O Macunaemo é filho não de uma pura índia tapanhumas, como o bocó e demodè herói da nossa gente, mas de uma mestiça do Terceiro Mundo que se engraçou com um órfão legítimo do mundo globalizado, um galego anglo-saxônico, hétero sensível que ama o lirismo possível do rock hardcore, sim, a poesia está mais para o barulho, som & fúria, esses clichês maravilhosos, do que para as frescuras do João Gilberto e um Brasil que não existe mais a não ser nos segundos cadernos.
Nosso herói moderno não diz: "Ai! Que preguiça!...". Macunaemo desaba no choro, não por ter perdido o ouro, mas pelos buracos olímpicos d'alma.
Quem nunca esqueceu a vara em casa que babe no divã mais caro de Viena, Leblon, Higienópolis, Ondina, Espinheiro ou Jardim Europa.
Macunaemo, que surgiu em prosa do acaso domingueiro com Ortinho, cantor e compositor do jazz de Caruaru e do fim do mundo, é um ser quase olímpico, o que rói a corda, o quase também da música de Fred 04, "porque estamos quase lá, sempre, a gostosa da praia que dá, não dá, dá, não dá mole...".
No futuro, o Macunaemo vai rir disso tudo, porque só nos restará os esportes coletivos, o resto será tudo programado para bater recordes, competição científica e nada esportiva -como é um pouco hoje, noves fora os bravos negões jamaicanos que enganam a vida na curva como esse coqueiro que dá coco-dub da Nação Zumbi e outros futurismos.
A Olimpíada terá tanta graça quanto uma corrida de 100 metros rasos da F-1.
Os atletas nem precisarão ficar em suas marcas, nada de tiro de pistola para o alto, carece apenas que um tiozinho olímpico meça a possibilidade genética no sangue de cada ratazana do espetáculo.
Agora sim, ai, que preguiça, Dorival Caymmi! Pára o mundo, o grid, que eu quero uma rede. Para que tanta pressa, amigo, se o futuro é a morte, morrida ou de tiro certeiro?
Que fascismo submeter nossos jovens, que já venceram etapas sociais muito mais grandiosas, a esse orgulho idiota decidido nos laboratórios de atletas. Vamos fazer bonito na várzea mais próxima, sem jet-leg, no almoço de domingo, com flores para as nossas negas, mães e amores, e continuar rezando, como Jorge Ben e Antônio Maria, para as moças, ai, dorivei geral, populista do amor e da sorte, ai que preguiça do mundo.
Post scriptum, P.S.: Gerado no mundo virtual, entre uma Lan house do Capibaribe e um albergue de Amsterdã, o Macunaemo conhecerá seus pais no Recife ou em Olinda, no carnaval que se aproxima, evoé, Baco, chega de trabalho para enriquecer os outros.
Agora mais um chorinho, o Macunaemo merece: por que todo mundo acha apenas que Dunga & cia. devem fazer o papel de românticos em um Brasil f.d.p. que põe o cano na cara do outro, seja no beco escuro seja nos ambientes ditos civilizados?
Xico Sá, na Folha de hoje
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