segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

Mania infeliz

Ou: Amanhã é dia de paredão



Tem gente que que só dorme com uma almofada entre as pernas; tem gente que guarda tudo em saquinhos de pano, desde livro até celular; tem gente que conta os degraus ao subir e eu pego ônibus errado. Pode soar estúpido, aliás, é estúpido, mas comigo é recorrente.

Explico. Acontece que sou bastante impaciente, apressada, aperriada, agoniada. Daí, quase sempre quando tenho que pegar ônibus e estou sob pressão, ela potencializa minha agonia e acabo subindo no "bonde errado". Vamos a um exemplo: saio de casa atrasada para ir ao cinema, sei quais são os ônibus que me servem, mas nem sempre sei os que NÃO servem. Então, se passa um que eu ACHO que serve, eu entro sem pensar. Isso acontece normalmente se chego ao ponto e tem um ônibus lá. Naquela agonia, com a pressão do relógio, e o ônibus parado, penso (ou não) rápido e se achar que pode servir, entro. Nessa brincadeira já peguei ônibus expresso pra Bangu, sendo que queria ficar na metade da Avenida Brasil. Gastei 4 horas da minha vida para sair de casa, ir a Bangu e admirar a Avenida Brasil duas vezes.

Hoje, saí do trabalho apressada* para ir ao dentista. Pra piorar estava chovendo e eu não tinha guarda-chuva. Pressão dupla: o horário e a chuva. Não deu outra: cheguei no ponto, tinha um ônibus parado, o 322. Pensei rápido, li a placa do ônibus, tentei lembrar se o que me servia era o 322 ou 326 ou 327. Enquanto lembrava fui entrando, sem perguntar, claro.

Quando entrei no ônibus, me deparei com a seguinte cena: ônibus cheio, procurei um lugar, notei que havia um no banco que fica colado no cobrador. A menina sentada no banco batia um papo frenético com ele. Medo. Odeio papo com desconhecidos. Esses papos chatos de fila de banco, de ônibus ou de balcão da xerox. Sentei e logo pus em prática o primeiro passo da estratégia de quem quer fugir de papos inconvenientes. Evitei contato visual. Busquei um ponto, a catraca, e fixei meu olhar nela.

Com o olhar atento na catraca, pensei em escutar música no celular. Percebi que havia deixado o fone em casa. Então, sem ter o que fazer, me pus a admirar a catraca e pensar na morte da bezerra. Mas, foi impossível não escutar a conversa escandalosa que acontecia do meu lado. Falavam de Big Brother e do atual "paredão". Papo vai, papo vem, a garota disse que estava fazendo campanha contra um dos caras que está no "paredão". A resposta do cobrador foi:

- Mas eu pensei que a mulherada gostasse dele. Fortão, bonitão, apaixonadinho.
- Quê isso!! Ele é muito grosso. Quer mandar na mulher, que nem é dele ainda.
- Ai ai... é difícil agradar as mulheres. É por isso que eu gosto de conversar com todo tipo de mulher, faço pesquisa de mercado.

Como é? Pesquisa de mercado? Eu não aguentei. Dei uma olhadela para o tipo, apenas para recordar que a figura não justificava o papo malandro. E cometi um erro fatal: dei uma risadinha de canto de boca. Apenas a risadinha é pior do que o contato visual, porque ela significa que você está ouvindo a conversa, curtindo a conversa. Ou seja, soa quase que como um pedido pra entrar na conversa. O cobrador:

- Achou engraçado? Mas, é verdade. Eu aprendi que pra entender de mulher, tem que conversar com mulher. Então eu converso sobre tudo com a mulherada e quando quero uma, é muito mais fácil.

Concordo com a cabeça. A menina toma o turno da conversa:

- Cara, homem é foda né? Me diz, tu também não acha que o Fernando tem que sair?
- [não dava pra eu pular a janela, então entrei no papo] Olha, eu não tenho visto muito essa edição, trabalho e tal, mas...
- Eu te digo como ele é... [ela contou algum episódio do tal pitbull retardado (redundância, eu sei)]
- É, se ele é tão machista assim, eu o tiraria do programa também.
- Então vota nele menina [reconsiderando pular a janela: cara de paisagem]. Olha, eu entendo seu pouco tempo, mas é rapidinho pela internet e de graça. Vota lá. Nós mulheres temos que nos unir nessas coisas.
- Voto sim. Pode deixar. [fazendo cara de choro para o cobrador voltar ao papo com a garota]

Silêncio. Como o besta do cobrador foi incapaz de falar qualquer coisa, a menina volta com todo gás:

- A mesma coisa é com eleição pro governo. Pensa bem, as pessoas não votam, votam em qualquer candidato. Não pensam que é de voto em voto que o cara ganha. Por isso que eu tô te falando, não deixa de votar. Não pode pensar assim: 'ah, é só um voto, não faz diferença'. Porque no fim, faz.

Como diria um amigo meu: 'meu Deus que não existe'!!!!! Como assim a garota transforma o Big Brother numa causa feminista? Como ela consegue fazer ligação com as eleições e superdimensionar um jogo estúpido?

- Você é boa de argumentos. Vou votar sim, pode deixar. E você, vai votar em quem? - passo a bola para o cobrador e volto meus olhos para a catraca.

Enquanto o cobrador desenvolvia sua argumentação, vi entre os ferrinhos da catraca a Avenida Rio Branco. 'Puta que me pariu. Ônibus errado' - pensei. 'Ok, desço na Carioca e pego o metrô'.

- Vocês só pensam nisso, né? É por isso que eu digo, homem faz sexo, mulher faz amor.

Antes que ela virasse o rosto buscando minha concordância, apertei o botão do ônibus. Imagina o que viria depois daquela frase original e profunda.

- Tchau gente e vamos votar, hein!

Desci e peguei outro ônibus. Sem pressão. Fiquei na chuva, atrasada 10 minutos pro dentista, na maior calma esperando o ônibus que me servia. Barulho de rua é música para meus ouvidos.

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* me atrasei porque fiquei escutando o podcast do Diogo Mainardi. Hilário. Engraçado como poucas coisas na vida. Eu não leio Veja, eu não leio Diogo Mainardi, eu acho Diogo Mainardi uma besta que quer causar polêmica, mas de tão ridículo e boçal ele ficou engraçado. Fazia muito tempo que não lia nada dele. Fui ouvir o podcast por conta da briga dele com Nassif que voltou à tona com a série de textos do Nassif sobre a imundice que é Veja. Gente, é muito bom. Porque no podcast ele trata de assuntos mais triviais do que na coluna e trata de linkar isso com seus temas favoritos: falar mal do governo Lula, falar mal do Brasil e exaltar o neoliberalismo. Tudo isso, decorado com boas doses de boçalidades, bem no estilo Mainardi. Vale a pena: http://veja.abril.com.br/idade/podcasts/mainardi/

Ah, o Nassif também vale: http://www.projetobr.com.br/blog/5.html

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