terça-feira, 23 de outubro de 2007

Complementando a Clê com sua (nossa!) indignação

Ia postar um comentário, mas como não sou o Bodão, que faz comentários maiores que uma postagem, lanço aqui direto no blog (e antes que perguntem: cadê tu Capilo?)

Escutei esse comentário do seu Beltrame hoje pela manhã, via rádio CBN. Como já dito, era uma preocupação do tal a “tática” dos traficantes de levar para favelas da Zona Sul do Rio os seus “arsenais”. Lá seriam mais complicadas as ações violentas da polícia, por estarem mais "visíveis".

Aí o apresentador, Sidney Resende, complementou (não necessariamente com essas palavras que a memória aqui num é das melhores): “Embora pareça um comentário preconceituoso, isso é um fato. Copacabana tem um índice de homicídios de uma cidade européia, cinco homicídios para cada 100 mil habitantes’ (e isso não poderia mudar, porque Copacabana é ponto turístico para estrangeiros, e também porque esse índice não pode aumentar). Aí continuou o apresentador: “Além de quê um tiro nesse bairro vai ter uma repercussão muito maior pela imprensa”. Porra, isso justifica alguma coisa?

Como você, cara Clê, infelizmente também já sabia dessa “divisão regional”. Já ano passado, num seminário sobre mídia e violência no CESeC (que inclusive lança um livro sobre o tema nessa segunda 29), um jornalista que participava, repórter do grande Jornal Nacional da nossa querida rede Globo, falou, tranquilamente: “Uma morte na Lagoa ou Leblon é notícia. Em bairros pobres não. Isso é notícia e acabou – morte na Baixada [Fluminense] é comum, é corriqueiro, não interessa. Essa é a nossa realidade”.

Está aí. O preconceito vem da classe dos jornalistas (ô raça!) e do Estado (sem comentários). O nosso amigo do JN ainda falou, à época, que o compromisso do jornalista e do jornalismo é com a sociedade. E essa era a justificativa de que uma morte em bairros nobres é mais incomum, e por isso tem-se que dar um destaque maior. Estávamos em época de morte por acidente de carro de jovens na Lagoa (devia ter um mês do acidente e ainda era comentado) e da morte de sete jovens numa favela (que agora não me recordo, principalmente porque pouco foi falado – e no JN, O Globo, nada comentado).

O compromisso desses jornalistas (não vamos generalizar...) é com a sociedade que compra jornais, desses camaradas que escrevem comentários em sites do tipo “bala neles”, “mora na favela tem mais é que morrer”, “é favelado é conivente com o tráfico”, e daí pra pior. A questão é como remodelar esse modelo de comunicação. A maior parte da sociedade não é representada pela nossa mídia tradicional, não tem valor nenhum prêsse povo.

Já no artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos (de 1948), lemos o seguinte: “Todo homem tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferências, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e idéias por quaisquer meios, independentemente de fronteiras”.

Em relação à comunicação e à liberdade de expressão em especial, esses direitos são cada vez menos assegurados. Isso porque existem diversas dificuldades para uma comunicação livre, que vai desde burocracia (como para abrir uma rádio comunitária) como por questões financeiras (para imprimir um veículo, financiar um sítio na internet, etc.), passando naturalmente pela questão política do poder.

E aí, qualé a alternativa? É preciso pensar em novas formas de comunicação, que não dependa dessa grande mídia, já viciada e com interesses muito bem definidos. É preciso uma nova comunicação, que venha de baixo para cima, e não uma comunicação impositiva como estamos desde sempre acostumados. É preciso também uma reflexão sobre os atuais meios de comunicação para a proposição de novas iniciativas que tenham o caráter de inovar e valorizar os espaços e os saberes populares, ou seja, veículos de comunicação que tenham como principal preocupação a vida das pessoas, os direitos humanos: para que a informação seja democratizada e não tratada como simples mercadoria.

Mas uma “transformação” desse porte necessita da participação da sociedade civil, a mesma que tece comentários absurdos por sites internet a fora. Mas essa minoria que sobressai, que se dizem o senso comum, como dito, são minorias. Uma hora a paciência acaba, a exploração e desrespeito chegam no limite. Aí podemos impulsionar um verdadeiro exercício de cidadania, com participação desses moradores hoje considerados inferiores. Pra isso, temos que pensar mesmo em ações, projetos, programas, sei lá o quê, que possibilitem o acesso de todos aos bens e mensagens, pelo direito de receber, interpretar e repassar informações com suas visões de mundo, com seus olhares, com seus conceitos, ou seja, a participação democrática (mesmo!) de todos os setores sociais na construção dessa nova sociedade.

Não podemos esquecer ainda do papel da educação, que deve ser redefinida, fazendo com que seja capaz de englobar a revolução informacional, utilizando-se da mídia e neotecnologias da comunicação no ensino. Este é mais um passo importante para se ter uma noção crítica da mídia e para a produção de veículos de comunicação democráticos – em jornais experimentais, programas de rádios nas escolas, blogs, sites, vídeos. Com esse novo “ativismo”, talvez seja possível uma nova participação política, ligada à formação de aparatos cooperativos críticos de produção de comunicação, e portanto de uma nova cidade, que seja mais humana e solidária.

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