sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

Vamo que vamo

Eu não gosto muito dessa época do ano. Por vários motivos. Esse clima de falsidade e hipocrisia que toma conta das pessoas me irrita. Dá vontade de sair gritando: gente, nada muda depois do dia 25, e pior, a vida segue igual na virada do dia 31 pra 1º. Acho também que o mundo acaba ficando em segundo plano, como se o movimento dele parasse e só se retomasse em janeiro. Pior, em 2008 o carnaval é no comecinho de fevereiro. Ou seja, as pessoas só voltam a levar a vida a sério depois da quarta-feira de cinzas. Na verdade, não tenho nada a ver com a vida das pessoas. O que quero dizer é que os problemas do mundo deixam de ser discutidos e questionados em dezembro como se tivessem sido resolvidos e daí vivemos meses de árvores de natal, comida em excesso, espumantes e roupas brancas. Além disso, odeio especiais de fim de ano na TV. Odeio não ter futebol às quartas. Odeio ter que ir ao shopping (sempre tem amigo oculto na minha família e não há outro lugar para comprar presentes que agradem a meus familiares).

Enfim... mas muitos fins de ano ainda terei pela frente. Há que se conformar e aproveitar que tá fazendo sol - sinal que vai chover no ano novo, pra variar.

Dura na queda
Chico Buarque

Perdida
Na avenida
Canta seu enredo
Fora do carnaval
Perdeu a saia
Perdeu o emprego
Desfila natural

Esquinas
Mil buzinas
Imagina orquestras
Samba no chafariz
Viva a folia
A dor não presta
Felicidade, sim

O sol ensolarará a estrada dela
A lua alumiará o mar
A vida é bela
O sol, a estrada amarela
E as ondas, as ondas, as ondas, as ondas

Bambeia
Cambaleia
É dura na queda
Custa a cair em si
Largou família
Bebeu veneno
E vai morrer de rir

Vagueia
Devaneia
Já apanhou à beça
Mas para quem sabe olhar
A flor também é
Ferida aberta
E não se vê chorar

O sol ensolarará a estrada dela
A lua alumiará o mar
A vida é bela
O sol,a estrada amarela
E as ondas, as ondas, as ondas, as ondas

quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

Bodes, favelados, cabeludos, jornalistas e outros pagodes

Poucas coisas na vida são tão boas, causam tanto prazer e alegria como...
uma cerveja + um tantã + um pandeiro + um cavaquinho + bons amigos!!


Coisa de pele
Jorge Aragão

Podemos sorrir, nada mais nos impede
Não dá pra fugir dessa coisa de pele
Sentida por nós, desatando os nós
Sabemos agora, nem tudo que é bom vem de fora


É a nossa canção pelas ruas e bares
Nos traz a razão, relembrando Palmares
Foi bom insistir, compor e ouvir
Resiste quem pode à força dos nossos pagodes

E o samba se faz, prisioneiro pacato dos nossos tantãs
E um banjo liberta da garganta do povo as suas emoções
Alimentando muito mais a cabeça de um compositor
Eterno reduto de paz, nascente das várias feições do amor

Arte popular do nosso chão...
é o povo que produz o show e assina a direção
Arte popular do nosso chão...
é o povo que produz o show e assina a direção

segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

A vingança do baiano

Em 1994, fiz com Miss Lilly, a pedido da agência DPZ, o livro São Paulo de Bar em Bar. Visitamos uma centena - um deles, o bar Ca­bral, nos elegantes Jardins. O dono, quando Miss Lilly perguntou sobre a clientela, rela­cionou alguns figurões e arrematou: "Uma coisa eu digo: baiano aqui não entra." Disse com aquele nojo que certos magnatas das classes dominantes devotam ao povo. Mas por que me lembrei disso? Ah, sim. Em outu­bro, numa esquina paulistana, um "correria" apontou revólver para o apresentador de tevê Luciano Huck e fugiu na moto levando-lhe o Rolex que, segundo as notas que li, vale uns cinco barracas na favela.

Huck escreveu na Fo­lhona artigo que causou rebuliço, ao desabafar e cobrar ações das autoridades. Muitos o apoia­ram, e muitos fizeram troça, como dizer que Huck precisou ser assaltado para descobrir a desigualdade que grassa.

Na seqüência, a Folhona publicou artigo justo do escritor do Capão Redondo, o colega de hospíoio Ferréz, que resumiu: o correria levou o Rolex que vale várias casas no peda­ço em que ele mora, e Huck ficou com o bem maior, a vida - ou seja, concluiu Ferréz, todos saíram ganhando.

Mas o que tem o bar Cabral a ver com a história? O dono dele era Luciano Huck. Ima­gino então que algum baiano soube da histó­ria que narrei e veio cobrar um Rolex por "da­nos morais".

Mylton SeverianoPublicado originalmente na Revista Caros Amigos (ano XI número 128 novembro 2007, p.11)

quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

Isso existe no Brasil?

Fazendeiros e políticos de Juína (MT) impedem visita de ativistas do Greenpeace, da OPAN (Operação Amazônia Nativa) e de jornalistas europeus à Terra Indígena Enawene Nawe. O ocorrido foi no dia 20 de agosto deste ano, há menos de três meses. Absurdo pouco é bobagem.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

Para ver se o Faveleiro desencanta...

Lembrete:

OMBUDSMANDOCAPETA

poesias devaneios desvarios


PATATIVA DO ASSARÉ


Aos Poetas Clássicos



Poetas niversitário,
Poetas de Cademia,
De rico vocabularo
Cheio de mitologia;
Se a gente canta o que pensa,
Eu quero pedir licença,
Pois mesmo sem português
Neste livrinho apresento
O prazê e o sofrimento
De um poeta camponês.

Eu nasci aqui no mato,
Vivi sempre a trabaiá,
Neste meu pobre recato,
Eu não pude estudá.
No verdô de minha idade,
Só tive a felicidade
De dá um pequeno insaio
In dois livro do iscritô,
O famoso professô
Filisberto de Carvaio.

No premêro livro havia
Belas figuras na capa,
E no começo se lia:
A pá — O dedo do Papa,
Papa, pia, dedo, dado,
Pua, o pote de melado,
Dá-me o dado, a fera é má
E tantas coisa bonita,
Qui o meu coração parpita
Quando eu pego a rescordá.

Foi os livro de valô
Mais maió que vi no mundo,
Apenas daquele autô
Li o premêro e o segundo;
Mas, porém, esta leitura,
Me tirô da treva escura,
Mostrando o caminho certo,
Bastante me protegeu;
Eu juro que Jesus deu
Sarvação a Filisberto.

Depois que os dois livro eu li,
Fiquei me sintindo bem,
E ôtras coisinha aprendi
Sem tê lição de ninguém.
Na minha pobre linguage,
A minha lira servage
Canto o que minha arma sente
E o meu coração incerra,
As coisa de minha terra
E a vida de minha gente.

Poeta niversitaro,
Poeta de cademia,
De rico vocabularo
Cheio de mitologia,
Tarvez este meu livrinho
Não vá recebê carinho,
Nem lugio e nem istima,
Mas garanto sê fié
E não istruí papé
Com poesia sem rima.

Cheio de rima e sintindo
Quero iscrevê meu volume,
Pra não ficá parecido
Com a fulô sem perfume;
A poesia sem rima,
Bastante me disanima
E alegria não me dá;
Não tem sabô a leitura,
Parece uma noite iscura
Sem istrela e sem luá.

Se um dotô me perguntá
Se o verso sem rima presta,
Calado eu não vou ficá,
A minha resposta é esta:
— Sem a rima, a poesia
Perde arguma simpatia
E uma parte do primô;
Não merece munta parma,
É como o corpo sem arma
E o coração sem amô.

Meu caro amigo poeta,
Qui faz poesia branca,
Não me chame de pateta
Por esta opinião franca.
Nasci entre a natureza,
Sempre adorando as beleza
Das obra do Criadô,
Uvindo o vento na serva
E vendo no campo a reva
Pintadinha de fulô.

Sou um caboco rocêro,
Sem letra e sem istrução;
O meu verso tem o chêro
Da poêra do sertão;
Vivo nesta solidade
Bem destante da cidade
Onde a ciença guverna.
Tudo meu é naturá,
Não sou capaz de gostá
Da poesia moderna.

Dêste jeito Deus me quis
E assim eu me sinto bem;
Me considero feliz
Sem nunca invejá quem tem
Profundo conhecimento.
Ou ligêro como o vento
Ou divagá como a lêsma,
Tudo sofre a mesma prova,
Vai batê na fria cova;
Esta vida é sempre a mesma.

quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Drogas: Diga Não!

Hoje, conversando com bodvéi, ele disse estar pensando seriamente em cancelar a assinatura do jornal O Globo. Num blog vizinho e amigo do Ombudsman, o Blog do VQ, tá lá esse texto, postado por Samir Resende. Acho que vem a calhar, e quem sabe, ajudar o amigo Bodão na sua decisão.

Por Samir Resende
Nesta semana tomei uma decisão muito importante na minha vida: resolvi abandonar as drogas. Liguei pro serviço de atendimento e cancelei a minha assinatura do jornal O Globo.

Foi uma decisão muito difícil, tenho que confessar que me habituei acordar pela manhã e ter aquele panfleto debaixo da minha porta. Mas, o que me levou a tomar tal decisão foi, além do entorpecimento diário por informações tendenciosas, o tratamento que o jornal anda dando ao processo de Reformas Constitucionais que acontece nas vizinhas Bolívia e Venezuela.

É muito escroto um país que tendo uma potencialidade imensa como o nosso ainda não tenha resolvido 10% dos seus problemas; onde os poderosos não vão presos; onde a desigualdade mata milhares de pessoas, onde a corrupção graceja; onde as diferenças são estigmatizadas; onde o leite é adulterado e onde as meninas são presas e estupradas... Mas, mais escroto ainda é querer dar palpite na vida do vizinho quando nosso quintal tá todo emporcalhado.

E é isso que a inteligentzia nacional faz: arrota indignação contra as reformas que aqueles índios lá dos Andes querem fazer nas suas vidas. E o estandarte-mor desta ignomínia é a grande imprensa brasileira – personificação histriônica da imbecibilidade nacional.

Darcy Ribeiro, na sua grande obra, nos presenteia com uma concepção de Povo Brasileiro que há muito me fascina. Fruto de uma simbiose entre o ameríndio nativo, o europeu ibérico e os africanos escravos, nossa ontologia ficou marcada por uma saudável mistura e à nossa gente estaria reservado um virtuoso e destacado papel ao romper da modernidade.

Acontece que a grande mídia, a comunicação hegemônica, está destruindo esta visão idílica que Darcy nos deixou de herança. Parece que o consumo contínuo das informações manipuladas entupiu as nossas idéias, como um THC ideológico que se aloja no cérebro e nos torna subservientes e abobados. Taí a “produção cultural” da Rede Globo que não nos deixa mentir; parece que a única “cultura” que temos, nos 8,5 milhões de km2 de Brasil é aquela que se desenrola na zona sul carioca

Deixemos a Venezuela em paz! Deixemos o índio Morales numa boa! Os caras tão tentando mudar uma história de 500 anos de dominação e opressão, com instituições viciadas e massacrantes. E, em nenhum momento a sua população está de fora do processo; pelo contrário, todas as modificações constituintes passarão por referendos e plebiscitos.

Quero ver as Organizações Globos e outros jornalões fazerem a mea culpa sobre o atraso histórico que legaram ao ethos nacional. Quero ver a mídia ir além de apontar as nossas cagadas, mas sim denunciar o motivo da nossa dor de barriga. Apontar o que tá errado é fácil, o difícil é denunciar a razão. E uma coisa eu tenho certeza: a culpa é do sistema que escolhemos! Então, se outro mundo é possível, deixe o coronel perguntar ao seu povo se é isto que eles querem, catzo! E viva Bolívar!

segunda-feira, 26 de novembro de 2007

TV Pública

A galera do Planalto divulgou os nomes daqueles que irão compor o Conselho Curador da TV Pública. Eis os nomes:

Ângela Gutierrez - empresária e empreendedora cultural
Cláudio Lembo - ex-governador de São Paulo, advogado e professor universitário
Delfim Netto - ex-ministro, ex-secretário estadual de São Paulo, ex-deputado e economista
Irma Vieira - diretora do Museu Paraense Emílio Goeldi (PA)
Isaac Pinhanta - professor indígena da tribo dos Ashaninka (AC)
José Bonifácio de Oliveira Sobrinho (Boni) - empresário, ex-diretor da TV Globo e atualmente é consultor desta empresa
José Martins - engenheiro mecânico e empresário
José Paulo Cavalcanti Filho - ex-secretário-executivo do Ministério da Justiça e ex-presidente da Empresa Brasileira de Notícias
Lúcia Willadino Braga - diretora da Rede Sarah de Hospitais
Luiz Edson Fachin - especialista em Direito de Família
Luiz Gonzaga Belluzo - ex-chefe da Secretaria Especial de Assuntos Econômicos do Ministério da Fazenda e ex-secretário estadual de São Paulo
Maria da Penha Maia - que teve o nome divulgado em todo país na Lei Maria da Penha que aumenta o rigor das punições contra agressões às mulheres
MV Bill - cantor de rap e autor de livros e documentários
Rosa Magalhães - carnavalesca e artista plástica
Wanderley Guilherme dos Santos - pró-reitor de Análise e Prospectiva da Universidade Cândido Mendes


Olha tem uns que eu nem conheço e já não gosto. Dos que conheço, só salva o Wanderley Guilherme dos Santos.

O presidente e suas trapalhadas no campo da comunicação...ai ai ai!

sábado, 24 de novembro de 2007

NÓS

Nos dias correntes, cada vez mais, vemos o acirramento de conflitos, senão deflagrados, potencializados a partir de posições e classes sociais. De um lado, um processo gritante de criminalização da pobreza e propagação de preconceitos e discriminações para com as favelas, periferias e seus moradores. De outro, a condenação das classes média e alta como principais incentivadoras dessas ações e declarações públicas.

Bem, longe de mim querer negar essa, digamos, oposição que modela o capitalismo enquanto gerador de opressão e desigualdade. No entanto, existem certas particularidades e nuances equivocadas nesses discursos. E mais que equivocadas, injustas e contraproducentes.

Encontros fortuitos

Neste final de semana super prolongado, quando começamos homenageando a República e terminamos celebrando Zumbi e a Consciência Negra, um encontro fortuito foi quem deu origem a essa divagação.

Na casa de veraneio de minha família, estávamos eu, morador da Glória, criado em Icaraí, bairro da zona sul de Niterói, e dois amigos, Fábio, ex-morador da Maré, atualmente residindo no Irajá, e Rodrigo, nascido e criado na Rocinha.

Altas horas da madrugada, já um tanto embriagados de cerveja, música e do clima da roça, nos demos conta que, apesar de nossas origens e implicações heterogêneas, compartilhávamos de diversas opiniões e pontos de vista acerca das questões políticas e sociais contemporâneas. Mais do que isso, nos percebemos num mesmo barco, lutando, em nossas carreiras e estudos, por um mesmo ideal de uma sociedade mais justa e igualitária.

Sem dúvida, as razões que me levaram a ascender a tal posição são diferentes das deles. Do mesmo modo, embora possamos apontar mais semelhanças em suas histórias de vida, as vicissitudes e experiências que os moldaram e construíram são distintas.

Não obstante, na proliferação de encontros fortuitos como esse é que nos reconhecemos juntos no mesmo pedaço do caminho.

Mãos dadas

Assim como esse momento retratado na digressão acima, não podemos generalizar e simplificar o problema da desigualdade tratando-o, univocamente, como uma questão de classe, correndo o risco de perdermos aliados importantes. Acredito, antes, que o diálogo e a incorporação de implicações distintas e contribuições variadas dos diversos setores da sociedade fortalecem as reivindicações e ampliam o poder de alcance dos argumentos.

Ao contrário, quem tem a ganhar, maquiavelicamente, com o recrudescimento de posições antagônicas e a divisão dos que se opõem ao quadro atual são, justamente, seus defensores. Além disso, uma postura reativa que dá o troco e responde com a mesma moeda, afastando possíveis aliados por conta de preconceitos invertidos, ao invés de combater a lógica da discriminação e da hierarquização da vida humana, a reforça e legitima.

Como já dizia o saudoso poeta de Itabira, Carlos Drummond de Andrade:
“O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.”


(...) ou senão, quando no futuro olharmos para trás, podemos acabar lamentando o tempo perdido e recorrendo a outros versos.


Rodrigo Nascimento, Núcleo de Violência e Direitos Humanos do Observatório de Favelas

http://www.observatoriodefavelas.org.br/observatorio/index2.asp

Manifesto Hip Hop

O manifesto a seguir, assinado por: Coletivo de Hip Hop Lutarmada, Rede de Comunidades e Movimentos contra a Violência, FLP, MST, MNLM e Marcha Mundial das Mulheres. Será panfletado em diversas atividades do festival Hutuz, que está acontecendo no Rio:
22/11 - Canecão e Fundição Progresso (encontro na Fundição às 19h)
24/11 - às 22h no Circo Voador (neste dia haverá show de MV Bill)
25/11 - às 22h no Circo Voador (neste dia haverá show da Facção Central)
Ainda no dia 25/11 haverá o "Hip Hop Santa Marta" a partir das 14h, na
favela em Botafogo, e panfletagem do manifesto. Tentaremos ainda garantir panfletos para o Batendo de Frente nos dias 1 (grafitagem na Av. Presidente Vargas, altura do sambódromo, a partir das 13h) e 2/12 (Av. Paris, 649 - Bonsucesso, passarela 7 da Av. Brasil).
O Lutarmada pede o engajamento militante nas panfletagens.

Falcões ou tubarões :
Quem são os meninos do tráfico?

Você deve saber que a coca e a maconha são plantadas bem longe das favelas.
Depois elas passam por um processo químico em laboratórios que não ficam
dentro de nenhuma favela. Depois desse refino, a coca, já transformada em pó de cocaína, atravessa as fronteiras e entra no país, para, a partir daí, da
mesma forma que a maconha, serem transportadas por rodovias federais e
estaduais, ou pelo mar. Só depois de todas essas etapas é que a droga é
embalada e vendida no varejo nas favelas.
Se em todo o processo, da produção ao consumo, a menor parte fica com a
favela, por que será que combate ao tráfico na nossa sociedade é sinônimo de operações policiais em favelas?
Por dois motivos:
1) enquanto a sociedade acreditar que prendendo ou matando um favelado está se tirando de circulação um traficante, alguns senadores, deputados, prefeitos, secretários estaduais e municipais, ministros e empresários, que são os verdadeiros responsáveis pelo tráfico e beneficiários do grosso do rendimento desse comércio ilícito, continuarão livres e intocáveis em seus cargos e mansões.
2) atribuir à favela a responsabilidade pelo narcotráfico, serve para justificar a violência com a qual o Estado, através da sua policia, age nessas comunidades.
Por isso, o discurso de que traficante é favelado, tem que ser combatido,
principalmente por quem é morador e moradora de lá.
Mas, ao contrário disso. MV Bill e Celso Athaide produziram um filme que muito bem serviu para legitimar esse discurso perverso. Com o título "Falcão. Meninos do tráfico" o documentário esconde o perfil dos verdadeiros traficantes, que vivem em luxuosas mansões e coberturas, e expõem aqueles que estão na ponta do processo vendendo a droga e portando as armas que, também não são fabricadas nas favelas.
Quando o governador fascista do Rio de Janeiro, Sergio Cabral, diz que mulheres faveladas são fábricas de marginais, entendemos que essa mensagem veio preparar o terreno para a ampliação do foco da sua política de extermínio, que até agora, mínima e relativamente, preservou essa parcela da população, que são as mulheres moradoras de comunidades pobres.
Foi quando a declaração do governador estava no auge da sua repercussão, que a imprensa começou a divulgar o novo documentário da dupla Celso/Bill. Pelo nome do novo projeto, "Falcão. Mulheres e o tráfico" pode-se esperar algo parecido com o documentário que o antecedeu.
O filme, combinado com a declaração do governador, prometem ser um ótimo argumento para legitimar a política de extermínio contra a mulher favelada, anunciada nas entrelinhas das ações e declarações de Sergio Cabral.
Entendemos que um documentário que se proponha a fazer revelações sobre o submundo do narcotráfico, deva sair das favelas e passar pelos gabinetes do legislativo, executivo e judiciário, pelas mansões e coberturas da Barra, Alfaville, e outros bairros nobres do país.
Entendemos que fábrica de marginais são as políticas de educação, habitação, saúde, trabalho, infra-estrutura, segurança, etc. do Estado - que no filme "Falcão" é isentado pelo MV Bill, de qualquer responsabilidade sobre a violência.
Essa é apenas uma peça de um enorme quebra-cabeça, que é esse processo já bem avançado de criminalização da pobreza - organizada, ou não - no campo e na cidade. Precisamos estar unidos e organizados. Só assim poderemos enfrentar essa ofensiva da classe dominante que, infelizmente, tem muitos de nós entre seus aliados.

quarta-feira, 21 de novembro de 2007

Tempos difíceis...

Tempos difíceis, minha gente. Mas, "logo mais a gente goza"...


calma calma
logo mais a gente goza
perto do osso
a carne é mais gostosa





moinho de versos
movido a vento
em noites de boemia
vai vir o dia

quando tudo que eu diga
seja poesia


Leminski



quinta-feira, 15 de novembro de 2007

Capitão Nascimento de São Paulo

Quinta-feira à noite. Cidade de São Paulo, boate Vegas, rua Augusta. O distrito policial é o 4º, localizado na Marquês de Paranaguá. Já localizados, vamos ao assunto. Uma mulher, roubada dentro da boate, pede ajuda à segurança, depois a um policial, é agredida pelo policial, vai à delegacia, não é atendida, na saída é agredida por um grupo de policiais. Um deles se autoproclama “Capitão Nascimento”. Abaixo o email detalhando os fatos.

"
Um encontro com o Capitão Nascimento na vida real
1 - Uma breve história de terror
2 - Alguns comentários sobre Tropa de Elite após meu encontro com o Capitão Nascimento
3 – Um bom conselho

1 – A história
Na semana passada, fui numa festa na rua Augusta, na região central. Quando eu estava me preparando para ir embora um sujeito simplesmente roubou meu celular da minha mão. Com uma rapidez incrível.

Com a mesma agilidade fui atrás do segurança da casa, contei o que tinha acontecido e pedi para ele fazer alguma coisa. Naquele momento não seria difícil achar o cara que roubou o celular. A casa já estava relativamente vazia e eu indiquei o lugar que ele estava.

Resumindo: o segurança não fez nada e todos (funcionários da casa) acharam melhor que eu saísse rapidamente, mesmo sem pagar. Não porque eu tinha sido roubada e eles estavam sendo generosos. Mas sim porque não queriam tumulto. (um pequeno detalhe importante: na entrada todos foram revistados – portanto, não seria nada estranho, naquele ambiente, revistar um suspeito).

Assim que eu saio, vejo um casal (que fica na porta da casa recebendo o público) e um policial.
Primeira cena de terror. Obviamente me dirigi ao policial relatando o que tinha acabado de acontecer (o roubo) e pedindo para ele me ajudar. Ele não se mexeu. Quando, então, eu perguntei se ele não ia fazer nada. Ele fez. Deu um soco na minha cara. Isso mesmo, um soco na cara de uma mulher, em plena rua Augusta, na frente de várias pessoas (testemunhas). Fiquei tão perplexa que nem senti dor. Só percebi a força do soco, no dia seguinte, quando vi a marca da mão do policial na forma de uma macha roxa estampada no meu rosto.

Perguntei: você percebe o que você fez? Ele percebeu, sim. Porque deu outro murro na minha cara. Com a mesma violência.

Imediatamente atravessei a rua e entrei num táxi. Quando eu pedi para ele me levar para a Delegacia, ele falou que não podia ir, ia complicar para ele. Pedi, então, que ele me deixasse numa rua próxima da Delegacia.

Chegando na delegacia falei para o sujeito de plantão que queria fazer duas queixas: o roubo do celular e o soco do policial.

Ele me mandou esperar alertando que o delegado não tinha hora para chegar. Mas sugeriu que, se eu estava tão indignada, deveria ir a corregedoria. Resolvi ir. Ele não me deu o endereço, mas apenas algumas indicações, do tipo: pega esquerda, direita etc etc, tudo bem confuso.

Segunda cena de terror. Quando chego na rua, em frente a delegacia, encontro um grupo de policiais. Todos jovens, com a roupa engomada, cabelo curto, bem cortado (parecia um grupo de réplicas do personagem do Wagner Moura). Um deles se aproximou de mim e falou: ninguém vai denunciar um colega meu. Armou um sorriso idêntico ao do personagem do Wagner Moura, no filme Tropa de Elite. Estufou o peito e falou: “Meu nome é capitão Nascimento”. Ao mesmo tempo, apontou um spray de gás de pimenta e acionou na minha cara. Simples assim. Para alegria geral das réplicas do personagem do Wagner Moura. Todos acharam muito divertido. E riram muito!

Antes de partir para a segunda parte desse e-mail, alguns comentários:

1 – a sensação é terrível. Arde muito e por muito tempo.

2 – como o plantonista me alertou, se um dia acontecer com você, não faça nada e muito menos coloque água. Cada vez que você pisca, a dor piora. Arde ainda mais. No dia seguinte, seus olhos se transformam em duas bolas enormes.

3 – o plantonista, como um típico representante da polícia do século XX, teve como maior preocupação descobrir, sem qualquer sutileza, onde eu morava, se eu tinha parentes importantes; enfim, que tipo de poder eu tinha. Preocupação inútil. Esse tipo de “proteção” não tem valor nenhum, atualmente.

4 – antes que alguém faça uma crítica, gostaria de falar que eu nunca concordei com essa polícia que só funcionava para quem tinha influência. Faço parte da população, que acredita que a polícia deve respeitar todo mundo e não deve agir com violência com absolutamente ninguém.

2 - Alguns comentários sobre Tropa Elite após meu encontro com o Capitão Nascimento
Quando eu assisti Tropa de Elite fiquei fã do filme. Entendi que se tratava de uma crítica a uma situação de violência e tudo o mais.

Mas depois dessa experiência acho que o filme detonou uma situação terrível.

Agora, a polícia sente uma aprovação por agir com violência. Os policiais se identificam com o capitão Nascimento e se sentem heróis por serem assim. A expressão de prazer e poder do capitão Nascimento que eu conheci, pessoalmente, nunca vai sair da minha cabeça.

Certamente, antes do filme nenhum policial daria um murro na cara de uma mulher no meio da rua, com várias testemunhas ao lado. E muito menos jogaria um spray de pimenta na cara.
Esse tipo de atitude era reservada para os moradores da periferia. Era uma coisa vergonhosa, que deveria acontecer longe, escondida.

A sensação geral era de desaprovação. Ou seja, era péssimo ter uma polícia que desrespeitava quem não tinha um pequeno poder para se defender. Hoje, eu preferia mil vezes ser uma gringa assistindo Tropa de Elite.

Ver o filme, por que eu gostei, mas sem ter que viver na pele as suas conseqüências. Que obviamente não são culpa do diretor. Que pretendia justamente o contrário. Que fosse uma crítica que alertasse sobre o absurdo dessa violência. O filme funcionou como uma espécie de catarse, que liberou a violência. Portanto, cuidado. Você pode ser a próxima vítima. Hoje, quem manda na cidade é o capitão Nascimento.

3 – Um bom conselho
Se um dia você estiver andando pela região central e encontrar um senhor com cerca de 60 anos, um metro e cinqüenta de altura e uma dignidade típica dos vendedores da revista Oca (ex-pessoas de rua, que, agora, com essa revista, estão readquirindo a dignidade) cumprimente-o, ofereça uma carona, um jantar, o que for.

Esse homem, que surgiu do nada, ficou cerca de 2 horas ao meu lado, me apoiando, me ouvindo, conversando e cuidando de mim.

Esteja certo que se você precisar – e parece que nesses tempos atuais, não será nada impossível que você precise – ele ficará do seu lado. O tempo que você precisar.Gostaria muito de reencontrar esse homem.

Naquela hora ele foi tudo para mim. Imagine só a minha situação. Para quem eu ia telefonar? Pros meus pais? E falar: acabei de levar um murro de um policial? Eles ficariam arrasados e iriam imediatamente para a delegacia. E nesses tempos de Capitão Nascimento, não duvido nada que meus pais também levassem um murro na cara. Ou um jato de spray de pimenta nos olhos.
"

quarta-feira, 14 de novembro de 2007

Hino do Flamengo (versão em inglês)

http://www.youtube.com/watch?v=7irfMS2L_Q8

Veja, Che e Polêmica

Recentemente agora (se é recente, é por agora, oras), rola pela internet, em blogs de jornalistas, uma polêmica que envolve nossa querida (?) Veja, revista semanal de maior tiragem no Brasil. Diogo Schelp, jornalista da revista, escreve uma matéria sobre Che Guevara, e se baseia bastante em um livro de Jon Lee Anderson, repórter da revista New Yorker e autor do livro “Che Guevara, uma Biografia”.

O repórter estadunidense diz que respondeu foi procurado para uma entrevista durante a apuração, feita por email pelo repórter brasileiro. O brasileiro diz que não recebeu, que deve ter sido encaminhada como spam por seu email (do jornalista da Veja). Mas na sua carta resposta à Jon Lee, disse que o mesmo tem o telefone dele (o que me faz crer que ele tambémtem o telefone do jornalista dos Estados Unidos, o que me parece ser, no mínimo, apuração mal feita). O livro de Jon Lee é citado na matéria da Veja como “a mais completa biografia de Che”. Abaixo reproduzo a carta, após a veiculação da matéria, de Jon Lee Anderson (enviada para a revista Veja e para alguns jornalistas brasileiros, no dia 23 de outubro), e abaixo a réplica do Diogo Schelp. Os emails foram veiculados no blog de Pedro Dória (de Jon Lee, no dia 12/11)) e de Reinaldo Azevedo (resposta de Diogo Schelp, no dia 14/11).

Carta de Jon Lee Anderson

Caro Diogo,

Fiquei intrigado quando você não me procurou após eu responder seu email. Aí me passaram sua reportagem em Veja, que foi a mais parcial análise de uma figura política contemporânea que li em muito tempo. Foi justamente este tipo de reportagem hiper editorializada, ou uma hagiografia ou – como é o seu caso – uma demonização, que me fizeram escrever a biografia de Che. Tentei pôr pele e osso na figura super-mitificada de Che para compreender que tipo de pessoa ele foi. O que você escreveu foi um texto opinativo camuflado de jornalismo imparcial, coisa que evidentemente não é. Jornalismo honesto, pelos meus critérios, envolve fontes variadas e perspectivas múltiplas, uma tentativa de compreender a pessoa sobre quem se escreve no contexto em que viveu com o objetivo de educar seus leitores com ao menos um esforço de objetividade. O que você fez com Che é o equivalente a escrever sobre George W. Bush utilizando apenas o que lhe disseram Hugo Chávez e Mahmoud Ahmadinejad para sustentar seu ponto de vista. No fim das contas, estou feliz que você não tenha me entrevistado. Eu teria falado em boa fé imaginando, equivocadamente, que você se tratava de um jornalista sério, um companheiro de profissão honesto. Ao presumir isto, eu estaria errado. Esteja à vontade para publicar esta carta em Veja, se for seu desejo.

Cordialmente,
Jon Lee Anderson.

Resposta de Schelp

Caro Anderson,

Eu fiquei me perguntando, depois de lhe enviar um e-mail pedindo (educadamente) uma entrevista, por que nunca recebi uma resposta sua. Agora sei que a mensagem deve ter-se perdido devido a algum programa antispam ou por qualquer outra questão tecnológica. Também não recebi sua “carta” – talvez pelo mesmo problema. Tudo isso não tem a menor importância agora porque você resolveu o assunto valendo-se dos meios mais baixos – um e-mail circular. O que lhe fez pensar que tinha o direito de tornar pública nossa correspondência, incluindo a mensagem em que eu (educadamente) pedia uma entrevista? Isso, caro Anderson, é antiético. Vindo de alguém que se diz um jornalista, é surpreendente. Você pode não gostar da reportagem que escrevi; ela pode ser boa ou ruim, bem-escrita ou não, editorializada ou não – mas não foi feita com os métodos antiéticos que você usa. Eu respeito a relação entre jornalistas e fontes. Você não. E mais: parece-me agora que você é daquele tipo de jornalista que tem medo de fazer uma ligação telefônica (assim são os maus jornalistas), já que tem meu cartão de visita e conhece meu número de telefone. Se você tinha algo a dizer sobre a reportagem — e já que sua mensagem não estava chegando a seu destino — poderia ter me ligado.

Eu não sei que tipo de imagem de si mesmo você quer criar (ou proteger) negando os fatos que o seu próprio livro mostra, mas está claro agora que é a de alguém sem ética. Você pode ficar certo de que não aparecerá mais nas páginas desta revista.

Sem mais,

Diogo Schelp

Veja a matéria da Veja
http://veja.abril.com.br/031007/p_082.shtml

terça-feira, 13 de novembro de 2007

respondendo meiazero

não é de hoje que a preguiça
é pra amanhã

e tem tempo que já nem faz tanto
tempo assim...

É hora!

É hoje!

Agora!




peço outra

encho copo

reviro bolso

acendo cigarro






... aguardo...





é tanto trabalho que nunca acaba
e eu ainda agradeço

é tanto esforço por nada
que eu mereço

altos...


licença...






... aguardo...



e enquanto aguardo

escapo

mexo

remexo

deito

os olhos num pé de vento

e do nada

invento


versos

- que nada são além de um jeito
de passar o tempo desfrutando
a minha mais profunda e perfeita

inutilidade...

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

IV (Temporal)

tudo o que de mim encontro acesso
vejo vir e vivo pelo avesso
com a contradição dos tantos versos
fecundando verbos e adereços

na pressão tão turva e incontida
desse ser que em mim somente some
quero ritmar numa batida
tudo o que me cria e me consome

eu bem sei não ser tão execrável
e quando posto em praça pública não me espanto
porquanto ouço o canto comovido e instauro
o surto onde me embalo e onde me encanto

não posso me dizer nem tão sortudo
e nem mesmo sou assim tão azarado
confundo tudo e dublo o absurdo
com a voz altissonante do meu brado

se a imagem cujo eu me vem do espelho
intenta persuadir-me pela entrega
eu jogo-a de volta pronde veio
e vivo a afirmação que em si me nega

e nessa revoada de delírios
contemplo isso que dentro em mim desperta
os versos desvairados onde insiro
os nomes da paixão que me liberta

sem mais então eu forjo a completude
para perdê-la sempre um passo a frente
trazendo seus efeitos e atitude
na luz da inspiração intermitente

ao longe alguém sempre me aplaude
e me solta mesmo quando alguém me prende
acorda o turbilhão de liberdade
neste homem que até a morte não aprende

persistindo na empreitada desmedida
tão cheia de tolice engano e afronta
está o preço que esta louca vida
cobra de mim por cada estrofe pronta

Rodrigo Bodão

quinta-feira, 8 de novembro de 2007

EEEEEIIIIIIIIIIIIIAAAAAAAAAAAAA

não é de hoje
que a preguiça é pra amanhã

e tem tempo que já nem faz tanto
tempo assim...

É hora!

É hoje!

Agora!




Peço outra

encho copo

reviro bolso

acendo cigarro









... aguardo...




Rudrig Bodado

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

Brasília, o horror e Nicholas Behr

Como só eu posto nessa joça, vamos lá...

Hoje pela manhã me embrulhava o estômago ao escrever sobre a Megaoperação no Complexo do Alemão em junho e sobre as recentes execuções na Favela da Coréia. Parei de escrivinhar por um instante e fui ler o "Prosa e Verso" (caderno literário do Globo), de sábado. A matéria principal era sobre o lançamento do livro de Nicholas Behr. Ele é um poeta que vive em Brasília e tem vários poemas que tratam da cidade, sua estética peculiar e sua sujeira intrínseca.

Conheci a obra de Behr por intermédio de uma amiga que tem muito bom gosto. Ela é de Brasília, também. Então, para as saudades (e as outras coisas) de Brasília e para a indignação do Alemão, Nicholas Behr:

O HORROR, O HORROR

como, depois de ler nos jornais a notícia
da morte do menino que foi torturado
com óleo quente para revelar o paradeiro
do pai, escrever um poema?

como se olhar no espelho?
como dividir com vocês todos
esse ar que respiramos?
como ficar indiferente e passar à próxima página?
como sair na rua e desejar bom-dia
aos que passam?
como continuar vivendo?



• • •



quem mandou fechar o gás?
será que você não viu
que ainda tô vivo?



Dá pra ler trechinhos do livro dele em: http://www.linguageral.com.br/site/downloads/titulos/56.pdf

sábado, 3 de novembro de 2007

Ah, eu já sabia!

Deu na Folha de São Paulo de ontem. Nenhuma novidade. Mas, vale divulgar.


Laudo aponta execução sumária no Alemão

Laudo independente da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, feito a pedido do próprio governo do Rio, aponta que, "com grau de certeza", houve "execução sumária e arbitrária" dentre as 19 mortes que ocorreram durante operação policial, em junho, no conjunto de favelas do Alemão, na Penha, zona norte do Rio.
Segundo o documento, em ao menos duas mortes, as de José da Silva Farias Júnior e Emerson Goulart, "foram encontradas evidências de morte por execução sumária e arbitrária". O governo do Rio contesta a avaliação.
A perícia independente indicou ainda que cinco dos mortos foram atingidos por tiros de curta distância e que, em 14, foram encontrados 25 tiros que os atingiram pelas costas.
O laudo concluiu ainda que seis dos mortos foram baleados no crânio e na face, e que os 19 mortos foram atingidos por pelo menos 70 tiros, sendo 75% em regiões mortais.
A análise pericial independente da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República foi enviada ontem ao governo do Rio.
No material estudado, os peritos afirmam ter achado "argumentos para embasar a afirmação de existência de execução sumária e arbitrária, quando analisados em conjunto".
De acordo com os técnicos contratados pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos, o grande número de orifícios de entrada na região posterior do corpo, os numerosos ferimentos em regiões letais e a elevada média de disparos por vítima embasam a conclusão.
Outros indicativos são proximidade de disparos, seqüência de disparos em rajada e armas diferentes utilizadas numa mesma vítima.
Ainda de acordo com os peritos, o material analisado aponta ausência de condutas destinadas à captura e ausência de indicadores de condutas defensivas por parte das vítimas.

Pergunto: a situação do Rio de Janeiro melhorou depois das 19 execuções no Alemão, em junho? O Estado já ocupou o Complexo? Se não, quando vai conseguir ocupar "na bala"?

quarta-feira, 24 de outubro de 2007

"Aborto para conter a violência". Aaahhh, tá difícil...

Não faltam mesmo motivos para indignação. Mais uma pérola desse desgoverno em relação à segurança pública.

Do site do G1:


O governador Sérgio Cabral Filho (PMDB), 44 anos, propõe a legalização do aborto como forma de conter a violência no Rio de Janeiro.

Em entrevista ao G1 na última segunda (22), ele se valeu das teses dos autores de "Freakonomics", livro dos norte-americanos Steven Levitt e Stephen J. Dubner, que estabelece relação entre a legalização do aborto e a redução da violência nos EUA.

"Tem tudo a ver com violência. Você pega o número de filhos por mãe na Lagoa Rodrigo de Freitas, Tijuca, Méier e Copacabana, é padrão sueco. Agora, pega na Rocinha. É padrão Zâmbia, Gabão. Isso é uma fábrica de produzir marginal", declarou.

Para o governador, os confrontos com criminosos nas favelas do Rio só vão terminar "quando a ordem pública puder chegar através de várias maneiras, dentre elas com o policial podendo andar fardado em qualquer lugar".

"Enquanto isso não for realidade, continuará havendo confronto. Isso gera morte", declarou Cabral, ao G1.

Putaqueopariu!!!

terça-feira, 23 de outubro de 2007

Complementando a Clê com sua (nossa!) indignação

Ia postar um comentário, mas como não sou o Bodão, que faz comentários maiores que uma postagem, lanço aqui direto no blog (e antes que perguntem: cadê tu Capilo?)

Escutei esse comentário do seu Beltrame hoje pela manhã, via rádio CBN. Como já dito, era uma preocupação do tal a “tática” dos traficantes de levar para favelas da Zona Sul do Rio os seus “arsenais”. Lá seriam mais complicadas as ações violentas da polícia, por estarem mais "visíveis".

Aí o apresentador, Sidney Resende, complementou (não necessariamente com essas palavras que a memória aqui num é das melhores): “Embora pareça um comentário preconceituoso, isso é um fato. Copacabana tem um índice de homicídios de uma cidade européia, cinco homicídios para cada 100 mil habitantes’ (e isso não poderia mudar, porque Copacabana é ponto turístico para estrangeiros, e também porque esse índice não pode aumentar). Aí continuou o apresentador: “Além de quê um tiro nesse bairro vai ter uma repercussão muito maior pela imprensa”. Porra, isso justifica alguma coisa?

Como você, cara Clê, infelizmente também já sabia dessa “divisão regional”. Já ano passado, num seminário sobre mídia e violência no CESeC (que inclusive lança um livro sobre o tema nessa segunda 29), um jornalista que participava, repórter do grande Jornal Nacional da nossa querida rede Globo, falou, tranquilamente: “Uma morte na Lagoa ou Leblon é notícia. Em bairros pobres não. Isso é notícia e acabou – morte na Baixada [Fluminense] é comum, é corriqueiro, não interessa. Essa é a nossa realidade”.

Está aí. O preconceito vem da classe dos jornalistas (ô raça!) e do Estado (sem comentários). O nosso amigo do JN ainda falou, à época, que o compromisso do jornalista e do jornalismo é com a sociedade. E essa era a justificativa de que uma morte em bairros nobres é mais incomum, e por isso tem-se que dar um destaque maior. Estávamos em época de morte por acidente de carro de jovens na Lagoa (devia ter um mês do acidente e ainda era comentado) e da morte de sete jovens numa favela (que agora não me recordo, principalmente porque pouco foi falado – e no JN, O Globo, nada comentado).

O compromisso desses jornalistas (não vamos generalizar...) é com a sociedade que compra jornais, desses camaradas que escrevem comentários em sites do tipo “bala neles”, “mora na favela tem mais é que morrer”, “é favelado é conivente com o tráfico”, e daí pra pior. A questão é como remodelar esse modelo de comunicação. A maior parte da sociedade não é representada pela nossa mídia tradicional, não tem valor nenhum prêsse povo.

Já no artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos (de 1948), lemos o seguinte: “Todo homem tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferências, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e idéias por quaisquer meios, independentemente de fronteiras”.

Em relação à comunicação e à liberdade de expressão em especial, esses direitos são cada vez menos assegurados. Isso porque existem diversas dificuldades para uma comunicação livre, que vai desde burocracia (como para abrir uma rádio comunitária) como por questões financeiras (para imprimir um veículo, financiar um sítio na internet, etc.), passando naturalmente pela questão política do poder.

E aí, qualé a alternativa? É preciso pensar em novas formas de comunicação, que não dependa dessa grande mídia, já viciada e com interesses muito bem definidos. É preciso uma nova comunicação, que venha de baixo para cima, e não uma comunicação impositiva como estamos desde sempre acostumados. É preciso também uma reflexão sobre os atuais meios de comunicação para a proposição de novas iniciativas que tenham o caráter de inovar e valorizar os espaços e os saberes populares, ou seja, veículos de comunicação que tenham como principal preocupação a vida das pessoas, os direitos humanos: para que a informação seja democratizada e não tratada como simples mercadoria.

Mas uma “transformação” desse porte necessita da participação da sociedade civil, a mesma que tece comentários absurdos por sites internet a fora. Mas essa minoria que sobressai, que se dizem o senso comum, como dito, são minorias. Uma hora a paciência acaba, a exploração e desrespeito chegam no limite. Aí podemos impulsionar um verdadeiro exercício de cidadania, com participação desses moradores hoje considerados inferiores. Pra isso, temos que pensar mesmo em ações, projetos, programas, sei lá o quê, que possibilitem o acesso de todos aos bens e mensagens, pelo direito de receber, interpretar e repassar informações com suas visões de mundo, com seus olhares, com seus conceitos, ou seja, a participação democrática (mesmo!) de todos os setores sociais na construção dessa nova sociedade.

Não podemos esquecer ainda do papel da educação, que deve ser redefinida, fazendo com que seja capaz de englobar a revolução informacional, utilizando-se da mídia e neotecnologias da comunicação no ensino. Este é mais um passo importante para se ter uma noção crítica da mídia e para a produção de veículos de comunicação democráticos – em jornais experimentais, programas de rádios nas escolas, blogs, sites, vídeos. Com esse novo “ativismo”, talvez seja possível uma nova participação política, ligada à formação de aparatos cooperativos críticos de produção de comunicação, e portanto de uma nova cidade, que seja mais humana e solidária.

INDIGNADA!

No mundo de hoje, eu diria que o que não falta é motivo pra indignação. Aqui, pertinho de você, irá sempre brotar uma indignação.

Ontem e hoje me surgiram duas. Profundas. Doloridas. Daquelas que faz dilatar a veia do pescoço, num misto de raiva e inquietação.

Da série "uma indignação pra chamar de sua":

1. Proibiram a venda de cerveja no Maracanã. Ou melhor, para aqueles que pagam para ir ao Maracanã. Pois, no camarote, o reduto dos globais e boçais, a cerveja é liberada e possivelmente, de graça. Exatamente, caro leitor. Povão não pode beber, senão faz confusão. As celebridades podem, afinal, são finas e educadas, bebem com moderação.

Eu não sabia disso, mas me contaram ontem - Bodão, inclusive ficou sedento para escrever sobre isso, já que ele não fez, externo minha indignação de forma mais grosseira. Depois de acabarem com a geral, de fecharem o anel superior do estádio para o curral vip, agora limaram a venda da loira gelada, do maravilhoso suco de cevada, do lúpulo que alimentava Noel Rosa, no Maraca. E vamo combinar, futebol sem cerveja, até os boçais do curralzinho, sabem que não dá. O cara que me contou, definiu de forma clara: "é o processo de elitização do Maracanã".

2. O Secretário de (In)Segurança Pública, disse hoje na segunda edição do RJTV que a polícia anda preocupada com a migração de traficantes pra Zona Sul da cidade, afinal "um tiro em Copacabana é uma coisa, um tiro na Coréia, no Alemão, é outra". Como diria um amigo meu, esparrou! O secretário deixou bem clara qual a lógica de atuação da polícia: na periferia entra matando, na Zona Sul, há que se ter cuidado. Não que eu não soubesse, mas assim, escancarado, é indignante. Depois, tentando consertar, o babaca disse que é porque em lugares como Copacabana, a polícia está mais perto da população. Não sei, então, o que significam os 100mil moradores do Complexo do Alemão para o secretário. Ou melhor, sei. Como bem disse a professora Adriana Facina, em ótimo artigo - leia aqui - sobre a operação na Coréia, são seres humanos supérfluos.


Maraca sem cerveja e o Estado assumindo que as ações da polícia são definidas pela origem social e pelas condições econômicas. Indignação pra dar e vender.

Dizia Ernesto Che Guevara: "Se você treme de indignação perante uma injustiça no mundo, então somos companheiros".

Senador Camará, Favela da Coréia, 18 de outubro de 2007

As imagens são chocantes. Dois jovens negros, descalços, sem camisa descem aos trancos e barrancos uma encosta enquanto são acompanhados por um rastro de balas disparadas por atiradores que os perseguem de helicóptero. Não oferecem perigo algum, pelo contrário, estão encurralados, observados do alto, sem chance de fuga. As imagens apontam para outro interesse da polícia além de prendê-los. Os atiradores disparam com a intenção de matá-los, o que conseguem por fim, segundo o narrador do telejornal.

A primeira impressão que ocorre é que as imagens dessa execução elucidariam a forma como se desenvolvem tais operações e incursões policiais, denunciando uma conduta excessiva e arbitrária desses atiradores. Esse flagrante inquestionável, imaginava-se inicialmente, mobilizaria críticas dos diversos setores da sociedade e poder público. No entanto, as coisas não transcorreram dessa forma.

Por incrível que pareça, as autoridades competentes passaram a apresentar argumentos para mais esta carnificina, que resultou em doze mortos, dentre eles um menino de quatro anos, atingido dentro de casa. As execuções foram justificadas por conta dos indivíduos haverem supostamente atirado contra o helicóptero.

Do nível estadual ao federal, houve a justificativa e a afirmação de que não haverá recuo e que a lógica do confronto será levada adiante, apesar do saldo de mortos, em um discurso entremeado de ironias.

Mas não, pensava-se ainda, a opinião pública certamente se posicionará de forma contrária a essa política de extermínio, reagindo à truculência e crueldade expostas por essas imagens. Porém, o que encontramos na maioria das cartas de leitores, dos editoriais e dos comentários veiculados pelos principais meios de comunicação são mensagens de apoio e congraçamento à forma como o governo está combatendo e reprimindo esses grupos criminosos.

Mais uma vez, essas mensagens são veiculadas junto a ataques às organizações da sociedade civil atuantes na defesa e promoção dos direitos humanos. Fica-se com a impressão de que esses cidadãos não têm noção do que estão defendendo ao preconizar a perpetuação desses métodos e dessa lógica do confronto e do extermínio.

Ainda que isso signifique, do lado da opinião pública, uma reação desesperada por parte de pessoas diariamente acuadas pelo grau de violência vivido na cidade, não é preciso ser especialista para saber que a constante violação dos direitos humanos e a exacerbação da cultura da morte e do genocídio têm como produto mais mortes, mais revolta, mais vidas perdidas.

No final do século passado, uma figura messiânica, com ares de profeta bíblico, perambulava pelas ruas da cidade, especialmente nos arredores da zona portuária e Leopoldina, escrevendo em muros e pilares de viadutos mensagens para um mundo melhor. Popularmente conhecido como o Profeta Gentileza, converteu sua loucura e mendicância em murais onde ainda se encontram dizeres como “violência gera violência, amor gera amor, gentileza gera gentileza”. Frases de conteúdo simplório, pueril, ingênuas de tão óbvias.

Entretanto, o quadro macabro vivido na cidade e a política do extermínio defendida ostensivamente por formadores de opinião, políticos e dirigentes governamentais somente demonstra o grau de insanidade que chegamos, a ponto de associarmos inteligência e eficácia policial com execuções sumárias, crianças baleadas e a violação do direito humano mais fundamental – a vida.

Rodrigo Bodão

quinta-feira, 18 de outubro de 2007

Tropa da Zelite

AHHHHHH!!! Não aguento mais.

Parece simpatia ou macumba. Tropa de Elite me persegue - e a todo morador da cidade do Rio de Janeiro, que vive em meio a uma guerra civil onde a polícia fuzila de helicóptero traficantes de bermudas e desarmados, ou seja, apenas o Capitão Rambo-Nascimento será capaz de nos salvar.

Minha indignação, que parece repentina mas não é, é motivada pela escolha do nome da minha turma de graduação, que se forma em breve. Isso mesmo. O nome será Tropa de Elite. Diante disso, eu bem sugeri o Capitão Nascimento como Patrono - pelo menos ele é baiano - mas, me informaram que ele matou a gêmea má e morreu.

Parem o mundo que eu preciso descer. Como bem disse Bodão, de tão mal, já não sabemos distinguir o que é uma tropa de elite (ô palavrinha maldita).

quinta-feira, 11 de outubro de 2007

Hay que endurecerse sin perder la ternura

Não sou saudosista. "Meu tempo é hoje", como diria Paulinho da Viola. Por isso não gosto da idéia de cultuar pessoas e práticas passadas. Acho que petrifica significados e descontextualiza os fatos. Mas, acho que a história deve servir pra ensinar, pra provocar reflexão e pra inspirar.

Che Guevara tem uma bela biografia. Foi um grande homem, em todos os sentidos. Por isso, acho que deve servir de inspiração e para reflexão. De tudo que li sobre ele nos últimos dias - resultado da polêmica levanta por "VEJA, mas não leia" - segue o que achei menos saudosista e mais interessante. Com a palavra, Emir Sader:


CHE

Há personagens com uma tal estatura histórica que, independente dos adjetivos e de todos os advérbios, ainda assim não conseguimos retratá-los em nada que possamos dizer ou escrever. O que falar de Marx, que permaneça à sua altura? O que escrever sobre Fidel?

Hegel dizia que existem personagens cuja biografia não ultrapassa o plano da vida privada, enquanto outros são os personagens cósmicos, estes cujas biografias coincidem com o olho do furacão da história.

O Che é um destes personagens cósmicos. Basta dizer que, independente de qualquer campanha publicitária, sua imagem transformou-se na mais vista do século XX e assim continua neste novo século. Nenhum esportista, artista ou músico, mesmo com bilionárias promoções pelo mundo globalizado afora, se mantém num lugar parecido. O Che veio para ficar.

Novas gerações, nascidas depois da morte do Che, continuam identificando-se com sua imagem, com seu sentimento de rebeldia, com sua coragem, com sua luta implacável contra toda injustiça.

Não vou gastar palavras inúteis para falar do Che. Basta reproduzir algumas das suas frases, que selecionei para o livro “Sem perder a ternura”.

“A única coisa em que acredito é que precisamos ter capacidade de destruir as opiniões contrárias, baseados em argumentos ou, senão, deixar que as opiniões se expressem. Opinião que precisamos destruir na porrada é opinião que leva vantagem sobre nós. Não é possível destruir as opiniões na porrada e é isso precisamente que mata todo o desenvolvimento da inteligência...”

“Nós, que, pelo império das circunstâncias, dirigimos a revolução, não somos donos da verdade, menos ainda de toda a sapiência do mundo. Temos que aprender todos os dias. O dia que deixarmos de aprender, que acreditarmos saber tudo, ou que tivermos perdido nossa capacidade de contato ou de intercâmbio com o povo e com a juventude, será o dia em que teremos deixado de ser revolucionários e, então, o melhor que vocês poderiam fazer seria jogar-nos fora...”

“Deixa-me dizer, com o risco de parecer ridículo, que o verdadeiro revolucionário é feito de grandes sentimentos de amor.”

“Nosso sacrifício é consciente. É a cota que temos de pagar pela liberdade que construímos.”

“Muitos dirão que sou aventureiro, e sou mesmo, só que de um tipo diferente, destes que entregam a própria pele para demonstrar suas verdades.”

“Sobretudo, sejam capazes de sentir, no mais profundo de vocês, qualquer injustiça contra qualquer ser humano, em qualquer parte do mundo.” (Carta de despedida aos filhos)

“É preciso endurecer, sem perder a ternura, jamais.”

“Que importam os perigos ou os sacrifícios de um homem ou de um povo, quando está em jogo o destino da humanidade.”

“É um dos momentos em que é preciso tomar grandes decisões: este tipo de luta nos dá a oportunidade de nos convertermos em revolucionários, o escalão mais alto da espécie humana, mas também nos permite graduar como homens.”

“Nós, socialistas, somos mais livres porque somos mais completos; somos mais completos porque somos mais livres.”

segunda-feira, 8 de outubro de 2007

Tropa de Elite?????

O filme “Tropa de Elite”, desde a distribuição e comercialização de cópias piratas até seu lançamento oficial, vem suscitando debates e polêmicas relacionados aos modos de atuação do Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar do Rio de Janeiro – Bope, e as políticas de segurança pública desenvolvidas no combate ao crime e, em especial, ao tráfico de drogas e de armas nas favelas e espaços populares da cidade.

Dessa forma, procurar-se-á abordar aqui a forma como essa obra expõe, evidencia, relaciona e apresenta os diversos atores sociais envolvidos na trama e no cotidiano real da cidade, buscando ampliar de forma qualificada esse debate.

Partindo do ponto de vista da personagem do Capitão Nascimento, construído pelo diretor a partir de entrevistas com policiais e oficiais do Bope, podemos perceber elementos que nos permitem deduzir uma visão largamente difundida nesse grupamento e na sociedade de modo geral.

Um primeiro objeto de análise diz respeito à forma caricatural como são retratados os movimentos sociais e as Ongs. No filme, a sociedade civil aparece como uma reunião de estudantes e voluntários deslumbrados que, por um lado, realizam trabalhos com crianças, distribuem camisinhas, dentre outras ações de caráter educativo e assistencial, e por outro, servem de cabo eleitoral de candidatos políticos e se aproveitam de sua proximidade com o tráfico de drogas para se transformarem, eles mesmos, numa espécie de filial junto a outros jovens universitários pertencentes à classe média e alta.

Muito pelo contrário, grande parte das organizações da sociedade civil se constituem, na atualidade, como um instrumento de diálogo e articulação entre o poder público, a iniciativa privada, organismos de cooperação internacional e as diversas instituições comunitárias para formulação, proposição, implementação, monitoramento e avaliação de projetos, programas e políticas públicas, exercendo o controle social para a efetivação dos princípios constitucionais democráticos.

No entanto, quando assistimos declarações afirmando que essa abordagem perniciosa do filme condiz com a realidade dos movimentos e organizações sociais, fica evidenciada nestes discursos uma tentativa de desqualificar as instituições e os trabalhos voltados para a defesa e promoção dos direitos humanos, deslegitimar o controle social exercido, e, dessa forma, desmoralizar a própria democracia.

Outro ponto, politicamente lamentável do filme é a forma como se demoniza o usuário de drogas, como o principal financiador e culpado do tráfico e dos crimes a ele vinculados. Enquanto o próprio governador já se posicionou publicamente a favor do debate e da revisão da legislação penal relacionada, quando especialistas de todo o mundo apontam a perversidade e inadequação do enfoque policial do uso de drogas, sendo antes uma questão diretamente implicada no âmbito da Saúde Pública, novamente vemos ressurgir essa categorização maniqueísta e superficial do problema.

De certa forma, o que fornece veracidade ao discurso apresentado pelo policial fictício é o processo de treinamento e formação pelo qual os componentes devem passar para se tornar um ‘caveira’. Treinamento este, apresentado em uma versão talvez até mais branda que a realidade, cujos motes centrais são a exacerbação da cultura militar e a celebração da morte, cantada nos exercícios e reafirmada nas cruzes fincadas a cada abandono dos chamados fracos, que desistem de se tornarem assassinos frios, cruéis e impiedosos em suas incursões e confrontos.

A passagem por esse treinamento, de certa forma, autoriza dizer que toda essa visão simplista, superficial, maniqueísta e beligerante, deriva dos pensamentos de um daqueles formandos. Ponto de vista calcado numa gama de preconceitos e posições preconcebidas, acerca dos estudantes, das universidades e, principalmente, dos moradores das favelas, que não têm voz nem espaço, são rendidos, afrontados, têm suas crianças sob a mira de pistolas e fuzis, suas casas invadidas, enfim, cidadãos que têm seus direitos desrespeitados. Cidadania esta, desconsiderada pela força policial que deveria protegê-la e resguardá-la.

Diante disso, o mais chocante em toda essa polêmica gerada pelo filme é a legitimação e a aceitação pública manifestada pelos espectadores diante do uso de métodos de tortura, humilhação, constrangimento de moradores vistos como suspeitos, truculência exagerada e a propagação da morte por entre as casas, ruas e becos das diversas favelas e espaços populares da cidade.

A seqüência de irregularidades, crimes e violações cometidas pelos oficiais do Bope, espancamentos, torturas, execuções sumárias, invasão de domicílios sem mandato de busca, dentre outros, e sua aprovação pública evidencia que, no Rio de Janeiro, estamos mal. Mal de polícia, estamos mal de segurança pública e, o que é pior, de tão mal, já distorcemos o entendimento do que pode ou não ser considerada uma tropa de elite.

quarta-feira, 3 de outubro de 2007


No dia 5 de outubro vencem as concessões de importantes emissoras de televisão do país, as cinco da Rede Globo - São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Recife e Brasília, as da Bandeirantes, Gazeta, Record e TV Cultura de São Paulo, entre outras. Para continuarem operando os canais que lhe foram outorgados pelo Estado, o governo federal precisaria autorizar e o Congresso Nacional sancionar essa renovação. Na prática, isso não acontece. Diferente de todos os outros setores, não há obrigações das concessionárias do serviço de radiodifusão. Em qualquer concessão pública há deveres estipulados em contrato. Mas na radiodifusão sequer podemos ter acesso aos contratos, apesar de serem “públicos”.

Globo Mente

Manifestação cultural contra a renovação automática das concessões públicas de rádio e tv

Dia 5 de outubro, sexta-feira, a partir de 17h

Ato público no Buraco do Lume (Centro do Rio de Janeiro, próximo ao Castelo, entre a Rio Branco e a 1º de Março). Exibição dos vídeos: a História da Rede Globo (inédito, com cenas do apresentador do SP/TV anunciando o comício das diretas como sendo uma festa pelo aniversário de SP e o Moreira Franco dando depoimento como vencedor da eleição que o Brizola ganhou. Imperdível!), Manual Rádio Livre, Hélio Costa e os japoneses contra Seleção Digital Brasileira. Música e debates ao vivo. Gravação de vídeo cabine, colocando o povo de protagonista. Participação de diversos movimentos sociais. Além de distribuição de materiais e jornais alternativos.

Programação da Semana Nacional pela Democratização da Comunicação do Rio [de 3 a 9 de outubro]

Dia 03 de outubro - quarta-feira

9h – Abertura da Semana Nacional pela Democratização da Comunicação no Rio com a realização de programa, ao vivo, na rádio comunitária do Morro do Estado, em Niterói, e gravação de vídeo cabine no morro.

13h - Vídeo cabine no Instituto de Artes e Comunicação Social da UFF (Rua Lara Vilela, 126, Ingá).

16:00 - Vídeo Cabine na praça Araribóia (em frente as Barcas de Niterói) com gravação de depoimentos, teatro e panfletagem.

19:00 – Exibição do filme Tapete Vermelho (comédia em que Quinzinho [Matheus Nachtergaele] tem uma promessa a cumprir: levar seu filho à cidade para assistir a um filme do Mazzaropi) seguido de debate com Adriana Facina (professora de História da UFF e Observatório da Indústria Cultural) e Movimento de Niterói para salvar o Cine Icaraí. Local: Teatro do DCE-UFF, Centro de Niterói, perto do Plaza.

Dia 04 de outubro - quinta-feira

14:00 - Realização de Programa da TV Comunitária de Niterói sobre a Semana Nacional pela Democratização da Comunicação, com exibição do material das vídeo cabines. Local: IACS – Rua Lara Vilela, 126, Ingá, Niterói.

17h: Debate UFF- Mestrado Ciência da Arte – Concessões e sua relação com a produção da teledraturgia – IACS 2 (rua Tiradentes, 148, Ingá, Niterói) – Heloísa Toledo Machado, Sergio Santeiro, Antonio Moreno, Octavio Bezerra, Noilton Nunes, Gustavo Gindre e Rafael Duarte.

20:00 – Exibição do programa Comunicação Popular na TV Universitária de Niterói com a participação de diversos movimentos sociais e entidades do movimento estudantil falando sobre a concentração da comunicação no país, os assuntos e lutas que a mídia comercial esconde e a formação do pensamento único. Local: Estúdio grande da Unitevê, IACS – Rua Lara Vilela, 126, Ingá, Niterói. Quem for participar do programa ao vivo (todos estão convidados!) chegar até 19:30h.

Dia 05 de outubro - sexta-feira

21:00 - Ato em Defesa da Transparência das Concessões de Rádio e Tv, no Sest-Senat de Barra Mansa

Dia 07 de outubro – domingo

12:00 - Panfletagem de jornais alternativos na Praia de Ipanema - Posto 9

Dia 08 de outubro - segunda-feira

12:00 - Panfletagem de jornais alternativos no Bandejão da UFF – Campus do Gragoatá, Niterói

17:00 – Panfletagem de jornais alternativos na Central do Brasil – em frente à saída do metrô

Dia 09 de outubro – terça-feira

14:00 - Debate sobre a contribuição das rádios comunitárias para o desenvolvimento social - projeto de pesquisa do curso de comunicação social da UFF, orientado pelo professor Adilson Cabral – Local: IACS – Rua Lara Vilela, 126, Ingá, Niterói.

19:00 – Reunião de articulação do movimento pela democratização da comunicação do estado do Rio. Democratizar a comunicação para transformar a sociedade! Local: Rua Joaquim Silva, 56, 9º andar, Lapa.

21:00 – Programa Especial de Encerramento da Semana de Democratização da Comunicação na TV Comunitária do Rio. Ao vivo! Local: Rua Joaquim Silva, 56, 9º andar, Lapa.

Mais informações sobre a Semana:
Rafa (9879-8076/rafa_doliveira@yahoo.com.br)
Claudia (9616-1447/claudiaverde@yahoo.com.br)

terça-feira, 2 de outubro de 2007

Cadê tu, homi??

Faveleiro, meu querido, você ainda é parte integrante deste coletivo!!! Se apresente!!!

segunda-feira, 1 de outubro de 2007

A pergunta que não quer calar

Minha vó tem uma mania engraçada. Quando algo a surpreende muito, ela, do fundo de sua alma baiana, diz assim: Oxe! Oxe! Oxe! Oxe! - muito rápido, emendando um oxe no outro, com o melhor sotaque da Serra dos Orobó.

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- Não satifesito com a Tereza Cruvinel na presidência da TV Pública, o governo nomeou para Diretora de Jornalismo a Helena Chagas - ex-Globo, assim como Tereza Cruvinel e (não custa lembrar) Franklin Martins. Oxe! Oxe! Oxe! Oxe!

- A pergunta que não quer calar: Será a TV Pública uma sucursal das organizações Globo?

- Se o Bispo Macedo, paladino da DEMOcratização da comunicação fica sabendo, vai exigir um bispo no conselho da tal emissora. O que eu acho muito justo. Já que não temos uma emissora nem pública, nem democrática, que ela seja pelo menos ecumênica. Ê parreia!!!!

sábado, 29 de setembro de 2007

Democracia e Democracias

"Hoje você é quem manda
Falou, tá falado
Não tem discussão"
Chico Buarque - Apesar de Você


Escrevo motivada por um texto do professor Gilson Caroni Filho - A necessidade de uma nova imprensa - publicado na Carta Maior. Vejamos um trecho:

“Cabe ao campo democrático-popular não alimentar ilusões. Se os meios de comunicação são fatores centrais e constitutivos de uma nova esfera pública em formação, não se deve esperar conversões éticas de uma imprensa cuja estruturação está umbilicalmente ligada ao destino de conhecidas oligarquias. (...). Com a experiência acumulada em veículos como Carta Maior, Caros Amigos e Brasil de Fato, entre tantos outros, talvez tenha chegado a hora de investir em um grande jornal de esquerda. (...) Essa é a questão central da democracia brasileira. Precisamos inventar a imprensa democrática”.

O texto me instiga por duas razões: primeiro porque desvincula a reestruturação da mídia do mito de que ela pode ser “reformada de dentro” e segundo porque fala em democracia.Algumas reflexões a partir disso:

1. Cansei! Cansei dos que defendem que é possível mudar a imprensa com bons profissionais lá dentro. As pequenas concessões feitas pela grande mídia são falsas, esvaziam o conteúdo histórico daquilo que reproduzem, descontextualizam atores sociais. Pensemos em quando, por exemplo, retratam a favela e seus “aspectos bons”, para poder escapar da crítica de que a favela é sempre estigmatizada. Saem os estigmas de cena, para entrar idéias vazias, espetaculares e fantasiosas. Lembro de uma amiga que assim definia o “Central da Periferia” da Regina Casé: “Parece que favelado é um bando de chimpanzé adestrado fazendo graça no Fantástico. Um bando de pobre conformado que se vira como pode”.

2. Outra imprensa, outra mídia é algo urgente sim. Não tenho dúvida. Mas, não acreditemos que apenas novos canais irão resolver o problema da comunicação. Não vão, minha gente. Não vão, porque mais do que o monopólio dos meios, a classe dominante possui o monopólio da verdade. E isso, não se rompe com novos canais. Isso se rompe com consciência crítica, com idéias, com uma nova visão de mundo, que também não brotarão de novos canais, o que não tira destes a possibilidade de atuarem na formação daquelas. No entanto, essa responsabilidade não é só dos meios de comunicação.

3. Por último, acho que entender a libertação do monopólio comunicativo dissociado da transformação social, como se fosse um processo sem conflitos e linear, é uma armadilha do nosso tempo. Não se trata de “democratizar a comunicação”, porque democracia não é um princípio ontológico, que vai se projetar da sociedade civil em direção à sociedade econômica. Democracia é um sistema político, é mais do que sufrágio universal, é mais do que uma comunicação não monopolista. Por outro lado, estou de acordo com Gilson, à medida que estou segura de que para vivermos em uma democracia efetiva romper com a estrutura comunicacional vigente é fundamental. Mas, não acreditemos que é suficiente. E será muito pouco, se não for associado a uma ação política transformadora.

PS: Nunca é demais lembrar: dia 05 de outubro vencem várias concessões públicas de grandes grupos, como Globo e Band. Manifestações estão sendo articuladas por todo país. Informações em: fazendomedia.com e direitoacomunicacao.org.br

PS2: O Presidente Lula, em mais um capítulo de sua relação oligofrênica com a grande mídia, nomeou Tereza Cruvinel, da Globo, para presidir a TV Pública. Lá se vão 5 anos de uma bela história: eles batem, ele recua. Eles batem mais, ele faz um agradinho.

PS3: Melhor do que a Tereza Cruvinel, só o capítulo em que ele na inauguração da Record News falou da sua certeza em relação ao compromisso do Bispo Macedo e da nova emissora, com a "DEMOcratização da comunicação". Ê parreia! Vai de reto!

sexta-feira, 28 de setembro de 2007

licorado

gosto da sorte
quando diz
e traz
o que me detêm

gosto da arte
que diz-explode
bem mais além

gosto de coisas
que lembram a morte
no que a vida nos
retêm

gosto de gente
que vive e fala
o que lhe convém



gosto daquilo
e tudo outro
que me faz bem

gosto de tanto
e tudo outro
que vai além...

amarula!!!!

pois é...

é

pois é

mal o galo cantou...

cansei...

e antes que, os mais afoitos, mandem-me tomar no cu,

explico:

cansei dessa minha visão que não encontra irmão nessa tosca amplidão tupiniquim...

e ainda que perto e em redor ecoem minhas pulsações:


tão






me sinto

tão




só.




não





de beijo amor tesão







de cor flor chão



que só

assim

então


dê-me

redenção


ou qualquer coisa que não

me deixe assim tão



quinta-feira, 27 de setembro de 2007

Piratas do Caribe...

Osso duro de roer
Enviado por João Cuenca, O Globo, 27/09*

Se precisasse definir o Brasil numa frase, diria que é o país do perdão. O país da anistia ampla, geral e irrestrita. Anistia que, em lei aprovada pelo governo Figueiredo, não somente livrou a cara dos perseguidos pela ditadura entre 1964 e 1979, mas que também abriu as asas da liberdade aos perseguidores e criminosos "oficiais". Neste país de consciência livre, estupradores, torturadores e assassinos hoje jogam peteca na praia de Copacabana e curtem sua tranqüila aposentadoria. Depois de encher os bolsos, mandar bater e lotear estatais por duas décadas com sobrinhos com dificuldade de aprendizado, os milicos têm a vida que pediram a Opus Dei.
O Brasil, e isso costuma chocar mais nossos companheiros latino-americanos do que a nós mesmos, é o país mais atrasado do continente quando se fala em punir os responsáveis pelos abusos cometidos pelo regime militar. Para o bem da "paz e harmonia nacionais", o governo e a sociedade preguiçosa abaixam as orelhas e deixam pra lá. No país da anistia, tudo é perdoado com esquecimento. O que aconteceu deixa de ter acontecido, como se a roda da história se alimentasse de si mesma, num processo autofágico e irreversível.
O custo dessa amnésia tão simpática e conveniente é alto. Esse déficit moral faz com que o brasileiro aceite a idéia de tortura e violência policial como quem come um pastel de carne moída.
***
Escrevo esses parágrafos, como vocês devem imaginar, movido pela experiência de assistir à pré-estréia de "Tropa de elite", na última quinta-feira, no Odeon. Além da equipe do filme e usuais papagaios de pirata, a sessão contou com a presença, in loco, de Harvey Weinstein, criador da Miramax, vencedor de 45 oscars, produtor de blockbusters como "Pulp Fiction" e "Senhor dos Anéis" e, claro, co-produtor de "Tropa de elite". Weinstein, segundo perfil publicado pela New Yorker, é conhecido como "Harvey mãos de tesoura" pelo seu hábito de interferir na montagem dos filmes que produz. Imagino que não tenha sido o caso.
Poderia entrar no mérito exclusivo do filme e dizer que é impecável no que se propõe e que, apesar (e por causa) da pirataria, será um sucesso de bilheteria estrondoso. Ainda poderia escrever que "Tropa de elite" na maior parte do tempo parece um institucional nauseante do BOPE - no final, só faltou o "Aliste-se já!". Apesar disso, levanta algumas lebres, dá um par de tiros certeiros e deixa pelo menos uma cena na memória - aquela do policial Matias invadindo uma passeata pela paz na PUC.
Ao mesmo tempo, o filme é de um reacionarismo que talvez não tenha paralelos na história do cinema nacional. O texto é claro como pó de mármore: o tráfico de drogas é um câncer, a elite branca é hipócrita, a PM é corrupta, e o BOPE é incorruptível. Só o BOPE, através de seus imaculados princípios, nos salvará das trevas. E para isso, tem certas licenças nada poéticas - a tortura é a principal delas. Eles, que são puros, fazem o serviço sujo que nós, hipócritas de classe média, não encaramos. A lógica do discurso policial que "Tropa de elite" reproduz é cristalina.
O problema começa quando esse monstro disforme chamado opinião pública faz uma leitura do filme que corrobora esses métodos e valores. E aí, "Tropa de elite" pode perigosamente entrar para a história como o filme da geração "Cansei". O público torce pelo herói torturador e mata com ele, tortura com ele, em repetidas cenas à la Abu Ghraib - ou "Guantanamo no Rio de Janeiro", como disse meu amigo Daniel Alarcón. As celebridades enfiadas em black-tie aplaudem cada porrada, num frisson de adrenalina, e todos se convertem instantaneamente em perfumados torturadores de gabinete.
Depois, é claro, sabe-se que vem o perdão, nossa querida e mui conhecida anistia, para o torturador assassino justiceiro e para nós, apêndices conexos dessa violência, como diz a lei número 6.683. Porque, para o bem da "paz e harmonia nacionais", os fins justificarão os meios até o (nosso) fim. Enquanto isso, o pastel de carne moída segue descendo bem pela goela de todos. O uísquinho servido em coquetéis de estréia como a de "Tropa de elite" pode ajudar.

'Tropa de Elite é fascista?' Arnaldo Bloch
Pelos gritos de caveira na estréia e os urros sensuais da platéia, sei não...
Há algo de muito, muito hipócrita, no reino de euforia que cercou a estréia do filme mais celebrado da história do cinema brasileiro. A começar pelo discurso do diretor José Padilha, que perguntou à platéia que jorrava das fileiras do Odeon, quem já tinha visto o filme, "só por curiosidade". Quatro honrados gatos pingados levantaram as mãos, confessando-se piratas. O restante, em ato de alta covardia coletiva, emudeceu, e fez-se um silêncio sepulcral no palácio cinematográfico na Cinelândia.
Com a maior credulidade do mundo, sem qualquer signo de ironia, Padilha, herói de todo um Brasil de honestidade, retribuiu:
- Que bom! Uma platéia virgem!
Risadas, festa, alegria, quel esprit! Sentado no balcão lá atrás, bem malocado (o termo é proposital) dos holofotes, não resisti e gritei a plenos pulmões, ou o que resta deles, maltratados que foram no tempo remoto em que fumava (tabaco, é claro, imaginem!):
- Bando de mentirosos!
Claro que, afora aqueles dois otários (coitados, pensaram que iam ser maioria...), ninguém dos 800 vultos que hiperlotavam o cinema, apertando-se nas escadas e no chão, ia ser besta de assumir o ato de contravenção, ainda mais que estava lá o Secretário de Segurança, outro que emudeceu.
Se assumissem, como é que iam depois ter cara para gritar "caveira" em corinho (quase vomitei o pastel de cordeiro, delicioso, que comi antes) à medida que o capitão Nascimento, o nosso Rambo do Bope (magistralmente interpretado por Wagner Moura) ia se sagrando herói da noite, libertador de todos os medos e de todas as culpas, vingador natural de todos os corações desprotegidos, resultante transcendente de todo o bem e todo o mal ?
Não foi à toa que parte do público sentiu-se à vontade para gritar o lema da tropa corrupta e matadora. Afinal, ao optar pelo capitão Nascimento como narrador do filme, Padilha assumiu, de maneira sistemática, acrítica e quase pedagógica - e justificou para a média reacionária da sofrida sociedade espectadora - o discurso e o ponto de vista do que há de pior na corporação, o discurso da pseudo-razão enlouquecida dentro da loucura institucional, o discurso do "não há saída, tem mesmo é que matar." Tudo no filme que não é o discurso do Capitão Nascimento soa ridículo, risível, até porque os demais personagens são extratos estereotipados numa narrativa que se quer naturalista, mas crivada de cortes que de abrangentes nada têm.
Assim, no filme de Padilha, só a classe média-alta universitária de Zona Sul consome maconha e cocaína. Esta classe média-alta (a "galera"), para fazê-lo, necessariamente, e até com uma certa boa disposição de espírito, trava as melhores relações com o comando do tráfico, descarregando sua culpa burguesa em ongs-fantasia que nada mais são que organismos-títeres da alta bandidagem.
Curioso que, num filme tão up to date, tão distribuído por tantas majors (aliás, quando apareceu "Universal Pictures" na tela, teve gente quase esvaindo de gozo), as várias discussões sociológicas que se travam sobre a questão da violência policial (no âmbito da universidade onde estuda a bandidagem burguesa, no caso, a PUC) não há uma sílaba sequer referente a teses modernas, como a liberação do consumo de drogas, hoje altamente aceitas, ao menos como tema de debate, em qualquer foro, mas não na sala de aula retratada por Padilha, onde só há viciados alienados, com exceção do policial Matias, que conhece a realidade.
A preocupação obsessiva de Padilha é com o baseado que a galera queima, reforçando a tese surrada de que os maiores culpados pela violência do tráfico são os usuários (todos, naturalmente, burgueses). A cada menção desta abobalhada burguesia com "consciência social" (as aspas são do cineasta), gritinhos histéricos eram ouvidos em redutos da plateia, reforçados por palmas tímidas que logo se ocultavam ante a não-aderência (felizmente!) da massa presente. E ao final, quando o aspirante Matias se transformou num "policial de verdade" (leia-se: quando abandona seus princípios e aceita a tortura a crianças como método válido para seus nobres fins de vingança contra el capo) uma ovação aliviada consagrou "Tropa de elite" como porta-voz de nossas inquietações. E dá-lhe "caveira"!

Em artigo ao Globo, Wagner Moura diz que 'Tropa de elite' não é fascista
Publicada em 25/09/2007
Escrevo instigado pelo bom texto do Arnaldo Bloch sobre a sessão de estréia de "Tropa de elite". E respondo categórico à sua pergunta: Não, "Tropa de elite" não é fascista. Não é possível que alguém que tenha visto "Ônibus 174", um dos filmes mais humanistas dos últimos tempos, possa achar que o Zé Padilha (o diretor) tenha feito um filme fascista. Mas também fico preocupado quando vejo o capitão Nascimento ser tratado como herói. Fico pensando como reagiria ao filme uma platéia sueca. Não creio que pensariam naqueles policiais torturadores como heróis, assim como muita gente que vê o filme aqui também não pensa. Talvez os suecos não precisem de heróis. Talvez, aí sim uma tragédia, fascistas estejamos nos tornando nós, brasileiros, cidadãos carentes de uma política de segurança pública qualquer, que vemos naqueles policiais honestos, bem treinados, mas desrespeitadores dos direitos humanos mais elementares, a solução para o caos em que estamos metidos. Compartilhei contigo, Arnaldo, a vontade de vomitar o pastel de cordeiro no Odeon. Mas, na minha opinião, "Tropa de elite" contribui com o mais importante em épocas de crise: o debate (inimigo do fascismo). O filme traz um ponto de vista fundamental para se entender e discutir segurança pública, o olhar do policial. Eu, particularmente, discordo do capitão Nascimento em quase tudo, mas não posso deixar de ver a importância de entender seu pensamento como fundamental para o debate sobre violência no Brasil, já que é ele, assim como os traficantes e os moradores de favela, quem vive diretamente essa guerra particular, como nos ensinou, não por acaso, o capitão Rodrigo Pimentel, roteirista do "Tropa de elite", no seminal "Notícias de uma guerra particular", de João Moreira Salles.
Acho que o "Tropa", além dos méritos artísticos que tem, talvez já seja o filme pós-retomada que mais suscitou debates, a começar pela questão da pirataria, exaustivamente discutida. E não vejo, no Brasil de hoje, debate mais importante do que violência e segurança pública. Segurança pública não tem mais a ver só com a tragédia das vidas que se vão por conta da guerra polícia-tráfico-com-moradores-no-meio. Tem a ver, por exemplo, com aumento de verbas para a Previdência e para a Saúde. E, quando falo de violência urbana, quero lembrar que se para nós, moradores da Zona Sul, maioria na sessão do Odeon, a chapa já tá quente há muito tempo, imaginem para quem não pode sair de sua casa por ordem de um traficante, quem tem que passar a noite no chão com medo de bala perdida, quem é esculachado e desrespeitado pela polícia, quem não pode falar com o parente da comunidade vizinha por ordem do poder oficial, ocupante do vácuo deixado pelo poder instituído que, por sua vez, vem historicamente negligenciando essas pessoas. Isso é um fato: as maiores vítimas da violência urbana no Brasil são os moradores das favelas, e o filme mostra isso. Estou convicto: não há armas mais poderosas de combate à violência do que educação, cultura, lazer, esporte, bem-estar social e geração de emprego. É assim que o capitão Storani, oficial do Bope reformado que nos auxiliou no treinamento para o filme, tem tentado combater a violência em sua gestão como secretário de Segurança num município da Baixada. E, mais uma vez, recorro ao capitão Pimentel, na maravilhosa entrevista a João Moreira: "Enquanto o único braço do poder público que sobe a favela for a polícia, não haverá solução."
Pimentel foi também o primeiro policial que eu vi defender a legalização do consumo de drogas, que o Arnaldo reclamou não constar nos debates do núcleo PUC do filme, onde o Zé Padilha estudou. E acho que já passou da hora mesmo de discutir esse assunto com honestidade. Capitão Nascimento põe sua vida em risco todos os dias para lutar uma guerra inútil contra o tráfico e responsabiliza os consumidores pela sua tragédia pessoal. Essa tem sido inclusive uma bandeira defendida por órgãos oficiais de combate às drogas. É lógico que há uma responsabilidade individual nisso, e eu conheço muita gente que deixou de fumar maconha para não alimentar o tráfico. Mas não creio que essa campanha seja mais eficaz do que a legalização do consumo. O uso de drogas existe desde que o mundo é mundo e não vai ser a repressão que vai acabar com o consumo. Mas a legalização pode acabar com o tráfico. Eu vejo o consumidor como o elo mais fraco da cadeia. Combatê-lo é contraproducente. O abuso e o vício devem ser tratados como problemas de saúde pública. O tráfico é que é questão de segurança pública. É o tráfico que arrasta os jovens de periferia para a morte e tenho certeza de que morre muito mais gente na guerra do tráfico do que de overdose. De que forma fazer, eu não sei, mas acho que já passou mesmo da hora de discutir o que me parece óbvio e acredito que o filme contribui com isso. Só mais um dado: sabe de quem partiu a idéia de legalizar as drogas na Holanda? Da polícia, parceiro.