outro dia durante uma festa na instituição em que trabalho, uma colega me abordou e fez alguns comentários sobre meu comportamento e minhas postagens no Facebook, comentários nítida e assumidamente moldados com contornos de conselhos. Segundo ela, minha relação com o álcool e drogas e minhas postagens refletiam algo que ela entendia perfeitamente e que ela queria me dizer o seguinte: que a dor passa, eu posso não acreditar agora, mas passa.
confesso que durante alguns instantes eu quase acreditei que ela havia percebido alguma coisa, justamente por mencionar o facebook, local em que tinha me exposto excessivamente, para variar, a poucos dias anteriores a essa conversa. Entretanto, não era nada do que eu pensava, suas observações se remetiam a minha separação com Amana, minha ex-mulher.
por um lado, me deu uma vontade de dizer: você não está entendendo nada!!! como quem manda calar a boca. Mas como havia uma intenção declaradamente positiva, não cometi tal grosseria. No entanto, mesmo aparentemente em silêncio, minha mente gritava desesperadamente diante do contato repetido com esse fenômeno da identificação dos seres humanos com o que acontece na vida alheia. A impressão era que o conselho dado para mim, uma vez que justificado a partir de uma identificação, servia para ela ou melhor, seria na verdade direcionado para ela mesmo, já que ela também passou por uma separação, mudança de endereço e de cotidiano a menos tempo que eu, mas praticamente no mesmo período.
e esse é o tema deste texto: a incrível capacidade das pessoas de não enxergarem o próximo e mesmo assim sentirem-se capazes de entender e intervir, ainda que com palavras, na vida do outro.
eu já tinha reparado isso em algumas pessoas. Confesso que também existem os que não incorrem nesse erro, no entanto sua raridade nme autoriza a fazer uma generalização acerca dessa conduta.
uma primeira observação vem da pretensão de entendimento autorizada por uma identificação. Quando estava na faculdade e me dedicava com mais afinco ao estudo da psicanálise do que de outras formas psicoterapêuticas, uma das frases mais importantes e eloquentes aos meus ouvidos - talvez até por identificação, quem sabe? rs - era que essa possibilidade de entendimento além de ser algo complicado de garantirmos com certeza, era o caminho para que todo o esforço terapêutico fosse jogado por água abaixo, quando se constrói uma espécie de cumplicidade inconsciente entre analista e analisando que pode desviar o rumo e a própria capacidade inventiva do trabalho analítico. Risco anunciado de descambarmos para um aconselhamento que significaria a cessão do trabalho ali realizado de dar novos/outros sentidos ao vivido.
essa cumplicidade incosnciente poderia ser aproximada, grosso modo, de uma cegueira egóica, onde o corolário de problemas, leituras, hípóteses, angústias, opiniões, valores e preocupações do analista aceca sua vida invadiriam o universo psíquico do analisando, autorizado pela sensação de identificação vivenciada.
eis o grande risco: o conselho não é dado para o outro, mas utiliza-se do outro para falar consigo mesmo, e assim, acobnselhar-se, consolidando e determinando um simulacro de senso comum entre ambos.
ou seja: quem me aconselha, não me vê. Quem me vê não me aconselha. Por que quem olha para o outro não vem com afirmações e certezas, ou caminhos pré-moldados, pela simples noção de que é o do outro que estou falando: e do outro eu não posso saber nada além de suposições... Quem sabe de mim, sou eu = quem sabe de si, é o outro.
em outras palavras: quem me vê me pergunta, quem se vê em mim, me aponta.
e minha vontade, confesso, é torcer o dedo em direção do peito de quem aponta... Mas poderia quebrá-lo ou machucar quem está com boas intenções, apesar da estúpida convicção de que todos são iguais e eu sou igual a ele ou ela. Prefiro ficar em silêncio, olhando e pensando em como é engraçado o ser humano...
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