quarta-feira, 15 de outubro de 2008

praia de rico é diversão de pobre

" O supérfluo se mede pela necessidade dos outros."
Papa João XXIII





Lembro-me que em um dos muitos bons papos entre Bodão, Capilo e eu, falávamos sobre diferença de classe. E Bodão dizia que uma das conclusões de Marx que ele ainda tomava em conta era a noção de classe, apesar de não ser marxista. Segundo o Bode, a idéia de classe é absolutamente notável no dia-a-dia, no comportamento das pessoas, na forma como sua condição material interfere diretamente nos seus hábitos e na sua maneira de se colocar no mundo (corrija-me, Bodão, se exagerei ou omiti algo – na conversa tinha cerveja, claro, meu relato sofre essa influência).

Esse papo me veio à mente hoje de manhã. Eu saí de casa por volta de umas 10h para ir à praia. Gosto de ir numa praia fechada que tem no finalzinho da Urca. É vazia, pequena, tranqüila e limpa. Saí de casa e fui ao encontro do 107. Me surpreendi ao ver como naquele horário o ônibus ainda estava cheio. Daí, lembrei que hoje é feriado nas escolas. O que explicava a super lotação de crianças e suas mães com roupa de banho.

Para quem não conhece, ali na Urca tem uma praia perto do Cassino. Vive cheia. Mas, geralmente, não é freqüentada por moradores da região. Isso é fácil de notar e não tenho pudor nenhum em falar aqui. Dá pra ver que a galera que freqüenta a praia é uma maioria negra (não é a coisa mais comum do mundo você ver um morador negro na Urca – é um bairro caro); também não precisa de muita sagacidade para observar os hábitos das pessoas que são diferentes do perfil da meninada zona sul que desce pra fumar um baseado em frente à Gárcia D’Avila (arrisco-me aqui a ouvir os brados de ‘preconceituosa’ – resigno-me sabendo que estou sendo sincera); ou ainda a quase completa ausência de ambulantes, sendo que mesmo na praia que vou, que é fechada, sempre tem um – que vende um picolé pelo preço de um PF, R$ 2,00. Tudo isso, pra dizer que quem vai à praia por ali, sabe que essa praia é freqüentada por uma galera que vem da Zona Norte, Oeste, subúrbio ou seja lá qual for o território daqueles que estão na base da pirâmide.

Pois bem, estou eu lá no ônibus, em pé e ouvindo a gritaria das crianças. Eis que no ponto seguinte entram duas senhoritas bem distintas. Pele clara e lisinha, cabelos igualmente lisos, saltos, bolsas e demais apetrechos que o cartão de crédito do pai pode pagar. Nem eram tão novas, carinha de 25 anos. Viagem segue, trânsito em Botafogo, todo mundo no ônibus reclamando. Normal. Na parada da praia quase todo mundo desce. Perto de mim, ficaram apenas as duas senhoritas.

Quando a última criança nem tinha acabado de descer ainda, rumei para sentar em um banco e elas rumaram para um em frente ao meu. Antes mesmo de sentar, uma vira pra outra:

- Como se não bastasse o calor, ainda ter que pegar ônibus cheio é dose.

- Cheio não é o problema. O problema é cheio do quê. Parecia noite no ônibus.

Risos

- Essa praia é o que destrói a Urca. Vive cheio de pobre, não adianta ter apenas uma linha de ônibus que ligue o centro aqui (sic), porque eles vêm de qualquer jeito. Essa praia é nojenta.

Isso é normal, eu sei. Super comum. Conheço uma dezena de pessoas que diriam o mesmo. Mas na boa, assim na lata, dá vontade de fazer engolir o salto; de enforcar com o colarzinho de cristal; de afogar numa banheira de cremes; de assar com o secador e a chapinha. Dá muita vontade. Sorte das meninas que passa.

Quando em disserem que classe não existe mais. Quando me disserem que vivemos um tempo de ‘diversidade’, ‘pluralidade’ e que não é mais a condição econômica que determina nada, depois de mandar tomar no cú, eu vou recomendar pegar o 107 em dia de feriado. É prova empírica de que a noção de classe social é mais atual do que nunca.

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A campanha política para o segundo turno renderia bons posts. Mas ando com preguiça. Além do que, essa pressão de ter que escolher entre dois candidatos tucanos tem me incomodado. Não gosto de anular voto. Acho que a saída vai ser simplesmente ignorar a eleição, passar meu domingo ali no meu chop na esquina com as tias e vovó, e depois pagar R$ 3,50 para a União por não ter exercido ‘a minha cidadania’.

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Acabou o verão carioca. Agora começa a quinta estação: o inferno.

7 comentários:

Anônimo disse...

com relaçao a diversidade e pluralidade minha cara, esse é um argumento que fala da mudança que ocorreu com o tempo, onde as classes sociais acabam transitando mais umas entres as outras diferentemente do que era no passado.

Eu nunca vi ninguem contestar que nao exista mais "classe" como vc diz.

Ate pq seria de uma ignorancia tremenda. vc so comprovou isso pegando esse onibus? em qualquer lugar da cidade voce percebe isso. mesmo nos lugares onde nao ha conflito de classes voce pode fazer uma comparaçao com outros locais e perceber a diferenca de comportamento de ambos.

bjs

Faber disse...

Acho que eu descobri uma falha no que você escreve, Mari. Até hoje eu achava que você escrevia de forma leve sobre temas pesados. De modo sucinto, assuntos complexos. De forma clara, questões obscuras. Direto ao ponto, sem preocupações com interpretações mesquinhas. Mas aí que descobri que talvez algumas pessoas não consigam alcançar a mensagem. Mas eu ainda estou tentando decidir se o problema está no seu texto...

carol disse...

Eu peguei o 107 quarta-feira! E cheguei às mesmas conclusões que você. Muita gente entrou e desceu, desistiu de pegar o ônibus quando viu como estava. Eu quis acreditar que era porque o ônibus tava cheio... Bom, pelo menos não tive que ouvir o que você ouviu. Acho que no estado de nervos em que me encontro ultimamente, teria no mínimo dado um puxão nos cabelos alisados e oxigenados.

Anônimo disse...

você já escreveu coisas melhores, clementina. ruim é ver essa legião de leitores que elogiam qualquer coisa.
O texto tira bem essa sua máscara de quem ajuda favelados e tal. máscara sua e desses seus colegas de blog, o bebum, o cheirador e o outro que ninguém conhece, que deve ser vocês mesmo...só não entendi pq vc vai na praia fechada dos brancos e não naquela que é cheia de pobre e preto. pq vc não vai a praia com os pobres e pretos, clementina?

Anônimo disse...

Clementina, eu simplesmente admiro pessoas como você, que olham além do que vos apontam. Você realmente foi muito contida, eu com toda a certeza no 107 me intrometeria na conversa indignamente contaminado, e só Deus sabe no que iria dar!
Mudando de assunto, vi que esse texto deu pano p/ manga, mas acredito que ele não foi certamente interpretado, haja vista o comentário a cima. Também concordo que as vezes defendemos os que nos são carismáticos, mas não foi esse o caso! Concordo com o Faber! E gostaria de lembrar que discordar faz parte! Graças! Pois se não seriamos engessados, entretanto discordar não quer dizer ser inimigos, ter de se odiar! Eu mesmo diferentemente de você, que é toda "Bahia na veia", acho Santos a cidade mais deliciosa do mundo, mas nem por isso deixo de considerar todo o resto do Brasil.
Obs: Um Básico baseado faz bem a saúde, ao menos p/ cuca, inclusive faz um efeito mejor que Dna cervejinha... hehehe! È claro, nem todo mundo usa a inteligência p/ fazer o bem... Tem gente que não deve usar a inteligência muito menos o baseado!

Daniel disse...

Lamentável encontrar gente com esse pensamento...

Tyler Durden disse...

Caracoles!

Os arautos da calúnia estão migrando do blog do VQ pra cá????

Aposto que estes anonimos são coisas do capilo, ou melhor, do seu "alter-ébrio" cajibrina!

Só pode!

Aliás, aonde este menino arruma esses nicks "irados"! Só faltou o Thomas Turbando!