realmente, tenho vivido momentos privilegiados. vejo filmes, leio revistas, livros e sites/blogs de esquerda, em geral, marxistas, tomo chás, cafés, cervejas e whiskies e reflito... refletir é um privilégio nos tempos correntes... ou melhor, poder pensar e organizar as idéias em textos... a configuração do trabalho procura sugar tudo o que você tem de melhor no horário comercial, pra depois te silenciar com cervejas, bate papos, trepadas rapidinhas ou fodas homéricas, drogas, samba, drogas, futebol, pai nossos, batuques e outras atividades de afirmação prazerosa da existência espremidos na rotina diária...há os que afirmam gostar do que fazem e encontram prazer no trabalho... eu não me arrisco a incorrer nesse pensamento sem volta e de sufocamento garantido...pois bem...em minhas conexões de sentidos não totalizantes da realidade que se me impõe, uma brincadeira interessante é mesclar filmes com textos lidos e idéias navegadas. dentro dessas reflexões cinematográficas, determinados assuntos apontam para certos arranjos e algumas dobradinhas de filmes com navegações conectáveis. desse modo, planejei realizar dois posts, harvey milk + quem quer dinheiro?, e bamboozled + munyurangabo: por um humor politicamente correto!!eis então o primeiro:bem, como anunciei na postagem anterior, acabei de ver milk. muito bom filme, sean penn realmente está excelente e a história tem a meu ver o mérito de não incorrer numa narrativa individualizante do mito do herói ou mártir. pelo contrário, demonstra que ele era uma liderança que muito mais que criar um movimento é posto a navegar por ele, entra na política para representar uma coletividade inflamada que já existia, intensificando e ampliando suas lutas, reivindicações e conquistas.
é interessante também como, ao longo das imagens reais expostas no filme, eu já consigo reconhecer NY, a disposição das ruas, sua arquitetura e tal...
aliás, eu faria uma breve e precária comparação entre brasil e eua, e diria que ny está para são paulo assim como a califórnia está para o rio de janeiro... fui poucas vezes a são paulo, uma quando criança e outra a trabalho no masp, mas, do que eu posso lembrar, ny tem um mesmo clima, a coisa do ibirapuera e seus corredores, patinadores e pipoca com uma parada rosa, não sei bem o que era, mas inesquecível ecoa em minhas percepções do central park, a poesia do concreto... east/west/greenwich village madalena ou mariana... tom zé poderia ser bem um desses malucos que recitam poesia nas praças ao lado das rodinhas de break... adoniran é o tiozinho que toca jazz no metrô, rita lee está por aí e caetano foi à merda... e tá no rio agora, leblon de coração...
até o visual parece, uma coisa bem urbana, o próprio hip hop daqui parece com o de sp. a califórnia enquanto golden state e LA lembra, em minha imaginação já que nunca pus os pés na cidade dos anjos, o rio, até as brigas de gangues - cv x ada / east side x west side, as estrelas globais e hollywoodianas, não sei.
estou seriamente planejando uma ida a são paulo.
san francisco me parece ter alguma coisa de farme de amoedo posto 8, meio lido e augusto severo saca... e deve ter o mesmo problema da homofobia...
aliás, uma coisa que me intrigou no filme é que, ao que parece, os argumentos homofóbicos soavam e ecoaram de uma maneira tão obtusa e absurda naqueles tempos que às vezes dá uma sensação que eles foram mais diretamente responsáveis pelas conquistas do que as próprias propostas em si. tudo bem que o fundamentalismo cristão aqui e no brasil são bem consolidados e tal, mas fora dos círculos sulistas e radicais wasp, soam como imorais.
é engraçado como todas essas histórias dos movimentos sociais, dos gays, das lésbicas, do feminismo, dos negros e demais minorias me fazem pensar no nietzsche e sua genealogia da moral, de como a moral funciona por um mecanismo de culpabilização e desse modo evolui por inversões e não assimilações. as pessoas, em tese, num primeiro momento, não deixam de ter pensamentos machistas, racistas ou homofóbicos - passam a se culpar por tê-los e os silenciam... na medida que o tempo passa esse sentimento parece ser internalizado, os preconceitos e discriminações perdem sentido e a moral invertida proposta se torna uma hegemonia.
bem, se é assim, em geral, ainda estamos na fase da culpabilização e da inversão de sentidos...
depois do filme - muito elegante por sinal, as cenas gays nem me fizeram sentir culpado por incorrer em pensamentos homofóbicos - fui ler uma reportagem numa revista que eu comprei na barnes and nobles chamada 'isr - international socialism review' que trazia uma entrevista com um menos ativista e mais estudioso do movimento gay, onde ele falava sobre a coisa do nascer gay como a teoria adotada pelos movimentos e das vantagens pragmáticas dessa posição. eu achei uma merda, quase um retrocesso, ainda mais para quem tem noção do avanço das psiquiatrias biologizantes, do geneticismo dominante e do perigo que isso representa enquanto bandeira de eugenias renovadas.
quero ver se isso ganha status de verdade, os cientistas conseguem isolar o gene gay e os pais passarem a pedir a manipulação genética e exclusão desse gene. aí, apesar de eu não acreditar nessa teoria, ou vai ser um golpe no movimento ou pior, pode significar uma possibilidade de extinção dessa forma de sexualidade... eu duvido, mas, do que jeito que o cientificismo é, a promessa daqui a pouco passa a ser cobrada no laboratórios de inseminação artificial...
não quero duvidar da forma como se lida e vivencia o desejo, mas minha formação e simpatia pela psicanálise - e a crença em escolhas inconscientes - me fazem temer essas circunstâncias apesar do que se aponta como os ganhos com essa posição - a impossibilidade de culpabilização desses indivíduos e a própria eliminação da fobia de se transmitir esse comportamento para as crianças a partir do convívio e aceitação social dos LGBTs.
no mais, não percam, vale a pena, excelente película!!!!
até porque, sinceramente, tenho pensado muito nisso: esse campo de lutas exige a integração de todos os campos minoritários e o ativismo ou o ativista deve procurar desenvolver uma assunção integral desse modo de pensar... um racista homofóbico é tão idiota quanto um gay branco racista ou um machista de qual cor ou sexo seja... afinal, a forma mais perversa de preconceito é quando se apresenta introjetado pela vítima histórica... eu acho... mas isso é assunto para outra hora...
a escolha pelo slumdog millionaire junto com milk se dá por conta da reflexão sobre a introjeção de modos de subjetivação e pensamento, tal como a reflexão nietzscheana sobre a moral... isso porque tudo o que o personagem principal desse filme NÃO queria era ser era milionário. é triste ver que os tradutores deram esse título ao filme. o melhor seria 'quem quer ser milionário' brincando com o 'quem quer dinheiro' do sílvio santos... mais condizente com a ironia do filme, que na verdade é uma história de amor... péssima comparação, com esse programa deprimente, aquelas mulheres se engalfinhando por uma nota de 50 reais ou sei lá qual é a que ele faz as gaivotas de mau gosto que joga no auditório.
gostei do filme, mas... a discussão que ele traz é fraca... mas vale como entretenimento, ganha o oscar e tal...é engraçado como a mídia constrói e reproduz uma espécie de subjetividade capitalista que está estampada na escolha do título. quem não quer ser milionário?? todos se perguntam, como se nesta via residisse o real sentido da existência... ganhar e acumular dinheiro...aí eu acho que até faz sentido desenvolver uma leitura da realidade como totalidade, como resposta ao mecanismo do capital que também é totalizante e indica os prazeres e liberdades individuais como contrapartidas de uma inserção subjetiva capitalista no mundo. nesse sentido, o marxismo e sua aposta no proletariado perde ao dissolver as individualidades em ideiais coletivos unificados. isso sem falar que o ópio do povo, futebol, religião, bebedeiras, pequenas irresponsabilidades são importantes na vida... sei lá, o militante tradicional, clássico, se me assemelha a um chato que policia o mundo atrás de motivos para encrencas e reclamações e impropérios e blá blá blás politicamente corretos... apesar de ninguém negar a festa como importante momento de agregação de valores e lutas...minha dissertação de mestrado, sua investigação, acabou por apontar um caminho comum dos movimentos sociais em buscar a construção de leis que garantam e protejam sua existência e cidadania, que signifiquem direitos conquistados... o caminho costuma ser o da criminalização dos comportamentos inadequados e fascistas e de ações afirmativas variadas, condicionadas por condições negativas de existência, faltas, desvantagens sociais, e tal... mas isso não basta para mudar uma moral ou sistema de valores... é preciso mais... a culpabilização e a condecendência com o sofrimento alheio é um caminho de convencimento, as leis são importantes, mas é preciso mais, é preciso afirmar a positividade dessas pessoas, as suas capacidades e genialidades, a sua dimensão e potencialidades inventivas, a sua produção de vida, festa, arte e bom humor...o movimento gay sabe disso, vide a gay parade...outros parecem saber menos ou...bem, ainda bem que spike lee sabe disso também...mas isso é assunto para outra postagem e eu hoje tenho uma festa para ir...