As imagens são chocantes. Dois jovens negros, descalços, sem camisa descem aos trancos e barrancos uma encosta enquanto são acompanhados por um rastro de balas disparadas por atiradores que os perseguem de helicóptero. Não oferecem perigo algum, pelo contrário, estão encurralados, observados do alto, sem chance de fuga. As imagens apontam para outro interesse da polícia além de prendê-los. Os atiradores disparam com a intenção de matá-los, o que conseguem por fim, segundo o narrador do telejornal.
A primeira impressão que ocorre é que as imagens dessa execução elucidariam a forma como se desenvolvem tais operações e incursões policiais, denunciando uma conduta excessiva e arbitrária desses atiradores. Esse flagrante inquestionável, imaginava-se inicialmente, mobilizaria críticas dos diversos setores da sociedade e poder público. No entanto, as coisas não transcorreram dessa forma.
Por incrível que pareça, as autoridades competentes passaram a apresentar argumentos para mais esta carnificina, que resultou em doze mortos, dentre eles um menino de quatro anos, atingido dentro de casa. As execuções foram justificadas por conta dos indivíduos haverem supostamente atirado contra o helicóptero.
Do nível estadual ao federal, houve a justificativa e a afirmação de que não haverá recuo e que a lógica do confronto será levada adiante, apesar do saldo de mortos, em um discurso entremeado de ironias.
Mas não, pensava-se ainda, a opinião pública certamente se posicionará de forma contrária a essa política de extermínio, reagindo à truculência e crueldade expostas por essas imagens. Porém, o que encontramos na maioria das cartas de leitores, dos editoriais e dos comentários veiculados pelos principais meios de comunicação são mensagens de apoio e congraçamento à forma como o governo está combatendo e reprimindo esses grupos criminosos.
Mais uma vez, essas mensagens são veiculadas junto a ataques às organizações da sociedade civil atuantes na defesa e promoção dos direitos humanos. Fica-se com a impressão de que esses cidadãos não têm noção do que estão defendendo ao preconizar a perpetuação desses métodos e dessa lógica do confronto e do extermínio.
Ainda que isso signifique, do lado da opinião pública, uma reação desesperada por parte de pessoas diariamente acuadas pelo grau de violência vivido na cidade, não é preciso ser especialista para saber que a constante violação dos direitos humanos e a exacerbação da cultura da morte e do genocídio têm como produto mais mortes, mais revolta, mais vidas perdidas.
No final do século passado, uma figura messiânica, com ares de profeta bíblico, perambulava pelas ruas da cidade, especialmente nos arredores da zona portuária e Leopoldina, escrevendo em muros e pilares de viadutos mensagens para um mundo melhor. Popularmente conhecido como o Profeta Gentileza, converteu sua loucura e mendicância em murais onde ainda se encontram dizeres como “violência gera violência, amor gera amor, gentileza gera gentileza”. Frases de conteúdo simplório, pueril, ingênuas de tão óbvias.
Entretanto, o quadro macabro vivido na cidade e a política do extermínio defendida ostensivamente por formadores de opinião, políticos e dirigentes governamentais somente demonstra o grau de insanidade que chegamos, a ponto de associarmos inteligência e eficácia policial com execuções sumárias, crianças baleadas e a violação do direito humano mais fundamental – a vida.
Rodrigo Bodão
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário