quarta-feira, 16 de setembro de 2009

vai vendo...

... e um beijo pra Mulher Ativa...


TEMA E VOLTAS

Mas para quê
tanto sofrimento,
se nos céus há o lento
deslizar da noite?
Mas para quê
tanto sofrimento,
se lá fora o vento
é um canto na noite?
Mas para quê
tanto sofrimento,
se agora, ao relento,
cheira a flor da noite?
Mas para quê
tanto sofrimento,
se o meu pensamento
é livre na noite?

Manuel Bandeira




O ENTERRADO VIVO

É sempre no passado aquele orgasmo,
é sempre no presente aquele duplo,
é sempre no futuro aquele pânico.

É sempre no meu peito aquela garra.
É sempre no meu tédio aquele aceno.
É sempre no meu sono aquela guerra.

É sempre no meu trato o amplo distrato.
Sempre na minha firma a antiga fúria.
Sempre no mesmo engano outro retrato.

É sempre nos meus pulos o limite.
É sempre nos meus lábios a estampilha.
É sempre no meu não aquele trauma.

Sempre no meu amor a noite rompe.
Sempre dentro de mim meu inimigo.
E sempre no meu sempre a mesma ausência.

Carlos Drummond de Andrade



OLHA EU AQUI DE NOVO

No meio do caminho tinha uma pedra.

E essa pedra era eu.

Cansado da vida,
cansado da estrada,
cansado de mim,

cansado e sozinho,
negando o caminho,
apressando seu fim.

Preso

numa falsa liberdade.

Fechado

num torpor voluntário.

Perdido

num vacilante alheamento.

Entregue

à insipidez frenética
de salivas, orgias e anestésicos triviais.

Estirado

numa paz falsa e absurda
sob um manto de silêncios e suspiros...

...até que a água da chuva
fez carnaval comigo
e acendeu meus olhos
num desfile de novos sentidos.

Desde então é que eu já não sou pedra,
renasceu minha verve e desejo,
pois do encontro da chuva com a terra,
fecundado por orgasmos e beijos,
os meus versos encontraram pernas
no orvalho e seu doce lampejo.

E é assim que enfim hoje vejo
― apesar das retinas fatigadas,
apesar das dores, dos porres, das lágrimas,
apesar desse relutante debochado insolente descarado e atrevido medo mesquinho,
apesar
de tudo e todas
minhas antigas cantilenas ―

o quanto estou ainda

apenas

no meio do caminho.

Rodrigo Bodão

2 comentários:

Mulher Ativa disse...

Adorei beijo pra mim... E eu não sou anônima. Somos todos uns mascarados, de que anonimato estamos falando? Eu só sou uma frequência etérea, imaterial, sei lá. Liga não. Continua apenas...

Mulher Ativa disse...

Olha só, cinco dias e nada de você por aqui... Por essas e outras que eu quero um livro seu... Eu quero muito um livro seu. Diz como?