quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

Sobre a arte de legislar

Hoje de manhã o governador Sérgio Cabral foi a uma formatura de inspetores penitenciários e falou muita besteira. Vamos a elas.

Ontem o Instituto de Segurança Pública divulgou dados que reúnem números da violência no Rio de Janeiro. Segundo o relatório, o número de mortes em confronto policial subiu 18,53%, confira em:
www.isp.rj.gov.br/resumoaisp/2007_12/web/estado/estado.htm

Questionado sobre as mortes e a notável política de “guerra” adotada em seu governo, Sérgio Cabral disse que a polícia não matou tanto e apelou, como costuma fazer, para o bizarro: “Se a criminalidade reagisse entregando as armas e pedindo desculpas pela barbaridade”. Em seguida, entrou no barco da espetacularização midiática e relembrou os casos de João Hélio e o do médico Lídio Toledo Filho. É como se dissesse que perseguir criminosos descalços e desarmados fugindo como pintos na favela da Coréia é necessário para que nossa sociedade justa e praiana se vingue e se faça cada vez mais justa e praiana.

Ao falar do Lídio Toledo, o governador boa praça (vive nas colunas sociais, é amigo de apresentadores narigudos e elogiado por eles em eventos de empresários donos de barcos de luxo) defendeu lei que pretende criar, proibindo que motos andem pelas ruas do Rio de Janeiro com duas pessoas. O diretor do Denatran nem deve ter dormido essa noite, se acabando de rir do nível de insanidade do governador. Pois bem, hoje o diretor afirmou aquilo que todos já sabem: lei insana, inconstitucional e só existe na cabeça do Cabral (até rimou).

Tentando defender sua lei, o governador afirmou que o diretor é um “burocrata de plantão” ao invocar a ilegalidade da tal lei, que vai contra o Código Nacional de Trânsito. Mais uma vez, Cabral questionou a falta de autonomia dos Estados e como só ele sabe fazer, apelou - à bestialidade: “Como pode o Rio e São Paulo ter a mesma legislação de Rondônia?” Fosse eu jornalista e lá estivesse, teria respondido que pode, porque isto é um país, uma R-E-P-Ú-B-L-I-C-A F-E-D-E-R-A-T-I-V-A e que é natural que algo tão irrelevante como legislação de trânsito seja nacional.

Eis o estilo de governar do mandatário. Crimes hediondos que valem espetáculo e que assolam as elites ou a classe média, resultam em lei. Matam João Hélio, ele levanta a bandeira da redução da maioridade penal. Assaltam Lídio Toledo Filho e o deixam tetraplégico, ele inventa a lei da moto-só-pra-um. Imagino que se essa não der certo ele vai lançar uma que proíbe motoqueiros. Mas, se me perguntasse, eu daria a seguinte sugestão: proibamos que as pessoas andem pelas ruas, assim não haverá mais risco de assaltos. Afinal, com Internet, quem precisa sair de casa? (Nem vou lembrar do dia em que ele defendeu o aborto como forma de combater a violência, porque vão pensar que quero ridicularizá-lo).

Sem falar na desculpa absurda da falta de independência estatal no momento em que seus devaneios são barrados pela legislação nacional. Cariocas, uni-vos para dar graças à constituição, vossa protetora.

Fosse o Rio de Janeiro quintal do Cabral e não unidade da federação viveria-se num paraíso: combate eficaz ao crime, maconha liberada, escritórios de frente pra praia de Copacabana com rede wi-fi como cortesia do Serginho e motos mais folgadas. Sobrou algum problema?


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P.S.: nada a ver com o post, mas a música do momento chama-se Desafinado, de João Gilberto. Todo mundo deveria escutar, eu disse, todo mundo.

Se você insiste em classificar
Meu comportamento de anti-musical
Eu mesmo mentindo devo argumentar
Que isto é Bossa Nova, isto é muito natural
O que você não sabe nem sequer pressente
É que os desafinados também têm um coração

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