terça-feira, 13 de janeiro de 2009

notas de uma jornalista

No domingo de manhã, enfim, terminei de ler ‘Histórias do Sr. Keuner’, do Brecht. Fiquei pensando em postar uma das histórias aqui, porque o Keuner é um dos personagens mais emblemáticos do Brecht.

Estou eu lá na pista do Santos Dumont, deitadinha, terminando minha leitura e fiquei entre duas. Uma sobre tubarões a outra sobre jornais. Apenas ontem à noite escolhi a que colocaria aqui. A dos jornais.

Explico-me.

Fui a um aniversário na sexta. Pessoas legais, cerveja gelada, música agradável e essas coisas todas que fazem uma noite divertida. Mas o que interessa aqui é que num dado momento conversava com alguém que não conhecia e contei que sou jornalista – me foi perguntado. A reação: uma felicidade exagerada de saber o que eu fazia e claro, a pergunta de sempre, em que redação eu trabalhava.

Como de praxe, disse que não é lá muito orgulho ser jornalista - não era o momento também para me explicar. Apenas pontuei que não gostava de redação, mas que exercia a profissão em circunstâncias que me deixavam satisfeita – pelo menos por hoje.

Pois bem. No sábado, antes de dormir, sentei aqui pra escrever sobre morte sob encomenda e li a íntegra de um dos posts do Bodão. Diz o nosso poeta: "Pela manhã, me submeto ao masoquismo de sempre e leio o jornal (...) Como sempre, me emputeço".

Domingo, depois da pedalada, abro o jornal e lá está o Lula, lembrando o Bodão, de forma menos literária: “tenho azia, por isso não leio jornais pela manhã”.

Nessas horas, o que me acalenta é pensar que podia ser pior: podia ter feito direito.

Passou o dia e à noite, desci para o chop do fim do fim de semana, num bar aqui na esquina. Lá tem dois garçons à noite, que conhecem toda a minha família. O Vicente e o 'Botafoguense'. No fim do chop, vou ao balcão para passar o cartão estourado e o Botafoguense – que não sei porque diabos sabe que sou jornalista – me conta uma história do seu bairro e um problema que estão tendo com supostos milicianos. Ouvi atenta, dividindo-me entre a senha do cartão e o relato. Ao fim, restou-me explicar que não trabalho com jornais, mas que se ele desejava divulgar a história, deveria procurar um.

Senti que o deixei meio frustrado. Tipo quando você pergunta a um médico o que pode ser aquela dor constante do lado esquerdo da barriga e ele responde que é ortopedista. Ele me disse que seria difícil, jornais não se interessam assim por qualquer história. A esperança do Botafoguense era entrar no jornal ‘pela janela’.

Por conta da rápida consultoria, pedi um (chop) garotinho de brinde, pensando em falar pra ele: ‘cara, um dia a gente chega lá. Botafogo campeão de qualquer coisa e jornais que tratem dos nossos problemas’. Mas fiquei calada, porque a gente sabe: o título do Botafogo está logo aí, mas outros jornais...

Então, em homenagem à minha honrosa profissão: "O Sr. Keuner e os jornais".

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O Sr. Keuner encontrou o Sr. Wirr*, o que lutava contra os jornais. "Sou um grande adversário dos jornais", disse o Sr. Wirr, "não quero jornais". O Sr. Keuner disse: "Sou um adversário maior dos jornais: quero outros jornais".

"Escreva numa folha de papel", disse o Sr. Keuner ao Sr. Wirr, "o que o senhor exige para que os jornais sejam publicados. Pois jornais serão publicados. Mas exija um mínimo. Se o senhor, por exemplo, admitir que corruptos façam jornais, isso para mim seria melhor do que se exigisse homens incorruptíveis, pois eu os subornaria para que melhorassem os jornais. Mas se o senhor exigir incorruptíveis, vamos começar então a procurá-los, e se não encontrarmos nenhum, vamos começar a produzi-los. Escreva numa folha de papel como devem ser os jornais, e se encontrarmos uma formiga que aprove essa folha, vamos então começar imediatamente. A formiga nos será de maior valia para melhorar os jornais do que toda uma gritaria sobre o caráter incorrigível dos jornais. Pois uma montanha será mais facilmente eliminada por uma única formiga do que pelo rumor de que não pode ser eliminada".

Se os jornais são instrumentos da desordem, são também um instrumento de ordem. Precisamente pessoas como o Sr. Wirr demonstram, com sua insatisfação, o valor dos jornais. O Sr. Wirr diz que se preocupa com a insignificância atual dos jornais, mas na realidade preocupa-se com seu valor futuro.

O Sr. Wirr considerava o ser humano sublime e os jornais incorrigíveis, enquanto o Sr. Keuner considerava o ser humano mesquinho e os jornais corrigíveis. "Tudo pode se tornar melhor", dizia o Sr. Keuner, "menos o homem".

* Significa "confuso" em alemão (N. do tradutor).

Um comentário:

Anônimo disse...

são os homens que fazem os jornais. Então os jornais só serão bons se os homens assim quiserem. Logo, os homens não são incorrigíveis.