Uma noite para apaixonados
A primeira lembrança que trago da minha infância é que sou palmeirense. Mas desde que vim morar no Rio de Janeiro tenho inexplicável simpatia pelo Botafogo. No entanto, não havia como deixar de ir ao jogo de quarta. Tratava-se de uma partida histórica e quem gosta minimamente de futebol sabe do que estou falando. O Flu de Conca, que é ex-River e de Washington, o matador, jogando contra o Boca de Riquelme – que rejeitou o Flu ano passado dizendo que nem sabia de que time se tratava – ali no Maracanã, era simplesmente imperdível. Além disso, desde 1963 que um time brasileiro não desclassifica o Boca Juniors e certamente, outra partida dessa no Maraca só meus netos verão.
Os 70 mil privilegiados que lotaram o estádio tiveram a satisfação de ver de perto um belo espetáculo protagonizado não só por Thiago Silva (que ganhou seu próprio bandeirão,) e seus companheiros, mas pela própria torcida, que descontando o irritante pó de arroz (ou talco) contagiava até quem não é tricolor. Justiça seja feita, também, à incansável e pequenina torcida do Boca Juniors, que nem depois do 3º gol parou de cantar e agitar suas bandeiras. No campo, o time bem armado do Fluminense suportou de forma surpreendente a pressão do Boca, que dominou o primeiro tempo, mas sem boas chances de gol. O segundo tempo seguiu assim até que a torcida do Boca pôde ser escutada, durante os não mais que 20 segundos de silêncio da massa tricolor depois do gol de Palermo, na falha de Fernando Henrique. Nessa hora alguém gritou: "vai ser com emoção". Foi mesmo. A torcida do Flu não sentou mais e o cenário mudou de vez com a falta cobrada pelo Matador. Quando Washington preparou-se para bater a falta, um amigo reclamou: "a não, Washington não", para segundos depois abraçar uma desconhecida comemorando o gol. Daí pra frente não havia como não torcer para o Flu - confesso que saí de casa pendendo para o lado do Boca, que para mim joga melhor e com mais raça. Me entreguei de vez depois do merecido gol de Conca – sempre o melhor tricolor em campo –, numa bola que pareceu ter entrado com um toque de Mário Filho ou Nelson Rodrigues, como bem afirmou um amigo.
Na bela noite, só incomodava o vergonhoso vazio das cadeiras brancas. Conheço muita gente que não foi ao estádio por falta de ingresso, mas as cadeiras estavam lá, sobrando ou sendo vendidas pela bagatela de R$ 100, por cambistas do lado de fora. Lembrei-me de um cambista na final do Carioca, entre Botafogo e Flamengo, que estava chateado porque havia vendido apenas (sic) 40 ingressos, pois o funcionário da Suderj que lhe repassava as entradas estava doente. Havia lugares vazios também no luxuoso camarote do banco que agora patrocina a Libertadores – que aliás, se chama "Copa banco-patrocinador Libertadores". O camarote ocupava pelo menos 10 filas nas cadeiras populares, além de duas que eram cobertas por um pano para mantê-lo isolado das outras cadeiras. Lá, os convidados dispunham de entrada exclusiva, almofadas, buffet, seguranças e um salão com DJ que tomava conta do corredor de saída. Um completo festival de absurdos.
Mas isso não foi suficiente para ofuscar um espetáculo memorável que me fez lembrar uma amiga – excelente escritora – que não gosta de futebol, mas foi ao jogo do Flu contra o São Paulo. Diz ela, que não entende quem gosta do esporte, pois trata-se apenas de uma "bola pesada e de couro que, chutada com uma força X assume uma trajetória determinada e tem seu movimento interrompido por uma rede. A rede mexe e resiste, a bola reage à força da reação da rede, volta e cai". Minha amiga, que entende de física, ainda tem muito a aprender sobre paixões. O jogo de quarta, poderia ajudá-la. Não havia como não torcer e não se emocionar. Foi mesmo uma partida histórica e fiquei feliz por estar lá. Para o Fluminense resta a ansiedade e a certeza de que a Libertadores 2008 tem tudo para acabar em pó de arroz. O Boca, por sua vez, voltou pra casa com o velho ensinamento de que no futebol nem sempre é o melhor que ganha e com uma lição que os torcedores tricolores cantaram sem parar: não é mole não, aqui no Rio, ninguém ganha do Fluzão. Só o Botafogo.
3 comentários:
Amiga pé quente essa sua. A gente tem que arrumar um jeito dela virar Botafogo.
Fiquei com vontade de ter ido no jogo lendo o texto.
amiga do balacobaco, mesmo.
aposto como ela anda entendendo bem mais de futebol e física do que de paixões.
ela inclusive me admitiu na surdina que anda sentindo um certo prazer em ver belas jogadas, que já entende de escanteio, de tiro de meta e de impedimento. eu até esbarrei com ela num bar, puta da vida com o juíz (ladrão) que dava cartões a torto e a direito pros jogadores tricolores.
taí. na minha opinião, é melhor que ela entenda mais de futebol do que de paixões.
André.
botafogo nem pensar. te faltam argumentos.
pode chamar de suzy que tô nem aí...
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