segunda-feira, 8 de outubro de 2007

Tropa de Elite?????

O filme “Tropa de Elite”, desde a distribuição e comercialização de cópias piratas até seu lançamento oficial, vem suscitando debates e polêmicas relacionados aos modos de atuação do Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar do Rio de Janeiro – Bope, e as políticas de segurança pública desenvolvidas no combate ao crime e, em especial, ao tráfico de drogas e de armas nas favelas e espaços populares da cidade.

Dessa forma, procurar-se-á abordar aqui a forma como essa obra expõe, evidencia, relaciona e apresenta os diversos atores sociais envolvidos na trama e no cotidiano real da cidade, buscando ampliar de forma qualificada esse debate.

Partindo do ponto de vista da personagem do Capitão Nascimento, construído pelo diretor a partir de entrevistas com policiais e oficiais do Bope, podemos perceber elementos que nos permitem deduzir uma visão largamente difundida nesse grupamento e na sociedade de modo geral.

Um primeiro objeto de análise diz respeito à forma caricatural como são retratados os movimentos sociais e as Ongs. No filme, a sociedade civil aparece como uma reunião de estudantes e voluntários deslumbrados que, por um lado, realizam trabalhos com crianças, distribuem camisinhas, dentre outras ações de caráter educativo e assistencial, e por outro, servem de cabo eleitoral de candidatos políticos e se aproveitam de sua proximidade com o tráfico de drogas para se transformarem, eles mesmos, numa espécie de filial junto a outros jovens universitários pertencentes à classe média e alta.

Muito pelo contrário, grande parte das organizações da sociedade civil se constituem, na atualidade, como um instrumento de diálogo e articulação entre o poder público, a iniciativa privada, organismos de cooperação internacional e as diversas instituições comunitárias para formulação, proposição, implementação, monitoramento e avaliação de projetos, programas e políticas públicas, exercendo o controle social para a efetivação dos princípios constitucionais democráticos.

No entanto, quando assistimos declarações afirmando que essa abordagem perniciosa do filme condiz com a realidade dos movimentos e organizações sociais, fica evidenciada nestes discursos uma tentativa de desqualificar as instituições e os trabalhos voltados para a defesa e promoção dos direitos humanos, deslegitimar o controle social exercido, e, dessa forma, desmoralizar a própria democracia.

Outro ponto, politicamente lamentável do filme é a forma como se demoniza o usuário de drogas, como o principal financiador e culpado do tráfico e dos crimes a ele vinculados. Enquanto o próprio governador já se posicionou publicamente a favor do debate e da revisão da legislação penal relacionada, quando especialistas de todo o mundo apontam a perversidade e inadequação do enfoque policial do uso de drogas, sendo antes uma questão diretamente implicada no âmbito da Saúde Pública, novamente vemos ressurgir essa categorização maniqueísta e superficial do problema.

De certa forma, o que fornece veracidade ao discurso apresentado pelo policial fictício é o processo de treinamento e formação pelo qual os componentes devem passar para se tornar um ‘caveira’. Treinamento este, apresentado em uma versão talvez até mais branda que a realidade, cujos motes centrais são a exacerbação da cultura militar e a celebração da morte, cantada nos exercícios e reafirmada nas cruzes fincadas a cada abandono dos chamados fracos, que desistem de se tornarem assassinos frios, cruéis e impiedosos em suas incursões e confrontos.

A passagem por esse treinamento, de certa forma, autoriza dizer que toda essa visão simplista, superficial, maniqueísta e beligerante, deriva dos pensamentos de um daqueles formandos. Ponto de vista calcado numa gama de preconceitos e posições preconcebidas, acerca dos estudantes, das universidades e, principalmente, dos moradores das favelas, que não têm voz nem espaço, são rendidos, afrontados, têm suas crianças sob a mira de pistolas e fuzis, suas casas invadidas, enfim, cidadãos que têm seus direitos desrespeitados. Cidadania esta, desconsiderada pela força policial que deveria protegê-la e resguardá-la.

Diante disso, o mais chocante em toda essa polêmica gerada pelo filme é a legitimação e a aceitação pública manifestada pelos espectadores diante do uso de métodos de tortura, humilhação, constrangimento de moradores vistos como suspeitos, truculência exagerada e a propagação da morte por entre as casas, ruas e becos das diversas favelas e espaços populares da cidade.

A seqüência de irregularidades, crimes e violações cometidas pelos oficiais do Bope, espancamentos, torturas, execuções sumárias, invasão de domicílios sem mandato de busca, dentre outros, e sua aprovação pública evidencia que, no Rio de Janeiro, estamos mal. Mal de polícia, estamos mal de segurança pública e, o que é pior, de tão mal, já distorcemos o entendimento do que pode ou não ser considerada uma tropa de elite.

2 comentários:

Bebeto disse...

Grande Bodão!

Parabéns pelo texto, excelente.

Autoriza a gente publicar seu texto no blog do VQ e, posteriormente, na publicação?

Abração,

Bebeto

Maíra disse...

É... a solução nao é a Tropa de Elite, mas a Troca de Elite!