segunda-feira, 10 de novembro de 2008

eu e minhas teorias

“Seria hipócrita eu estar aqui fingindo que não sei da minha importância no conjunto dos escritores brasileiros e latinos-americanos. Eu tenho a evidência disso. (...) eu sei da minha importância na literatura brasileira. Seria hipócrita e bobo, fingindo que é uma grande surpresa. Não é surpresa nenhuma”.
João Ubaldo Ribeiro em discurso após receber o prêmio Camões 2008



Tenho uma amiga com quem desenvolvi uma teoria. Na verdade, já nem me lembro se fui eu que desenvolvi, se foi ela, se o fizemos juntas ou se alguém nos disse e a gente se apropriou. A tal teoria vale para pessoas que fazem ou fizeram coisas legais, mas depois de um tempo começam a perder a mão. Elas passam do ponto e seria melhor se tivessem parado de produzir no auge. Na real, sempre dizemos é que deviam mesmo ter morrido, quando ainda eram legais.

Vamos a um bom exemplo: Caetano Veloso. Cacete! Caetano Veloso tinha que ter morrido no final dos anos 70. Cara legal, bom músico, baiano de boa cepa (redundância) que fez, inovou e aconteceu... pero já no es assim. De uns anos pra cá, o cara só abre a boca pra falar besteira. Seu ídolo já não é mais James Brown e sim Mangabeira Unger e daí pra baixo. Caetano devia ter morrido há uns 30 anos atrás. O problema é que viveu pra desconstruir um bando de coisa que fez.

Ontem me lembrei dessa teoria lendo a coluna do João Ubaldo no Globo. Pela teoria, João deveria ter morrido também. Não sei bem quando, porque li pouca coisa dele. Mas acho que ali próximo a "Viva o povo brasileiro" tava de bom tamanho, não precisava nem esperar “A casa dos budas ditosos”.

Eu quase nunca leio a coluna dele, porque depois de ler o Veríssimo, que vem logo acima, agüentar o velho fica difícil. Parece que ele toma pílulas diárias pra ficar mais reacionário e chato. Chato porque vem cada vez mais caindo no senso comum. O que é lamentável para um cara que já fez tanta coisa boa.

Daí que ontem a coluna falava de como Itaparica - uma ilha na Bahia, onde ele nasceu, perto de Salvador -, anda violenta. Ele relata sua ida à ilha para colocar grades na casa que tem lá. Conta que há muitos roubos em Itaparica, que já não se pode sair a rua sozinho. Enfim, essas situações que raramente acontecem em tudo quanto é centro urbano.

Um parêntese para aqueles que não lêem João Ubaldo: desde os escândalos do primeiro governo Lula, o cara não fala de outra coisa. Eu até entendo: ele, cara meio de esquerda, todo intelectual, contra o conservadorismo e temeroso do contrário, depositou suas esperanças de 'um-mundo-melhor-com-meus-privilégios' no Lula, claro. Ele e toda uma geração de 'meio intelectuais, meio de esquerda'. Os escândalos de corrupção do governo messiânico do PT estão para essa galera quase como está a queda do muro de Berlim para os comunistas arnaldo-jaborianos. Problema é que o cara surtou, não escreve sobre outra coisa e sua literatura anda pelas tabelas.

Fecha parêntese. Ele falou do Lula como de hábito - culpando-o de alguma forma -, reclamou da violência à vontade e concluiu dizendo que Itaparica já não é mais o mesmo paraíso. Por isso, ele aconselha a quem deseja ir até lá, fazer antes um treinamento no Morro do Alemão!

Opa!

Vamos ao óbvio: será que João Ubaldo já foi ao Alemão? Continuemos no óbvio: será João Ubaldo tão ingênuo a ponto de achar que a violência a qual estão submetidos os moradores do Alemão pode, mesmo que ironicamente, ser comparada ao roubo de casas em Itaparica? Não sei, porque odeio perguntas óbvias.

Fato é, que no me gustó! Não gostei porque sábado, coincidentemente (rá), passei o dia no Alemão. Aquele esquema de sempre: uns amigos, cerveja no Laerte, comida quentinha no Máscara, vista maravilhosa... Duro abrir o jornal no dia seguinte e ver o cara falando de um lugar que ele não conhece e pior, levantando conclusões distorcidas sobre a realidade.

O bom João Ubaldo foi incapaz de comentar os muitos déficits com os quais os moradores da ilha têm de conviver. Lá é um lugar razoavelmente pequeno, que vive do turismo. População só aumenta, muita gente de fora, turismo e políticas públicas inexistentes: nada de novo.

Não satisfeito, Ubaldo afirma que pra conviver com a violência de Itaparica – que deve ser inimaginável – o sujeito deve fazer uma espécie de 'estágio' antes no Alemão. Mas ignorância é um dom, nunca um defeito. Só porque somos ignorantes é que podemos aprender. E João Ubaldo precisa aprender que passar o dia no Alemão, não ensina a ninguém sobre como lidar com a violência - afirmo com a certeza de quem lá encontra um dos ambientes mais agradáveis do Rio.

A situação me fez lembrar um cara com quem conversei semana passada no Jardim Ângela, favela de São Paulo. Perguntei se o bairro dele era violento. Ele: - Eu não acho. Fácil falar que favela é violenta, mas ninguém fala da violência que a favela sofre.

É por aí. O cara tem uma coluna em um dos maiores jornais do país e faz uma comparação absurda, como se tivesse contando piada no almoço de domingo. Ele não precisa transformar a coluna dele em um debate sociológico e político sobre violência e desigualdade social. Mas, pelo menos, tem a obrigação de não falar besteira - como ele mesmo diz, é um dos principais escritores brasileiros. Ou deveria ter, se pensarmos qual é o papel de um jornal. Mais do que isso: qual o impacto no nosso cotidiano daquilo que sai no jornal?

Pois bem. João Ubaldo prefere falar de uma realidade que desconhece como se conhecesse – se eu faço isso, ninguém liga, problema é João Ubaldo fazer e fazer no Globo de domingo. Ele ainda desconsidera os muitos moradores que vivem lá e a relação que eles têm com seu território. Fico imaginando como ele, baiano que é, se sente se o chamam de 'paraíba' ou do 'norte'. Pode parecer loucura, mas tem muita gente que se orgulha de ser do Alemão.

Finalmente, quando simplesmente afirma que aquele espaço é violento, ele tira de contexto a própria violência, desconsiderando uma política de segurança pública assassina; esquecendo da indústria lucrativa que é o tráfico de drogas; e negligenciando o cenário de desigualdade cruel no qual estamos inseridos.

O detalhe, como disse o parceiro lá de São Paulo, é que nunca falam da violência que a favela sofre. É um mero detalhe. Só que é no detalhe, que vive o diabo.

Mais um personagem para minha teoria. Vamo que vamo!

3 comentários:

Faber disse...

Como é mesmo o novo slogan do Globo, hein? Muito além do papel de um jornal, né? Ah, tá, acho que entendi.

Ehehehehe...

E, que viadinho ele comparar a violência de ter sua casa de veraneio assaltada com a violência que o morador do Alemão sofre. Não quero hierarquizar violência aqui, mas comparar laranja e banana é foda.

Mas para não jogar o bebê fora junto com a água da bacia, outro dia li uma dele muito boa e até levei para ler em sala com meus alunos. Era sobre a crise americana. Sobre o Estado que saiu correndo pra socorrer os bancos e as grandes empresas. Pra resumir, ele ironizava o tempo todo, dizendo algo como 'tá beleza, a gente paga o pato. o Estado vai lá e socorre com nosso dinheiro. quando tudo estiver bom mais uma vez, o mercado volta a se auto-regular. até a próxima necessidade de intervenção'.

Hein, hein, quando vamos ao Mofo?

Anônimo disse...

joão ubaldo parou de beber, pro problemas de saúde. deveria ter continuado bebendo e morrido bêbado, mas escrevendo menos besteira.

um brinde ao Alemão

Anônimo disse...

Mermão... Por isso, exatamente por isso que elegi esse site com "blog de cabeceira"
Dizer mais o que? Ta dito!!!
Fácil é julgar, difícil é levar todos os influenciáveis da questão em consideração!!!
E que morram os imortais (na hora certa, no auge), ou se calem como Chico Buarque...