Havia colocado o celular para despertar quarenta minutos antes do combinado. Era pontual e sempre se orgulhou disso. Calculou que se arrumava em pouco menos de meia hora. Em dez chegava no local do encontro, sem precisar andar muito rápido. Ficavam aí uns 3 minutos para se olhar no espelho e passar na varanda para olhar a rua (sempre fazia isso antes de sair se estivesse tensa ou muito feliz). Quando o celular tocou sentiu uma leve raiva. Havia conseguido cochilar naquela uma hora depois dos dias de insônia. Mas isso é especulação. Na verdade, ela poderia apenas não querer ir até ele. Ou nada disso. Apenas se irritou com aquele toque irritante:
- Desde que tomou chuva que essa porcaria não liga, não toca direito e toca músicas malucas.
Mudou novamente o toque do telefone. Levantou-se sem pensar em nada, porque certa vez leu que sábio era aquele que vivia sem se perguntar por quê. Não que concordasse com isso, mas a idéia combinava com o momento. Tomou banho, vestiu-se, penteou-se e escovou os dentes. Olhou seu rosto de perto no espelho e por um instante tentou imaginar o que nela havia mudado naqueles anos e o que ele poderia ver de mudança. Rapidamente fechou os olhos e afastou-se do espelho. A idéia de que os sábios não se perguntam voltou à mente e ela voltou a pensar em nada.
De volta ao quarto tentou olhar pouco para o que estava ao redor. Muito do que havia ali faria com que ela caísse na tentação de pensar. Passou seu perfume. Era um bom perfume e a fazia sentir-se segura. Chaves, dinheiro e cartão nos bolsos. Tomou um copo de água e já ia em direção à porta quando lembrou-se de algo. Voltou a passos lentos e parou na varanda. Permitiu-se pensar por alguns segundos, talvez uns dois minutos. Retomou o passo rápido e firme de sempre. As mãos começaram a suar, como de costume. Enxugou-as na calça quando saiu do elevador. Olhou no relógio e havia se atrasado. Andou bem rápido ao encontro dele, sem pensar em nada, enxugando as mãos e por vezes mexendo na orelha (uma mania que tem desde criança). Chegou 5 minutos atrasada e o vê-lo em pé na porta do edifício tentou pensar no que ia dizer. Conteve-se, manteve a decisão de não pensar e seus lábios, sozinhos, disseram:
- Continua pontual.
- Bom ver que você ainda lembra de mim.
- É involuntário. Percebi logo que o exercício de tentar esquecer era em vão.
Ele apenas moveu as sobrancelhas. Cumprimentaram-se e seguiram para a noite que os esperava. Ela sem pensar, ele... Bom, ele é indescritível.