terça-feira, 4 de março de 2008

O caso "boimate"

Dentre as muitas coisas que o Nassif anda publicando sobre o imundo universo de VEJA, tem uma que me diverte. Trata-se da matéria sobre o "boimate", uma notícia falsa e absurda publicada pela revista em 1983. Sim, que VEJA publica matérias inverídicas não é novidade. Mas, o caso "boimate" é interessante para vermos como é feito jornalismo no nosso país. É emblemático, melhor dizendo, para pensarmos sobre como os noticiários se estabelecem como portadores da verdade. Divirtam-se...



O "fruto da carne" derivado da fusão da carne do boi e do tomate, batizado com o sugestivo nome de “boimate”, constituiu-se, sem dúvida, no mais sensacional "fato científico" de 1983, pelo menos para a revista Veja, em sua edição de 27 de abril. Na verdade, trata-se da maior "barriga" (notícia inverídica) da divulgação científica brasileira.

Tudo começou com uma brincadeira – já tradicional – da revista inglesa New Science que, a propósito do dia 1º de abril, dia da mentira, inventou e fez circular esta matéria. A fusão de células vegetais e animais, entusiasmou o responsável pela editoria de ciência da Veja que não titubeou em destacar o fato. E fez mais: ilustrou-o com um diagrama e entrevistou um biólogo da UPS, para dar a devida repercussão da descoberta.

Para a revista, "a experiência dos pesquisadores alemães, porém, permite sonhar com um tomate do qual já se colha algo parecido com um filé ao molho de tomate. E abre uma nova fronteira científica". O ridículo foi maior porque a revista inglesa deu inúmeras pistas: os biólogos Barry McDonald e William Wimpey tinham esses nomes para lembrar as cadeias internacionais de alimentação McDonald´s e Wimpy´s. A Universidade de Hamburgo, palco do "grande fato", foi citada para que pudesse ser cotejada com "hamburguer" e assim por diante. Mas nada adiantou.

A descoberta do engano foi feita pelo jornal O Estado de S. Paulo que, após esperar inutilmente pelo desmentido, resolveu "botar a boca no mundo" no dia 26 de junho. O espírito gozador do brasileiro, no entanto, não deixou por menos. Durante o intervalo entre a matéria da Veja e o desmentido do Estadão, cartas e mais cartas chegaram às redações. Um delas que, maliciosamente, assinou "X-Burguer, Phd, Capital", lembrava que no Brasil já haviam sido feitas descobertas semelhantes: o jeribá, cruzamento de jabá com jerimum, ou o goiabeijo, cruzamento de gens de goiba, cana-de-açúcar e queijo, e adiantava que seus estudos prosseguiam para criação do Porcojão ou Feijoporco, cruzamento de porcos com feijões que ele esperava dar como contribuição à tradicional feijoada paulista.

Finalmente, com o objetivo de pôr fim ao caso que já divertia as redações, a revista publicou, na edição de 6 de julho, ou seja, depois de dois meses, o desmentido: "tratou-se de lastimável equívoco". E justificou-se, explicando que é costume da imprensa inglesa fazer isso no dia 1º de abril e que, desta vez, havia cabido à revista entrar no jogo, exatamente no "seu lado mais desconfortável".

* Texto de Wilson da Costa Bueno: jornalista, professor do programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da UMESP e de Jornalismo da ECA/USP.

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