Acho que eu devia ter uns 9 ou 10 anos. Era festa de ano novo num clube em Salvador. A cena permanece intacta em minha mente. Procurei minha mãe pelo salão e nada de achá-la. Caminhei até o fim do corredor e olhei para o andar de baixo. Lá estava ela sentada, num vestido rosa curto, belas pernas longas e finas à mostra, ombros largos e uma das mãos mais delicadas que eu já vi aportadas sobre os ombros de um caboclo de 18 anos que estava sentado a sua frente. Se eu tinha dez anos, minha mãe tinha 33, duas filhas e um casamento que durou seis anos, mas que gerou mais de 20 de problema. Era bonita, alta, delicada sem ser fresca, tinha belos peitos comprados num cirurgião plástico e um sorriso memorável. Fazia sucesso com homens em geral, para meu completo horror. Aliás, acho que é daí que procede minha insônia. Minha mãe saía de casa e eu perdia o sono.
Depois do divórcio, ela dedicou alguns anos exclusivamente as suas crias – eu e minha irmã. E depois de longos anos de seca e solidão, foi aos poucos retomando sua vida social. A retomada da vida social veio junto com meu ciúme de filha. Mas feliz era o tempo em que eu me mordia de ciúmes com as saídas noturnas. Ainda não existiam namorados ou coisas do gênero nas nossas vidas.
Eu nunca a havia visto com um homem, nem de mãos dadas. Até aquele ano novo. Lá de cima, a vi sentadinha, sorrindo, levemente ébria, com as mãos sobre o ombro do primo da esposa de um primo nosso. Das mãos nos ombros para o beijo foi um salto. Olhei pro lado e tinha uma mesa com comida. Peguei um abacaxi e pensei em jogar nos dois. Desisti e fiquei olhando aquela cena como se a dor de alguma forma fosse agradável.
Na manhã do dia primeiro, conversamos e discutimos. Dura que sou, não deixei cair uma única lágrima. Quando eu não tinha mais argumento para justificar meu egoísmo e ciúme disse apenas que não importava se eu estava certa ou não, mas aquele era o dia mais triste da minha longa existência e eu fazia questão que ela soubesse disso.
Com dez anos eu já sabia que tristeza não precisa de explicação. A dor, por si só, justifica-se, mesmo sendo irracional ou indevida. Sabia também, que podia atingir minha mãe com minha tristeza e não esperava com isso fazer com que ela se arrependesse. Queria apenas que o desconforto fosse mútuo.
Algumas vezes nesses treze anos que se seguiram, eu lembrei desse momento. Hoje, inclusive. Com alguma intensidade. Não é que eu esteja profundamente triste – ou não só isso –, mas quero desconfortos mútuos.
segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009
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11 comentários:
já estou solidariamente triste por aqui. E com o facilitador dessa gripe alérgica...
Essa história do abacaxi era assim mesmo?
Geralmente o risco da outra pessoa não ficar tão triste quanto eu me inibe de provocar desconfortos mútuos.
Vaidade e medo.
É, de fato, muito triste.
mas é daí, de tentar fazer com que o outro sofra o mesmo que vc, que vc sabe o quanto ele te ama (ou não). não acho triste, acho macabro.
mas admito que me utilizo da técnica.
vocês são cruéis... e sabem que dá certo
eu quero dizer que eu não acho que o outro sofra tanto quanto vc em ocasião alguma. eu acho que oq pode causar dor nele é ver alguém amado sofrendo. e só isso!! enfim, mas eh algo q não se compara a sua dor!! o causar desconforto no outro é um alento pobre, vazio e fugaz...mas que funciona!
de resto, concordo que meio que serve pra ver se o outro te ama tbm. pq se não amar, nem vai ligar em te ver sofrer. mas eh algo meio bobo, pq énsa bem, no fundo, a gente já sabe que é amado. insisto: eh apenas um exercício meui egoísta de causar um sofrimento mínimo, um desconforto no outro. o mais louco é como isso nos conforta.
somos todos egoístas
Nada mais incondicional do que o amor.
Eu só espero de não ter perdido a chance de ser dura com ele. Domingo ainda não passou.
Não acho nada disso. Só acho que essas coisas de sentimento, como egoísmo, amor ou o que quer que seja acontecem. Somos humanos.
Achei lindo o que escreveu. Acho lindo dividir tudo isso.
Bjo.
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