sábado, 24 de novembro de 2007

NÓS

Nos dias correntes, cada vez mais, vemos o acirramento de conflitos, senão deflagrados, potencializados a partir de posições e classes sociais. De um lado, um processo gritante de criminalização da pobreza e propagação de preconceitos e discriminações para com as favelas, periferias e seus moradores. De outro, a condenação das classes média e alta como principais incentivadoras dessas ações e declarações públicas.

Bem, longe de mim querer negar essa, digamos, oposição que modela o capitalismo enquanto gerador de opressão e desigualdade. No entanto, existem certas particularidades e nuances equivocadas nesses discursos. E mais que equivocadas, injustas e contraproducentes.

Encontros fortuitos

Neste final de semana super prolongado, quando começamos homenageando a República e terminamos celebrando Zumbi e a Consciência Negra, um encontro fortuito foi quem deu origem a essa divagação.

Na casa de veraneio de minha família, estávamos eu, morador da Glória, criado em Icaraí, bairro da zona sul de Niterói, e dois amigos, Fábio, ex-morador da Maré, atualmente residindo no Irajá, e Rodrigo, nascido e criado na Rocinha.

Altas horas da madrugada, já um tanto embriagados de cerveja, música e do clima da roça, nos demos conta que, apesar de nossas origens e implicações heterogêneas, compartilhávamos de diversas opiniões e pontos de vista acerca das questões políticas e sociais contemporâneas. Mais do que isso, nos percebemos num mesmo barco, lutando, em nossas carreiras e estudos, por um mesmo ideal de uma sociedade mais justa e igualitária.

Sem dúvida, as razões que me levaram a ascender a tal posição são diferentes das deles. Do mesmo modo, embora possamos apontar mais semelhanças em suas histórias de vida, as vicissitudes e experiências que os moldaram e construíram são distintas.

Não obstante, na proliferação de encontros fortuitos como esse é que nos reconhecemos juntos no mesmo pedaço do caminho.

Mãos dadas

Assim como esse momento retratado na digressão acima, não podemos generalizar e simplificar o problema da desigualdade tratando-o, univocamente, como uma questão de classe, correndo o risco de perdermos aliados importantes. Acredito, antes, que o diálogo e a incorporação de implicações distintas e contribuições variadas dos diversos setores da sociedade fortalecem as reivindicações e ampliam o poder de alcance dos argumentos.

Ao contrário, quem tem a ganhar, maquiavelicamente, com o recrudescimento de posições antagônicas e a divisão dos que se opõem ao quadro atual são, justamente, seus defensores. Além disso, uma postura reativa que dá o troco e responde com a mesma moeda, afastando possíveis aliados por conta de preconceitos invertidos, ao invés de combater a lógica da discriminação e da hierarquização da vida humana, a reforça e legitima.

Como já dizia o saudoso poeta de Itabira, Carlos Drummond de Andrade:
“O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.”


(...) ou senão, quando no futuro olharmos para trás, podemos acabar lamentando o tempo perdido e recorrendo a outros versos.


Rodrigo Nascimento, Núcleo de Violência e Direitos Humanos do Observatório de Favelas

http://www.observatoriodefavelas.org.br/observatorio/index2.asp

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