Ontem foi um dia atípico pra mim. Não trabalhei (nem em casa), não liguei o computador (só à noitinha) e fui do Rio pra Valença (isso é comum, mas não numa quinta-feira), com escala no aeroporto internacional.
Mas o mais atípico e o que me deixou mais intrigado foi quando cheguei em Valença. Era umas cinco da tarde e em frente à rodoviária (quem não conhece que me desculpe, mas não vou explicar onde fica – e também não tem necessidade para ler isso daqui) e uma pedra bate no carro. Fiquei puto, afinal o carro é novo, e jogar pedra é o caralho, vai se fuder.
Aí parei o carro, mais no impulso de dar um esporro em quem tacou a pedra, que isso num tinha graça nenhuma, que a porra do carro é novo, num tinha um arranhão e agora está como capô amassado (pouco, mas deu uma raiva danada).
Mas pra minha ingrata surpresa, quem eu imaginei que tinha tacado a pedra tinha levado a pedrada. Eram duas crianças, e quando parei o carro um gritava com o ouro que chorava. Imaginei – o mais velho está brigando com o mais novo porque ele tacou a pedra no carro. Antes fosse.
Ele estava consolando omais novo que estava com a cabeça rachada com a pedrada, se esvaziando em sangue. De onde a pedra saiu não tenho (nem eles) a menor idéia. Mas que ela existiu, existiu. O Welington que o diga.
Coloco os dois irmãos dentro do carro (Welington e Uanderson – isso mesmo, com U) e vamos pro hospital. Entra no primeiro: - é no outro. Chega no outro: - é ali do lado. Chega ali do lado: quem é o responsável. - Tomá no cú, atende a criança e depois a gente conversa.
O irmão mais velho (de 11 anos, o mais novo tem 10) fez comigo a ficha, com nome, idade, endereço. Aí tinha que avisar alguém da família. Ele ficou com medo, não queria avisar a avõ, que ficaria desesperada. Poderia falar com uma tia dele, que seria melhor. Dou o telefone, ele liga, mas fala que não chegou ainda porque o ônibus atrasou, mas estava chegando. Ele ficou com medo, porra! E eu queria que ele falasse com alguém ainda (11 anos, eu com 26, e nem sou parente da criança, estava meio desnorteado).
Aí o moleque tinha que ficar pelo menos umas duas horas em observação. Num dá pra falar que o ônibus atrasou. E pra sair precisava de um responsável. – Vamos lá buscar sua mãe, alguém, pra vir pra cá Uanderson.
Fomos. No caminho resolvi ligar pra casa dele pra pré-avisar, pra pessoa se arrumar pra ir pro hospital. Falei calmo, não falei que o corte era na cabeça. Chequei lá e tinha umas seis pessoas na porta da casa (longe, num bairro afastado do centro uns 10 km, numa rua que nem sabia que existia). Pessoal chorando e agradecendo. Eu era um herói pra eles. Devo estar sendo até agora.
Deixei ela no hospital com ele, tudo ok, tomou lá os pontos, estava mais calmo (no carro, indo pro hospital, ele gritava “não me deixa morrer, não me deixa morrer!”). Ela é tia dele. A mãe, descobri no caminho, morreu há menos de cinco meses (completa cinco meses dia 16 de julho agora), infarto do nada. Tinha pouco mais de 30 anos. A avó dos dois até hoje não se conformou com a morte da filha.
Mas falei isso tudo porque fiquei encucado. Porque cargas d´água uma pedra vai cair na cabeça de um garoto, de 10 anos, que estuda de manhã numa escola e à tarde em outra porque num tem mais a mãe pra cuidar deles, mora longe das escolas, são super pobres e simples, tem uma família que pareceu no mínimo carinhosa com eles... porque que essa criança tem que passar por esse susto (interrogação). Não sei.
PS: mais à noite liguei pra casa do Welington e estava tudo bem. Tirou raio-x, ficou sob observação durante uma hora e estava tudo ok. Foi só um susto.
PS2: porque o Word, quando você coloca PS ele muda automaticamente pra OS. OS não quer dizer nada pra mim.
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6 comentários:
É o meu herói!!!
PS: eu sei que cafona, e é bem capaz de vc ficar com vergonha,e as pessoas te sacanearem, mas foi mais forte do que eu.
Que orgulho! =)
E vem cá, você escreve os textos no word e só depois cola aqui no blog, é?
Talvez a mãe esteja pensando: "pq cargas d'água passou um rapaz do nada que ajudou meu filho?"
A expectativa que nós temos da vida nos fazem olhar as coisas pelos mais diferentes ângulos.
Eu tb costumo escrever no word antes.
letícia,
num fiquei com vergonha. já passei dessa fase. pode elogiar sem medo...
faber,
ô, o corretor ortográfico do word que me salva. Com ele já passa um bocado de erro, imagine sem...
e já tive experiências de perder texto durante a postagem. então escrevo antes e posto depois.
andré,
num sei se coloquei, mas a mãe dos garotos morreu há cinco meses (completa dia 16 de julho). os meninos moram com a avó e duas tias.
viajando aqui, Uanderson deve ser o único nome que não pede artigo antes. na verdade fica até melhor sem o artigo.
"chama Uanderson" fica melhor do que "chama o Uanderson"
Mãe, no meu comentário, significa responsável.
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