Fui lá cortar o cabelo. Minhas últimas experiências não tinham sido boas em Copacabana. Nas últimas quatro vezes, cheguei no trabalho e escutei um “quem cortou seu cabelo?”. Quando perguntava porque (até o segundo corte) a resposta é que estava esquisito, um lado maior que o outro. Na primeira vez, voltei no mesmo camarada, e ele, ao invés de apenas cortar um lado (que estava gritantemente maior), fez o favor de cortar muito tudo. E continuou um lado maior. Tive que recorrer a uma prima fora do Rio pra melhorar o visual. Da segunda à quarta vez eu mesmo pegava uma tesoura e aparava o erro dos barbeiros das tesouras.
Mas eis que corto o cabelo novamente, num quinto barbeiro/cabeleireiro. Aparentemente está uniforme o corte, mas ainda não fui ao trabalho. Amanhã, segunda, logo que chegar vou cumprimentar o Paulinho pra ver se ele vai falar alguma coisa. Na primeira vez ele veio meio sem graça, falando baixo, com medo de que me incomodasse o comentário dele. Na última vez, ele já chega rindo e nem precisa falar do que se trata.
Bom, mas fui falar do corte porque estava lá, e o barbeiro da vez, João, como a maioria desse povo que corta cabelo, gosta de conversar. – Preparado para o feriado?, foi o nosso primeiro contato, antes mesmo de perguntar como seria o corte, etc. e tal. Tentei ser simpático e mandei um “claaaaro”. Aí falou de que era o último feriado do ano, que Natal nem conta, etc. etc. Falava sozinho, até que ele desistiu. Mas já estava – eu – menos incomodado com ele. Na verdade fiquei com pena dele mudo, e eu que nada respondia. Resolvi puxar um assunto, pra alegrá-lo. Afinal, era meu cabelo em jogo.
João – esse é o nome dele – tem um sotaque meio diferente. Pergunto se ele é carioca. É paulista, mas mora aqui há trinta anos. Pergunto se corta cabelo há trinta anos. Não, já trabalhou com outras coisas na vida. Aí começa a filosofar, que a vida te leva para caminhos diversos, que embora se forme em uma coisa, acaba trabalhando em outra, que já fez outras coisas na vida, e que só a apenas (?) doze anos corta cabelo por aqui. fiquei esperando ele falar o que fazia antes, mas não falava. Tive que perguntar.
– E aí, é formado em quê?
– Contabilidade.
– Ah, legal. Também já trabalhei com contabilidade.
– E faz o que hoje?
– Fiz jornalismo.
Aí João começa a falar mal do jornalismo, que é uma atividade instável, que você não tem opções, que existe muita concorrência, que bom mesmo é contabilidade. Não que eu seja a favor do jornalismo. Mas a contabilidade é muito melhor do que o jornalismo porque você nunca fica desempregado. Acabou o corte, peguei o óculos, olhei, tá legal, vou levando, quanto é?, e ele empolga a falar que a carreira de contabilidade é a melhor possível, que sempre tem trabalho, que paga bem, etc. Eu ali, já de pé, esperando ele finalizar pra sair saindo, e ele continua falando.
Minha vontade de ir embora era grande, eu apenas concordava, anram, também acha, é verdade, com certeza, pago onde, ali?, obrigado, é, isso mesmo. Estava já incomodado, doido pra sair, o cara falando. Paguei os 14 reais, recebi 12 moedas de cinqüenta de troco, enchi o bolso, a bermuda deu uma descaída com o peso, e já do lado de fora falo, “contabilidade só não é melhor mesmo do que cabeleireiro né?”.
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