segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Acho que eu devia ter uns 9 ou 10 anos. Era festa de ano novo num clube em Salvador. A cena permanece intacta em minha mente. Procurei minha mãe pelo salão e nada de achá-la. Caminhei até o fim do corredor e olhei para o andar de baixo. Lá estava ela sentada, num vestido rosa curto, belas pernas longas e finas à mostra, ombros largos e uma das mãos mais delicadas que eu já vi aportadas sobre os ombros de um caboclo de 18 anos que estava sentado a sua frente. Se eu tinha dez anos, minha mãe tinha 33, duas filhas e um casamento que durou seis anos, mas que gerou mais de 20 de problema. Era bonita, alta, delicada sem ser fresca, tinha belos peitos comprados num cirurgião plástico e um sorriso memorável. Fazia sucesso com homens em geral, para meu completo horror. Aliás, acho que é daí que procede minha insônia. Minha mãe saía de casa e eu perdia o sono.

Depois do divórcio, ela dedicou alguns anos exclusivamente as suas crias – eu e minha irmã. E depois de longos anos de seca e solidão, foi aos poucos retomando sua vida social. A retomada da vida social veio junto com meu ciúme de filha. Mas feliz era o tempo em que eu me mordia de ciúmes com as saídas noturnas. Ainda não existiam namorados ou coisas do gênero nas nossas vidas.

Eu nunca a havia visto com um homem, nem de mãos dadas. Até aquele ano novo. Lá de cima, a vi sentadinha, sorrindo, levemente ébria, com as mãos sobre o ombro do primo da esposa de um primo nosso. Das mãos nos ombros para o beijo foi um salto. Olhei pro lado e tinha uma mesa com comida. Peguei um abacaxi e pensei em jogar nos dois. Desisti e fiquei olhando aquela cena como se a dor de alguma forma fosse agradável.

Na manhã do dia primeiro, conversamos e discutimos. Dura que sou, não deixei cair uma única lágrima. Quando eu não tinha mais argumento para justificar meu egoísmo e ciúme disse apenas que não importava se eu estava certa ou não, mas aquele era o dia mais triste da minha longa existência e eu fazia questão que ela soubesse disso.

Com dez anos eu já sabia que tristeza não precisa de explicação. A dor, por si só, justifica-se, mesmo sendo irracional ou indevida. Sabia também, que podia atingir minha mãe com minha tristeza e não esperava com isso fazer com que ela se arrependesse. Queria apenas que o desconforto fosse mútuo.

Algumas vezes nesses treze anos que se seguiram, eu lembrei desse momento. Hoje, inclusive. Com alguma intensidade. Não é que eu esteja profundamente triste – ou não só isso –, mas quero desconfortos mútuos.

11 comentários:

Vitor Castro disse...

já estou solidariamente triste por aqui. E com o facilitador dessa gripe alérgica...

Daniel disse...

Essa história do abacaxi era assim mesmo?

André Lima disse...

Geralmente o risco da outra pessoa não ficar tão triste quanto eu me inibe de provocar desconfortos mútuos.
Vaidade e medo.
É, de fato, muito triste.

Suzana disse...

mas é daí, de tentar fazer com que o outro sofra o mesmo que vc, que vc sabe o quanto ele te ama (ou não). não acho triste, acho macabro.

Suzana disse...

mas admito que me utilizo da técnica.

Anônimo disse...

vocês são cruéis... e sabem que dá certo

Clementina disse...

eu quero dizer que eu não acho que o outro sofra tanto quanto vc em ocasião alguma. eu acho que oq pode causar dor nele é ver alguém amado sofrendo. e só isso!! enfim, mas eh algo q não se compara a sua dor!! o causar desconforto no outro é um alento pobre, vazio e fugaz...mas que funciona!

de resto, concordo que meio que serve pra ver se o outro te ama tbm. pq se não amar, nem vai ligar em te ver sofrer. mas eh algo meio bobo, pq énsa bem, no fundo, a gente já sabe que é amado. insisto: eh apenas um exercício meui egoísta de causar um sofrimento mínimo, um desconforto no outro. o mais louco é como isso nos conforta.

somos todos egoístas

Anônimo disse...

Nada mais incondicional do que o amor.

Anônimo disse...

Eu só espero de não ter perdido a chance de ser dura com ele. Domingo ainda não passou.

Luana Pinheiro disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Luana Pinheiro disse...

Não acho nada disso. Só acho que essas coisas de sentimento, como egoísmo, amor ou o que quer que seja acontecem. Somos humanos.

Achei lindo o que escreveu. Acho lindo dividir tudo isso.

Bjo.