quinta-feira, 15 de novembro de 2007

Capitão Nascimento de São Paulo

Quinta-feira à noite. Cidade de São Paulo, boate Vegas, rua Augusta. O distrito policial é o 4º, localizado na Marquês de Paranaguá. Já localizados, vamos ao assunto. Uma mulher, roubada dentro da boate, pede ajuda à segurança, depois a um policial, é agredida pelo policial, vai à delegacia, não é atendida, na saída é agredida por um grupo de policiais. Um deles se autoproclama “Capitão Nascimento”. Abaixo o email detalhando os fatos.

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Um encontro com o Capitão Nascimento na vida real
1 - Uma breve história de terror
2 - Alguns comentários sobre Tropa de Elite após meu encontro com o Capitão Nascimento
3 – Um bom conselho

1 – A história
Na semana passada, fui numa festa na rua Augusta, na região central. Quando eu estava me preparando para ir embora um sujeito simplesmente roubou meu celular da minha mão. Com uma rapidez incrível.

Com a mesma agilidade fui atrás do segurança da casa, contei o que tinha acontecido e pedi para ele fazer alguma coisa. Naquele momento não seria difícil achar o cara que roubou o celular. A casa já estava relativamente vazia e eu indiquei o lugar que ele estava.

Resumindo: o segurança não fez nada e todos (funcionários da casa) acharam melhor que eu saísse rapidamente, mesmo sem pagar. Não porque eu tinha sido roubada e eles estavam sendo generosos. Mas sim porque não queriam tumulto. (um pequeno detalhe importante: na entrada todos foram revistados – portanto, não seria nada estranho, naquele ambiente, revistar um suspeito).

Assim que eu saio, vejo um casal (que fica na porta da casa recebendo o público) e um policial.
Primeira cena de terror. Obviamente me dirigi ao policial relatando o que tinha acabado de acontecer (o roubo) e pedindo para ele me ajudar. Ele não se mexeu. Quando, então, eu perguntei se ele não ia fazer nada. Ele fez. Deu um soco na minha cara. Isso mesmo, um soco na cara de uma mulher, em plena rua Augusta, na frente de várias pessoas (testemunhas). Fiquei tão perplexa que nem senti dor. Só percebi a força do soco, no dia seguinte, quando vi a marca da mão do policial na forma de uma macha roxa estampada no meu rosto.

Perguntei: você percebe o que você fez? Ele percebeu, sim. Porque deu outro murro na minha cara. Com a mesma violência.

Imediatamente atravessei a rua e entrei num táxi. Quando eu pedi para ele me levar para a Delegacia, ele falou que não podia ir, ia complicar para ele. Pedi, então, que ele me deixasse numa rua próxima da Delegacia.

Chegando na delegacia falei para o sujeito de plantão que queria fazer duas queixas: o roubo do celular e o soco do policial.

Ele me mandou esperar alertando que o delegado não tinha hora para chegar. Mas sugeriu que, se eu estava tão indignada, deveria ir a corregedoria. Resolvi ir. Ele não me deu o endereço, mas apenas algumas indicações, do tipo: pega esquerda, direita etc etc, tudo bem confuso.

Segunda cena de terror. Quando chego na rua, em frente a delegacia, encontro um grupo de policiais. Todos jovens, com a roupa engomada, cabelo curto, bem cortado (parecia um grupo de réplicas do personagem do Wagner Moura). Um deles se aproximou de mim e falou: ninguém vai denunciar um colega meu. Armou um sorriso idêntico ao do personagem do Wagner Moura, no filme Tropa de Elite. Estufou o peito e falou: “Meu nome é capitão Nascimento”. Ao mesmo tempo, apontou um spray de gás de pimenta e acionou na minha cara. Simples assim. Para alegria geral das réplicas do personagem do Wagner Moura. Todos acharam muito divertido. E riram muito!

Antes de partir para a segunda parte desse e-mail, alguns comentários:

1 – a sensação é terrível. Arde muito e por muito tempo.

2 – como o plantonista me alertou, se um dia acontecer com você, não faça nada e muito menos coloque água. Cada vez que você pisca, a dor piora. Arde ainda mais. No dia seguinte, seus olhos se transformam em duas bolas enormes.

3 – o plantonista, como um típico representante da polícia do século XX, teve como maior preocupação descobrir, sem qualquer sutileza, onde eu morava, se eu tinha parentes importantes; enfim, que tipo de poder eu tinha. Preocupação inútil. Esse tipo de “proteção” não tem valor nenhum, atualmente.

4 – antes que alguém faça uma crítica, gostaria de falar que eu nunca concordei com essa polícia que só funcionava para quem tinha influência. Faço parte da população, que acredita que a polícia deve respeitar todo mundo e não deve agir com violência com absolutamente ninguém.

2 - Alguns comentários sobre Tropa Elite após meu encontro com o Capitão Nascimento
Quando eu assisti Tropa de Elite fiquei fã do filme. Entendi que se tratava de uma crítica a uma situação de violência e tudo o mais.

Mas depois dessa experiência acho que o filme detonou uma situação terrível.

Agora, a polícia sente uma aprovação por agir com violência. Os policiais se identificam com o capitão Nascimento e se sentem heróis por serem assim. A expressão de prazer e poder do capitão Nascimento que eu conheci, pessoalmente, nunca vai sair da minha cabeça.

Certamente, antes do filme nenhum policial daria um murro na cara de uma mulher no meio da rua, com várias testemunhas ao lado. E muito menos jogaria um spray de pimenta na cara.
Esse tipo de atitude era reservada para os moradores da periferia. Era uma coisa vergonhosa, que deveria acontecer longe, escondida.

A sensação geral era de desaprovação. Ou seja, era péssimo ter uma polícia que desrespeitava quem não tinha um pequeno poder para se defender. Hoje, eu preferia mil vezes ser uma gringa assistindo Tropa de Elite.

Ver o filme, por que eu gostei, mas sem ter que viver na pele as suas conseqüências. Que obviamente não são culpa do diretor. Que pretendia justamente o contrário. Que fosse uma crítica que alertasse sobre o absurdo dessa violência. O filme funcionou como uma espécie de catarse, que liberou a violência. Portanto, cuidado. Você pode ser a próxima vítima. Hoje, quem manda na cidade é o capitão Nascimento.

3 – Um bom conselho
Se um dia você estiver andando pela região central e encontrar um senhor com cerca de 60 anos, um metro e cinqüenta de altura e uma dignidade típica dos vendedores da revista Oca (ex-pessoas de rua, que, agora, com essa revista, estão readquirindo a dignidade) cumprimente-o, ofereça uma carona, um jantar, o que for.

Esse homem, que surgiu do nada, ficou cerca de 2 horas ao meu lado, me apoiando, me ouvindo, conversando e cuidando de mim.

Esteja certo que se você precisar – e parece que nesses tempos atuais, não será nada impossível que você precise – ele ficará do seu lado. O tempo que você precisar.Gostaria muito de reencontrar esse homem.

Naquela hora ele foi tudo para mim. Imagine só a minha situação. Para quem eu ia telefonar? Pros meus pais? E falar: acabei de levar um murro de um policial? Eles ficariam arrasados e iriam imediatamente para a delegacia. E nesses tempos de Capitão Nascimento, não duvido nada que meus pais também levassem um murro na cara. Ou um jato de spray de pimenta nos olhos.
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4 comentários:

Clementina disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Clementina disse...

custei a acreditar quando eu li... fico imaginando quantas vezes situações como essa têm se repetido em cidades com sp ou rj. e se em lugares como a rua augusta eles agem desse jeito, não quero nem pensar como eles andam agindo no subúrbio e nas favelas. depois há quem diga que minha indignação é exagero...aff!

Lia Drumond disse...

Eu recebi esse email também... Se for verdade, é o fim da picada mesmo! Melhor liberar o porte de armas por que vamos ter de nos defender dos bandidos e da polícia de agora em diante...

Anônimo disse...

é verdade sim!
sou eu a mulher que levou o soco e tudo o mais!
tem uma parte que eu não lembrava, porque me deu um branco. Depois que o policial me deu os socos, eu não fui sozinha pro taxi. Ele me agarrou no braço e foi perguntar quem tava comigo. E aí um amigo me levou pro taxi.
Ele me contou alguns dias depois. Aí eu entendi porque eu tava com um roxo enorme no braço. Era a delicada mão do policial.
No total fiquei umas 3 horas entre o Vegas e a minha casa. Certamente aconteceu mais coisas que eu não lembro. E não tava bêbada nem nada. Foi branco mesmo, de terror.
Queria agradecer por vc ter publicado o e-mail.