá-la para um momento mais oportuno. colocá-la numa caixa de comentários seria desperdício.

agora sobre as outras questões: eu tbm acho que fazer da arte um mero instrumento de conscientização é chato. mas discordo que seja próprio daqueles que pensam na realidade como uma totalidade. vc está sendo pré-conceituoso. as duas coisas não estão necessariamente ligadas.

tbm acho que seria reducionismo dizer que aqueles que faziam arte com claras conotações políticas na época da repressão, eram chatos ou limitados. me refiro diretamente às canções de protesto. volto a dizer que o momento histórico tensionava e acho que certas ações são mais do que cabíveis. e veja só, estou excluindo desse grupo os chatos que queriam subir o morro com o capital embaixo do braço para compor sambas "de raiz".

volto a dizer, o que eu acho limitado é a tentativa de desconectar a política da arte. sobretudo em momentos tão simbólicos. eu chamaria de alienação. mas isso é coisa de comunista, deixa pra lá.

Rodrigo Bodão disse...

primeiro: beleza, discutiremos daqui a um mês e meio mais ou menos...

segundo:eu quis dizer que a idéia de conscientização tem a ver com essa noção de realidade...

terceiro: questão de gosto, eu acho... sem querer me alongar, acho que é isso mesmo, acaba ficando muito presa a um contexto específico... chico, caetano, tom zé, martinho, flertaram com o tempo de uma maneira mais bacana... tb não conheço muitas coisas 'de protesto'da época... mas me parece moralista demais o tom da coisa... gosto...

quarto: nem tão comunista assim... bem deleuze/guattari até...

quinto: bj